Carnaubeira da Penha, no sertão pernambucano, está entre os mais baixos perfis no Índice de Desenvolvimento Humano (IDHM) do país, ocupando a 4786ª posição no ranking de 5.565 cidades. Com população pouco acima de 11 mil habitantes, de acordo com o censo do IBGE de 2010, a cidade está aquém de 85,98% dos municípios brasileiros.
Porém, os vereadores de Carnaubeira parecem mais preocupados com questões federais, longe da competência delegada pela Constituição ao legislativo municipal, e à revelia de necessidades básicas da população por saneamento, educação e saúde, cujos indicadores estão abaixo da média nacional.
No último dia 17 de fevereiro, um projeto de mudança do nome da Unidade de Saúde Indígena Velho Anjucá, que atende ao povo Pankará da Serra do Arapuá, foi posto em votação pelo presidente da casa, Jotanilton Cícero Bezerra (PSC), e aprovado por cinco votos a favor e quatro contra. Pela decisão dos vereadores, a unidade passa a se chamar Nossa Senhora da Conceição. Para os Pankará todo procedimento legislativo é ilegal.
"A atitude da câmara de vereadores de querer influir ou alterar o nome do posto da Sesai é inconstitucional, pois não dispõe de competência para fazer qualquer interferência em uma secretaria ligada ao Ministério da Saúde. Trata-se de desinformação ou motivação política, ou as duas coisas", afirma o assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Adelar Cupsinski. O presidente da Câmara de Vereadores de Carnaubeira não foi localizado pela reportagem para comentar o teor do projeto.
"Quando o projeto de alteração do nome da unidade de saúde surgiu, eu conversei com o presidente da casa sobre a inconstitucionalidade da proposta. No dia da votação eu me pronunciei contra, contando a história do meu povo e mais uma vez alertando que aquilo não era atribuição da câmara de vereadores", afirma cacique Maria das Dores Limeira, conhecida como Dorinha Pankará, também vereadora desde 2012 - na foto, a primeira da esquerda para a direita.
Não é a primeira vez que por alguns vereadores surgem propostas de interferência do legislativo na questão indígena dos Pankará e Atikum, povo que vive na Serra do Umã, sobretudo quanto ao nome da unidade de saúde Pankará. Durante o ano passado, alguns vereadores tentaram alcunhar o posto com o nome de um posseiro que detém propriedade dentro dos limites de identificação da terra indígena.
"O nome da unidade foi decidido pela comunidade porque faz referência ao mito de criação do povo Pankará. Acredito que por trás de tal decisão esteja quem não quer os Pankará organizados em busca do território tradicional", analisa cacique Dorinha. A intenção do grupo de vereadores, conforme cacique Dorinha, é enfraquecer a organização interna Pankará e demonstrar que a existência do povo está submetida às vontades das elites política e agrária sertanejas.
Por outro lado, de acordo com fonte do meio político de Carnaubeira, que aqui não identificamos por razões de segurança, o projeto pautado da câmara visa deslegitimar a liderança da cacique e esvaziar sua atuação parlamentar, entendida como símbolo da violação de um espaço ocupado pela elite agrária sertaneja. "O espaço (câmara) não é para índio que quer terra, mas para quem quer a terra dos índios e no máximo para os índios vendidos. Dorinha está fora disso e é atacada naquilo pela qual ela luta", explica.
Espaço colonial
A Câmara de Vereadores de Carnaubeira da Penha nasce com a emancipação política da cidade, em 1991, até então um distrito do município de Floresta. Carrega em si a marca da elite agrária, que no decorrer dos séculos expulsou os indígenas da região, roubou as terras tradicionais e os submeteu ao anonimato à custa de ameaças de morte e exílio.
Se a Câmara de Vereadores de Floresta tornou-se um espaço colonial, o parlamento fundado com a criação de Carnaubeira não foi diferente. Portanto, quando em outubro de 2012 cacique Dorinha Pankará se elege vereadora, sendo a primeira mulher a ocupar tal posto na cidade, este espaço colonial é violado por quem havia sido condenado ao silêncio, à morte e a trabalhar para as famílias que herdaram o saque das terras indígenas.
Além disso, as terras Pankará estão em processo de identificação, os indígenas tecem, a cada dia, a teia da organização social do povo e as tradições são restabelecidas. O próprio IDHM de Carnaubeira da Penha, mesmo que baixo, passa por melhoras sucessivas desde o início da última década, coincidentemente o mesmo período em que os Pankará iniciam, na Serra do Arapuá, o último ciclo pela recuperação do território tradicional.
"Desde 2003 estamos na luta para não mais ter de nos esconder. Então quando conseguimos algo na educação ou saúde, eles (vereadores e elite agrária sertaneja) tentam nos boicotar ou controlar. Até a água da Serra do Arapuá que dividimos com os não-índios eles querem pegar. Tudo isso é parte da estratégia para acuar nosso povo", analisa cacique Dorinha. Todavia, tal estratégia não é nova.
Há registros do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), da década de 1940, que revelam a reivindicação, por parte dos Pankará, do território tradicional de onde foram expulsos, bem como registros de violências. O antropólogo Hohenthal Jr., em estadia na Serra do Arapuá, assim escreveu ao SPI: "Existiam como 225 homens, mulheres e crianças (31 famílias biológicas) da tribu Pacará, cujos membros vivem esparramados em duas serras, da Cacaría e do Arapuá. Não há posto indígena e os índios são muito perseguidos pelos Neo-brasileiros do Riacho do Navio ("navieiros") e da cidade de Floresta, antigo centro do Cangaceirismo. [...] Instigado por essa gente malvada, ultrajes e violências foram cometidas contra os índios"(1).
1- MI/SEDOC - Inspetorias Regionais, IR 4 Nordeste. Microfilme 379, fotogramas 814-817. RELATÓRIO, California, 14 jul. 1952.
http://cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=7381&action=read
PIB:Nordeste
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- TI Pankará da Serra do Arapuá
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