Indígenas Guarani do Araçá'í desocupam de maneira provisória sede da Funai

Cimi - http://www.cimi.org.br/ - 21/10/2011
Os Guarani do Araçá'í desocuparam provisoriamente a Fundação Nacional do Índio (Funai) em Chapecó na tarde desta quinta-feira (20) mesmo não tendo ainda uma definição do retorno para o território tradicional. São várias crianças, jovens e adultos que sonham em ter um lugar para poder plantar e morar.

Em reunião nesta semana no Ministério Público Federal de Chapecó, cogitou-se a possibilidade da transferência do grupo para uma terra Guarani em Paranaguá, no Estado do Paraná, ou em outra terra do povo Kaingang. Os Guarani não aceitaram a proposta, pois a distância do Território Indígena tradicional dificultaria ainda mais a luta. No caso de irem para outra terra Kaingang, não teriam possibilidade para plantar.

É inconcebível uma situação como essa com o povo sem ter para onde ir e sem o apoio do órgão responsável, no caso a Funai. Mesmo nesta situação, os Kaingang da Terra Indígena Toldo Chimbangue irão acolher por mais um mês os Guarani, para que neste período a Funai defina um espaço provisório para eles.

Diante disso, são resistentes e não querem desta forma deixar de lado aquilo que há muitos anos sonham: retornar para a terra tradicional. Uma história que merece ser destacada, neste momento de muitas incertezas e dúvidas, de um Governo que diz respeitar os Direitos Humanos, e, neste caso o povo Guarani, que por séculos vivem sem terra e não tendo para onde ir vivem acampados à beira de estradas ou morando de favor em terras Kaingang.

Durante o processo de colonização, coordenado pelo governo do Estado de Santa Catarina, com a intenção de implantar um modelo de desenvolvimento para a região, as terras Guarani foram indevidamente tratadas como devolutas e concedidas a uma empresa particular de colonização. Por força de lei, a colonizadora "Companhia Territorial Sul Brasil" deveria ter mantido reservadas as terras indígenas, mas não o fez. Estas terras foram ilegalmente loteadas e vendidas pela companhia e tituladas pelo governo.

Quando os primeiros colonos chegaram, vindos em grande parte do Estado do Rio Grande do Sul, viviam nesta região muitas famílias Guarani que, para resistir, foram se concentrando nas proximidades do rio Araçá, na região de Saudades e Cunha Porã. No entanto, a violência da colonização foi expulsando-as de suas terras. Na década de 1930, a maioria delas foi exilada para terras do Povo Kaingang. Mesmo se tratando de povos historicamente inimigos, os Guarani e os Kaingang foram forçados pelo governo brasileiro a partilhar o mesmo pedaço de terra. Algumas famílias Guarani, no entanto, permaneceram na região.

Os Guarani viveram, durante anos, confinados em áreas do povo Kaingang, mas sempre alimentaram o desejo de recuperar as suas terras. Por isso, em 1998, procuraram a Administração Regional da Funai, em Chapecó, informando sobre a situação de suas terras e sobre a história de violência. Reivindicaram o direito de retornar para o Araça'i, terra que viu nascer alguns anciãos guarani que hoje lutam pela demarcação. Reivindicaram apenas uma pequena parte de uma área de seus antepassados.

Os guarani exigiram do governo federal uma atitude concreta no sentido de demarcar a área e assegurar os seus direitos, mas durante anos a omissão foi a resposta. Na luta pela justiça e pela dignidade, alimentada no sonho da "Terra sem Males", os Guarani decidiram então retomar as suas terras. Na madrugada de 10 de julho de 2000, cerca de duzentos Guarani homens, mulheres e crianças regressaram para a sua terra tradicional.

A retomada do Araça'í significou, para os Guarani, a possibilidade de viver sua cultura e suas tradições, educando as crianças dentro de um espaço conhecido, construindo o seu tekoha. Enfrentaram muitas dificuldades, tempestades, geadas e todo o frio do inverno em barracos improvisados. Suportaram a escassez de alimentos. Também resistiram às ameaças constantes, vindas de pessoas que rondavam o acampamento, disparando tiros para intimidá-los. Assistiram a uma massiva campanha contra a sua presença na região, fundada em argumentos preconceituosos e ofensivos. Mesmo assim, os Guarani demonstravam a alegria de estar de volta à terra de sua história, lugar de ser gente por inteiro, invadida, loteada e devastada pelas mãos dos colonizadores.

A ação dos Guarani causou surpresa e indignação para algumas autoridades, políticos e agricultores da Região e do Estado. Eles ficaram inconformados com esta situação que parecia superada, mas que voltou à tona e tomou a cena regional. A presença indígena era considerada um "problema resolvido" no oeste catarinense e, de repente, eles surgem reclamando os seus direitos, confrontando-se com o modelo de desenvolvimento. Ao retomar as suas terras eles denunciaram as irregularidades cometidas pelo governo estadual, quando concedeu títulos privados em terras indígenas - patrimônio da União.

Durante esse processo de luta, os Guarani conseguiram assegurar a criação de um Grupo de Trabalho (GT), para realizar o estudo antropológico e histórico da área do Araça'i. Esse GT foi constituído em setembro de 2000 e iniciou seus trabalhos no mesmo período, onde comprovou a tradicionalidade de 2.721 hectares de terra, entre Saudades e Cunha Porá, ao final de 2005. A Portaria declaratória foi assinada em 2007.

Após liminares, assim como o julgamento do mérito da Ação Judicial, que pedia a nulidade da Portaria, o procedimento administrativo que visa regularizar a terra, está com a portaria ministerial que declara a sua tradicionalidade vigente, o que determina que a Funai dê seguimento ao processo, com a demarcação física e o inicio do pagamento das benfeitorias dos ocupantes de boa fé. E para isso, cabe ao Estado de Santa Catarina assumir sua responsabilidade, regulamentando a Lei já aprovada pela Assembléia Legislativa por ampla maioria dos Deputados, em junho de 2005, e corrigir os erros do passado e, portanto, indenizar as terras tituladas indevidamente a estas famílias.



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