Índios Isolados no Acre e o Desmonte das Políticas Indigenista e Ambiental Brasileiras

Ecodebate - http://www.ecodebate.com.br - 29/08/2013
Prezados(as) leitores(as), esse texto foi finalizado nos primeiros dias de junho deste ano, porém permanece atual. Fruto do pedido de uma amiga antropóloga, para que eu escrevesse um pouco sobre as políticas ambiental e indigenista atuais, frente à problemática dos índios isolados. Como resido no Acre e trabalho com indígenas, conheço um pouco a questão dos isolados, sem nenhuma profundidade, e é preocupante e delicada, não contando com quase nenhuma ação ou política pública. Agora, se o Brasil não tem dado conta, minimamente, do direito à terra e garantia de direitos básicos aos índios já adaptados à cultura capitalista, que dirá os isolados. Inclusive, recentemente, tem saído documentos das etnias da TI Vale do Javari contra os leilões da exploração de petróleo e gás no Acre (Vale do Juruá) e noroeste do Amazonas, que precisamente irá afetar isolados dessa TI, bem como, sem dúvida, do Acre, igualmente sobre as TIs e UCs em geral.

Neste meio tempo, da finalização do artigo para cá, o cenário apenas piorou. Como se não bastassem os projetos de lei e de emendas constitucionais em curso, a ofensiva ruralista anti-indígena legislativa relançou dois outros igualmente severos, ou ainda piores: a PEC n. 76 de 2011 e o PLP n. 227 de 2012. No exato momento, o governo federal vem sem tornando mais "manso" na conversação com o movimento indígena, como observamos na fala do ministro da justiça de que é contra a PEC n. 215 de 2000 e o PLP supracitado. Porém, como bem vem sinalizando o movimento indígena (vide a carta após a reunião da CNPI de 22 de agosto de 2013), e organizações indigenistas como o CTI e o CIMI, esta mansidão, que o governo chama de "abertura da mesa de diálogo", tende mais a ser uma manobra eleitoreira de tentar esfriar o movimento. Afinal, o governo percebeu o tamanho, a firmeza e a força do movimento social indígena, que ocupou o Congresso Nacional em abril, o que aliás foi o estopim fundamental das intensas manifestações de rua em junho e julho deste ano, bem como ocupou por diversas vezes o canteiro de obras da UHE Belo Monte. E, até agora, além de todas as PECs, PLs e a Portaria AGU n. 303 de 2012 (ver abaixo) em curso, que visam literalmente acabar com as terras indígenas, tornando-as assentamentos rurais comuns e confinados, permanecem parados dezenas de processos de demarcação das terras, exclusivamente por pressão política contrária. E o cenário é igualmente grave nos assassinatos, violências e perdas sofridas pelos Tupinambá recentemente, pelos Terena, Munduruku e Guarani (estes, aliás, há décadas em processo de genocídio evidente), entre outros. Diante de tantas ameaças graves e diretas às terras e povos indígenas, menciono aqui apenas as mais graves, sem nem adentrar nos preocupantes problemas atuais da saúde e educação indígenas.

Portanto, desculpem o atraso, motivado pela espera de publicação em duas fontes impressas, as quais não ocorreram. Mas creio que vale a breve análise que segue, de como na atualidade estamos passando por um retrocesso gravíssimo das políticas ambiental e indigenista, em nível federal, e em certa medida, também, nas esferas estadual e municipal. Trata-se de uma ofensiva planejada, um desmonte verdadeiramente arquitetado, muito mais do que apenas o sucateamento dos órgãos públicos.

ÍNDIOS ISOLADOS NO ACRE E O DESMONTE DAS POLÍTICAS

INDIGENISTA E AMBIENTAL BRASILEIRAS

Roberta Graf

junho de 2013

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Há cerca de três décadas já se sabe do avanço de índios isolados no território do Acre, oriundos do Peru. Há dez anos, porém, este movimento migratório se intensificou enormemente, e as causas são bem conhecidas, embora nada se tenha feito, por parte do governo de nenhum dos países, para minimizar o problema. Os isolados estão sendo verdadeiramente expulsos de seus territórios de origem pela intensa exploração madeireira e petrolífera em uma vasta região do Peru, fronteiriça com nosso país, exploração esta legalizada e empresarial, afora também as atividades clandestinas que se somam nesta região, inclusive o tráfico de drogas. Hoje então, já contamos com quase um milhar destes índios sem (ou reduzido)1 contato com a "civilização ocidental", que então vem ocupando as florestas acreanas, se encontrando, então, com índios já integrados à sociedade, como os Huni Kuin (Kaxinawá), os Ashaninka (Kampa) e Madejá (Kulina), entre outras etnias. Encontram-se, também, com diversos seringueiros, ribeirinhos e colonos. Ocupam terras às margens dos Rios Envira, Tarauacá, Murú, Iboaçú, Jordão, Xinane, entre outros.

Nestes encontros ocorrem numerosos conflitos. Os mais noticiados são furtos, isolados ou em massa, de produtos dos roçados e de variados artefatos das casas dos índios ou seringueiros, tais como panelas, terçados e redes. Houve diversos casos de aldeias inteiras, casas inteiras, esvaziadas. Há também casos de assassinatos dos dois lados, nestes contatos nada amistosos (OESP, 2012). Os seringueiros, muitas vezes, confundiam os isolados com os índios já aculturados brasileiros, o que gerava animosidade entre vizinhos.

E assim a situação se agrava. Mensalmente surgem notícias na mídia de contatos entre isolados e os "nossos índios", geralmente em situação de ameaça ou conflito. Muitos acontecimentos não saem na mídia, pois os índios sabem da delicadeza da questão, da política da FUNAI e dos antropólogos, já de vários anos, de evitar o contato e "nunca mais amansar" os isolados, ou "brabos", como são conhecidos. Neste meio tempo, ocorrem mortes dos dois lados que nem chegam a ser contabilizadas, e prejuízos notórios como o fato de uma aldeia inteira (chamada de Novo Segredo), com dezenas de famílias, ter que se mudar para a cidade de Jordão em meados de 2011, para evitar conflitos com os isolados e traficantes peruanos que os estavam ameaçando - falava-se até no risco de "guerra" entre os grupos. Para evitá-la, referiram, então, se retirar para bem longe, com evidentes prejuízos em vários sentidos.

A FUNAI encontra-se extremamente enfraquecida e as bases avançadas de trabalho junto aos isolados estão esvaziadas (TRAVASSOS, 2013). Pior, recentemente, o governo, cedendo à pressão de um grupo organizado de latifundiários, colocou a FUNAI sob intervenção e pode instalar uma CPI sobre a Fundação, o que veio a atrapalhar ainda mais o trabalho da instituição. Por outro lado, as Forças Armadas (quando houve a entrada maciça de traficantes), os governos brasileiro e acreano nada, ou quase nada, têm feito a respeito. A diplomacia do governo brasileiro não trata da questão junto ao governo peruano, a despeito dos diversos apelos das organizações indígenas e indigenistas e de setores de governo. E a situação só se agrava.

Mas o tema dos isolados é polêmico, e assistimos, inclusive, a um conflito frontal de opiniões entre os "nossos índios" e a FUNAI, acerca das formas de resolver os problemas. Os Huni Kuin de Tarauacá, por exemplo, do Rio Humaitá, que há muito vêm sofrendo os furtos que os isolados praticam, não aceitam a ideia do isolamento, e dizem que apenas o contato pode evitar uma "futura guerra civil" entre os grupos. Ressalte-se que este grupo já teve que mudar uma aldeia inteira de lugar, nove curvas de rio abaixo (o que dá muito trabalho, custos monetários, socioculturais e ambientais), para minimizar o contato com os isolados. A FUNAI chegou a fazer oficinas de esclarecimento sobre o tema com este grupo, em dezembro de 2009, mas a opinião deles que ainda prepondera é a do contato. Como se sabe, a linha do órgão indigenista e da antropologia em geral é protegê-los e evitar o contato a todo custo. Por isso propõem estratégias intermediárias, como "oferecer" panelas e terçados aos isolados e repô-las aos índios quando forem furtados (uma forma de indenização), e manter observação e vigilância, estudando-os "de longe". Mas nem isso conseguem fazer, devido ao extremo enfraquecimento atual da política indigenista em nosso país. A situação dos isolados em si tende a se agravar com a intensificação da exploração madeireira e petrolífera no Peru, com a construção da estrada entre Cruzeiro do Sul (Acre) e Pucallpa (Peru) e com a futura exploração de petróleo ou gás natural em nosso território, bastante criticada pelos movimentos ambientalistas e indigenistas - o que afetará, aliás, de forma significativa, povos isolados da TI Vale do Javari, no Amazonas (OESP, 2012; TRAVASSOS, 2013).

O retrocesso da política indigenista se deve, principalmente, a uma feroz ofensiva do setor do agronegócio, os chamados "ruralistas", que são principalmente os grandes latifundiários da monocultura da soja, do algodão e da pecuária, associados às multinacionais dos agrotóxicos e transgênicos, os quais hoje gozam de diversas cadeiras e muito poder na Câmara de Deputados, no Senado e nos partidos políticos em geral.2 Organizados na Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) e na Confederação Nacional da Agricultura (CNA), têm orquestrado diversas ações frontais contra a legislação e política indigenista. Alguns fatos desta ofensiva serão apresentados adiante, mas há também o vigor desenvolvimentista do governo federal que vem construindo, a qualquer custo, diversas mega-hidrelétricas na Amazônia. Existe hoje um movimento indígena ampliado de se contrapor a todas estas hidrelétricas anunciadas.

As mega-hidrelétricas da Amazônia afetam frontalmente vastas terras indígenas, e tem sido implantadas sem respeito à Convenção n. 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário desde 2002, como as UHEs dos Rios Madeira, Xingu (Belo Monte), Tapajós e Teles Pires. Absolutamente nenhuma consulta prévia, livre e informada foi feita, oficialmente, com as vastas populações indígenas, ribeirinhas e tradicionais afetadas em cada hidrelétrica (MPF, 2013). A resistência indígena se fez sempre presente desde os primeiros passos do licenciamento ambiental, bem como a ambientalista. Para assegurar as hidrelétricas, das quais o governo federal não abre mão dentro do seu plano PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o governo desafetou cerca de 150 mil hectares de 07 unidades de conservação (03 de proteção integral e 04 de uso sustentável) por meio de medida provisória, que posteriormente foi transformada na Lei n. 12.678 de 2012. Ainda, para assegurar os inventários, estudos e obras das hidrelétricas, decretou a presença da Força Nacional floresta adentro, a qual tem intimidado e ameaçado índios e populações tradicionais, trabalhadores das obras e quem mais possa se insurgir na frente deste projeto de governo. É o Dec. n. 7.957 de 2013.

Vale ressaltar que são inúmeros setores da sociedade brasileira e de organizações mundiais (inclusive a OEA) críticos destas hidrelétricas, principalmente a de Belo Monte, que inclusive passa por sucessivas greves e protestos dos milhares de trabalhadores das obras. Indígenas ocuparam o canteiro de obras de Belo Monte já há 02 meses, sempre ameaçados pela polícia, e não se sabe quais serão os desdobramentos. O Ministério Público, tanto Federal quanto Estadual do Pará, lançam diversas ações civis públicas e outros instrumentos jurídicos para questionar estas leis, decretos, as licenças ambientais, as condições das populações locais, etc, e a batalha judicial tem sido acirrada. Segundo o Ministério Público Federal do Pará, o governo se vale de instrumentos jurídicos altamente ditatoriais para "suspender temporariamente" (ou "adiar indefinidamente") os processos, e assim o governo ganha liberdade para continuar com as obras (MPF, 2013). E, se for preciso, segundo temos visto, mais homens da Força Nacional serão acionados.

A ofensiva ruralista anti-indígena recente, como apoio explícito do primeiro escalão do governo federal, e se valendo de uma forte manipulação da imprensa e da opinião pública anti-indígena, gerou os seguintes fatos:

A PEC 215 de 2000 foi relançada com força total. Pelo meio dela, transfere-se a tarefa da demarcação de terras indígenas e territórios quilombolas, bem como a criação de unidades de conservação, ao Congresso Nacional (poder legislativo, e não ao executivo, como sempre foi). Os ruralistas alegam que os órgãos de criação dessas terras, respectivamente a FUNAI, o IPHAN e o ICMBio são "parciais e pouco competentes" para a tarefa, e que essas terras são muitas vezes demarcadas "injustamente sobre terras produtivas da agricultura". Sabe-se, porém, que a realidade é bem outra, é de "grande fome de poucos latifundiários por muita terra", afinal os processos de demarcação são legitimados por anos de prática destes institutos, e contam, inclusive, com um processo local participativo de todos os atores sociais envolvidos, entre eles os proprietários de terra, que são indenizados em caso de perda. Se a demarcação de terras indígenas passar para o Congresso, principalmente considerando sua composição atual (majoritariamente ruralista), bem como o acúmulo de trabalho sempre pendente no mesmo, praticamente vão se paralisar os processos, sabendo-se que o passivo de criação e homologação é, ainda hoje, de mais de dois terços das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas.3
A paralisação da reforma do Estatuto dos Povos Indígenas (PL n. 2.057 de 1991), fundamental para a consolidação dos direitos destes povos, um projeto construído cuidadosa e democraticamente.
A Portaria da AGU n. 303 de 16 de julho de 2012, a qual, de tão flagrantemente inconstitucional e contrária à Convenção n. 169 da OIT, foi suspensa (mas não revogada), após intensas manifestações sociais dos setores indigenistas, mas também da própria Procuradoria Geral da República, da Associação dos Advogados da União e da OAB. Esta Portaria supostamente adotaria as 19 condicionantes do processo de homologação da TI Raposa Serra do Sol estabelecidas, neste caso específico, pelo STF, que resultariam nada menos do que os seguintes retrocessos:
Não ampliação de nenhuma terra indígena, sem nenhuma justificativa plausível - trata-se, mesmo, de um "golpe político";
Paralisação da demarcação das terras indígenas em curso, adequando a "novos critérios" (???) mais rígidos, e ainda a revisão de todas as TIs já demarcadas mediante estes novos critérios;
A entrada nas TIs, sem consulta prévia aos povos que nelas habitam, de quaisquer obras de infraestrutura de interesse do governo, como hidrelétricas, rodovias, linhas de transmissão, redes de comunicação, etc;
A entrada da polícia e das Forças Armadas nas TIs sem qualquer consulta ou aviso prévio, bem como a construção de bases militares sem necessidade de consulta;

Qualquer ação ou projeto considerado "estratégico" pelo governo poderá ser feito a qualquer tempo dentro das TIs, e "serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI";

O usufruto dos recursos naturais do solo, rios e lagos das TIs, que até então era exclusivo dos indígenas que nelas habitam, "pode ser relativizado sempre que houver relevante interesse público da União";

Nos casos de sobreposição entre TIs e UCs, transferiu-se a responsabilidade de gestão unicamente ao ICMBio - será porque este órgão está mais frágil, e portanto mais vulnerável à intervenção ruralista-desenvolvimentista do que a FUNAI?

A Portaria acima brevemente descrita, somada à PEC n. 215 de 2000 (se aprovada), são golpes cabais à política indigenista em geral, praticamente inviabilizando a criação de novas terras e descaracterizando completamente as existentes, retirando dos indígenas qualquer autonomia de gestão, ou mesmo voz ativa como donos dos territórios ou ator sociopolítico relevante. Em resumo, cala-se a boca das representações indígenas, "tratando-nos como animais, e não seres humanos", como disseram os indígenas acreanos na recente manifestação ao governo federal (JURUÁ ON LINE, 2013).
Outra PEC parecida é a de n. 38 de 1999, também em trâmite, que transfere a demarcação de terras indígenas ao Senado.
Como se não bastassem estas três, surgiu também a PEC n. 237, que prevê a concessão, se o governo assim julgar procedente, de até metade de cada terra indígena ao agronegócio.
Tão agressiva quanto as quatro normativas supracitadas, ressurge também no Congresso o PL n. 1.610 de 1996, que abre a mineração das terras indígenas ao sistema normal do Ministério de Minas e Energia (MME), de concessão às empresas, também sem necessidade do "aval" dos povos residentes, o que passa por cima de longos debates consolidados para o novo Estatuto dos Povos Indígenas, parado no Congresso.
No último mês, a Frente Parlamentar Agropecuária lançou também as seguintes ofensivas:

Reunião e pressão junto à Ministra da Casa Civil do governo federal, Gleisi Hoffmann, que, cedendo às pressões, mandou paralisar a demarcação de terras indígenas no seu estado de origem, Paraná,5 e brevemente em mais 03 estados (Mato Grosso, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), condicionando-as a pareceres normativos da EMBRAPA;
Esta mesma ministra fez com que surgisse a intervenção na FUNAI, e, segundo consta, farão o mesmo com o INCRA, órgão responsável pela reforma agrária;

Reunião e pressão junto ao STF, para fazer valer a Portaria da AGU n. 303 de 2012. Esta pressão, porém, não obteve resultados, ao menos por enquanto;

Assumiram, com manobras políticas, a presidência da Comissão Nacional de Política Indigenista, CNPI (ALVES, 2013), e estão travando a sua transformação em conselho deliberativo - reivindicação antiga do movimento indígena;

Aliados à bancada evangélica (pentecostal) de parlamentares, assumiram também a Comissão de Direitos Humanos do Congresso na pessoa de um histórico expoente anti-indígena, o Pastor Feliciano, que vem sendo extremamente criticado por numerosos movimentos e organizações ligadas à defesa dos direitos humanos;

Submissão da criação das TIs, primeiramente, aos interesses do MME, ou seja, ao invés de se consultar primeiro os índios sobre empreendimentos de energia em seus territórios, se consulta primeiro o ministério sobre a presença de índios onde se pretende seus projetos. Projetos estes enormemente questionáveis, pois em geral são mais para atender ao lobby do setor empreiteiro do que à sociedade.

Genocídio dos povos Guarani e Guarani-Kaiowá, principalmente em Mato Grosso do Sul, com destaque ao município de Dourados, que há décadas sofrem situação de expulsão, confinamento, mortes em grande número (assassinados diretamente por jagunços, atropelados na beira das estradas, por fome, por doenças e suicídios). Vale dizer que já houve diversos processos judiciais, livros documentados, denúncias à ONU e reuniões com os presidentes Lula e Dilma Rousseff, e nada foi resolvido, a situação só se agrava (CIMI, 2011).

Ataque da Polícia Federal ao povo Munduruku, na divisa do Mato Grosso com o Pará, que resultou no assassinato de uma liderança e diversos feridos, sob pretexto de combater o garimpo em suas terras mas que, segundo consta, vem associado a fortes interesses de grandes empresas de mineração e do setor hidrelétrico em seus territórios (JORNAL O GLOBO, 2012).

Assassinato de um índio Terena, Oziel Gabriel, e tentativa de assassinato de outro, Joziel Alves, primo do falecido, que pode vir a ficar tetraplégico (está no hospital, neste momento). O acontecimento foi no município de Sidrolândia, em Mato Grosso do Sul, a apenas 79 quilômetros da capital Campo Grande, em disputas de terras entre fazendeiros e a Terra Indígena Buriti (SQUINELO & ARAÚJO, 2013). A grave situação foi motivo de início de uma marcha de centenas de indígenas deste e de outros estados a Brasília, e de notas de repúdio de vários antropólogos e organizações. Caracteriza, também, junto aos casos dos Guaranis, o Mato Grosso do Sul como o pior foco brasileiro de conflitos anti-indígenas, com traços de verdadeiro genocídio.

Como resultado de toda esta ofensiva, as respostas do movimento indígena de todo o Brasil são, também, contundentes, como nos encontros "Abril Indígena" em Brasília de 2012 e, principalmente, deste ano de 2013, em que cerca de 700 índios e índias de 75 etnias diferentes invadiram o Congresso Nacional, e bradavam frases como "Dilma é assassina porque está provocando o genocídio, violentando a Constituição Federal e matando os nossos filhos ao construir hidrelétricas e usinas pelo País"; "Dilma não quer nos receber, vamos fazer pajelança para ver se ela tem coração e revoga a PEC 215, as portarias 303 e 038 e o Projeto de Lei da Mineração"; "não aceitamos e não vamos aceitar mais esse genocídio" (Marcos Apurinã, da COIAB, in RACISMO AMBIENTAL, 2013b). E ainda: "a responsabilidade de criar terras indígenas é do governo brasileiro e não do congressista latifundiário, que só quer plantar soja e devastar a natureza" (Álvaro Tucano in RACISMO AMBIENTAL, 2013a).

Em apoio aos índios surgem diversas manifestações e textos escritos por organizações como o CIMI e diversas organizações indigenistas, a ABA (Associação Brasileira de Antropologia), antropólogos professores de universidades e a associação de servidores da FUNAI, entre outros movimentos sociais e ambientais de apoio.

A política ambiental brasileira também afeta a questão indígena. Em tese, quanto melhor a política ambiental, melhor a preservação dos territórios indígenas, e o inverso também é verdadeiro, sendo os índios, comprovadamente, grandes expoentes da preservação da natureza e boa gestão ambiental. Ocorre amiúde a invasão das TIs acreanas, por exemplo, para caça e pesca predatória, desmate e queima irregular (no caso dos conflitos de terra, como vem ocorrendo no Seringal Curralinho, da etnia Huni Kuin, em Feijó), furto de madeiras nobres e até biopirataria. Isso porque os órgãos ambientais estão extremamente enfraquecidos em todo o país, e o Acre tem sido um dos estados menos fiscalizados em termos de crimes e infrações ambientais, devido ao embargo de oligarquias político-econômicas locais (nos bastidores), falta de vontade política e carência de recursos humanos e financeiros.

Em nível federal, a "ofensiva ruralista", que hoje está acirrada em cima da perda de direitos e terras indígenas pelos povos detentores, começou, na verdade, como ofensiva à política e legislação ambiental. E neste campo, para prejuízo dos nossos recursos naturais e da sociedade como um todo, obtiveram muitas vitórias, como o novo Código Florestal, em que a proteção da vegetação nativa ficou extremamente fragilizada (Lei n. 12.651 de 25 de maio de 2012), e ainda:

Enfraquecimento extremo do IBAMA, desde a dobradinha Lula - Marina Silva, com a sua divisão de atribuições, servidores, imóveis e equipamentos para a criação do já enfraquecido ICMBio, a transferência da gestão de recursos pesqueiros ao inoperante Ministério da Pesca, e a queda orçamentária geral, crescente até hoje;

A Lei Complementar n. 140 de 08 de dezembro de 2011, que enfraquece extremamente não só o IBAMA como o CONAMA e toda a gestão ambiental federal, em tese transferindo quase todas as atribuições aos estados e municípios, os quais, na maioria, não as estão adotando ou as estão operacionalizando de forma precária (vide as recentes prisões de secretários estadual e municipal do meio ambiente no Rio Grande do Sul);

Como reflexo da perda de atribuições, o orçamento da atividade finalística do IBAMA hoje é apenas 13% do total, sendo o grosso destinado à área administrativa. Ocorre também omissão na execução de certas atribuições, como a publicação do Relatório de Qualidade do Meio Ambiente,6 embora tenha sido cobrado reiteradas vezes em acórdãos do TCU (GRAF, 2011);7

Enfraquecimento extremo da ANVISA e do IBAMA no controle dos agrotóxicos, bem como direcionamento de boa parte do Poder Judiciário em favor do lobby das multinacionais do setor (FIOCRUZ, 2012);

Enfraquecimento e enviesamento do CTNBio na aprovação das variedades transgênicas, no sentido, novamente, das multinacionais envolvidas, as quais buscam, entre outras facilidades (como os grandes incentivos econômicos e fiscais que estão obtendo), manter os estudos sob sigilo e escapar da necessidade de rotulagem dos alimentos transgênicos (IHU, 2013).

No cenário atual, do governo desenvolvimentista no sentido mais oblíquo do termo, numa visão crescimentista econômica colonial e atrasada, extremamente destrutiva ambientalmente, e com uma ofensiva clara à perda de direitos e territórios indígenas, se não há proteção aos índios de etnias já com interação à cultura ocidental... que dirá proteção aos índios isolados, que adentram as terras do Acre fugindo, também, de agressões socioambientais graves, que nem podem lutar pelos seus direitos nas arenas de disputa da política brasileira (ou peruana).

Será que estas não-políticas indigenista e ambiental refletem a vontade majoritária da sociedade brasileira? Será que ela deu o aval aos governantes para serem corruptos, destruírem a natureza, os índios, os órgãos públicos, envenenarem nossos alimentos? Ou será que os processos políticos e educacionais em nosso país ainda precisam amadurecer, e muito, para que se elejam melhores representantes? A tão sonhada democracia permanece a nossa palavra-chave de utopia mais valiosa a ser buscada, aliada à cidadania de qualidade, através da educação e empoderamento dos atores sociais como um todo, para participarem dos processos políticos em todos os níveis.



http://www.ecodebate.com.br/2013/08/29/indios-isolados-no-acre-e-o-desmonte-das-politicas-indigenista-e-ambiental-brasileiras-por-roberta-graf/
PIB:Acre

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