Em 15 de julho de 2014, o barco Rio Purus, da Coordenação Regional (CR) da FUNAI de Lábrea, partiu rumo à aldeia São Clemente, situada na Terra Indígena Paumari do Lago Marahã, à beira do Rio Purus, no sul do estado do Amazonas. No barco viajavam umas 60 pessoas, provenientes de aldeias mais próximas à cidade, e alguns membros de instituições parceiras, como o Conselho Indigenista Missionário, as Universidades Federais do Amazonas e do Rio de Janeiro e a própria Fundação Nacional do Índio. O Campeonato na Língua Paumari, idealizado há vários anos por eles e realizado pela organização indígena regional (Federação das Organizações Indígenas do Médio Purus) e pela CR da FUNAI de Lábrea, com recursos do Museu do Índio do Rio de Janeiro, aconteceu nos dias 16 a 18 de julho, reunindo aproximadamente 300 participantes, de toda a Terra Indígena.
Os Paumari são hoje aproximadamente 1500 pessoas que habitam lagos e praias do Rio Purus e dos Rios Tapauá e Cuniuá, nos municípios de Lábrea e Tapauá, estado do Amazonas. Falam um idioma da família Arawá, que inclui outras línguas faladas pelos povos vizinhos: Jamamadi, Banawá, Jarawara, Deni, Kamadeni, Suruahá e, no alto Purus, pelos Kulina. Habitantes das margens dos rios sempre estiveram mais expostos que os habitantes da terra firme à intensa exploração da região, sendo empregados como mão de obra em seringais, assim como por madeireiros e regatões. Exímios remadores e pescadores, os Paumari tornaram-se os principais fornecedores de peixe da região no período da exploração da borracha. Essa exposição às frentes de expansão econômica na bacia do Purus explica em parte a forte presença da língua portuguesa no cotidiano do povo.
Mas é a partir da década de 2.000, mais especificamente, que se observa a instalação progressiva de fratura geracional entre os mais velhos, que falam fluentemente Paumari, e os adultos e jovens, que progressivamente vão deixando de se dirigir na língua aos filhos. Isso deu lugar a uma nova geração que desconhece seu idioma e valoriza unicamente o português, assim como a cultura urbana não-indígena. A década de 2000 corresponde ao período pós-demarcação das terras e principalmente à introdução da educação municipalizada nas aldeias. De forma contraditória, as 'boas intenções' da política pública - querendo introduzir uma educação dita 'diferenciada' nas aldeias - acabaram provocando o abandono em massa do ensino da língua nas escolas e o êxodo para as cidades. Até então, esse ensino era feito de pai para filho, sem recorrer a nenhuma instituição para assegurar a transmissão do conhecimento.
A escrita alfabética em Paumari foi introduzida (no final da década de 1960) através de um sistema de cartilhas de alfabetização produzidas pela missão evangélica SIL (ex-Summer Institute of Linguistics, hoje Instituto Internacional de Linguística). Com a municipalização da educação, as escolas da missão foram desmanteladas, e as cartilhas, abandonadas. O material escolar nacional, produzido nas metrópoles, foi introduzido em massa e sem transição, e os professores (todos novos contratados, marcando assim a ruptura do Estado com a escola da missão), formados em cursos ditos 'diferenciados', episódicos e de qualidade e frequência muito irregular.
O resultado é que, nos últimos 15 anos, nas escolas indígenas Paumari se ensina melhor o hino nacional do que a matemática ou mesmo a redação. A grande maioria dos pais de alunos se queixa de que, saindo do terceiro ano do fundamental, os filhos mal sabem ler e escrever em português. O efeito mais recente dessa deficiência é o êxodo de dezenas de famílias Paumari para as cidades de Lábrea e Tapauá, em busca de um ensino melhor.
O abandono da língua Paumari na relação entre pais e filhos, sua discriminação na cidade e sua desvalorização nas aldeias, associados à ausência de uma escola diferenciada pensada verdadeiramente a partir de critérios e concepções de conhecimento e transmissão do próprio povo, têm tido um efeito devastador. É por estes motivos que os Paumari iniciaram uma série de ações destinadas a revalorizar sua língua, tanto para reconectar as gerações, como para tentar modificar as percepções dos não-indígenas sobre a língua e a cultura nativas.
Além do Campeonato, foi criado um projeto de alfabetização nas línguas Paumari e Apurinã para os alunos indígenas de Lábrea: o Programa Sou Bilíngue. O modelo está dando frutos e deve ser implementado de forma experimental pela FUNAI e pela FOCIMP nos municípios de Canutama e Tapauá. Infelizmente, ele ainda sofre da falta de apoio financeiro e institucional e de um reconhecimento oficial pelas respectivas Prefeituras e instituições municipais de ensino.
O primeiro Campeonato na Língua Paumari foi um grande sucesso. Em clima festivo, os oito times recuperaram histórias da mitologia que ilustraram com brio e contaram ao público, misturando registro escrito (em cartazes), leitura em voz alta e relato oral (pelos mais velhos). Nos intervalos, as mulheres entoavam cantos rituais, enquanto os mais velhos ensinavam os passos de dança aos adolescentes e às crianças. À noite, foram organizados concursos de canto em Paumari, de brega e de forró, entrosando todas as gerações num clima de grande alegria e animação.
O time da aldeia Ilha da Onça foi o grande campeão, com a história da mulher que vivia agarrada no pescoço do marido e que virou macaco da noite. O segundo lugar ficou com a aldeia Crispim, que apresentou a história do calango Tibobo; e o terceiro, com a aldeia Estirão, que encenou, na forma de uma curta apresentação teatral, a história da mulher que comeu a própria carne e deu origem aos mosquitos e piuns.
A expectativa de todos agora é que a história vencedora seja transformada em desenho animado inteiramente produzido pelos Paumari, i.e., desenhado e animado por eles, falado na língua e legendado em português. A ideia é começar a produzir material audiovisual e impresso em Paumari, visando assim particularmente os mais novos, sempre em busca da revalorização do idioma para as gerações futuras.
http://www.cedefes.org.br/index.php?p=indigenas_detalhe&id_afro=12309
PIB:Juruá/Jutaí/Purus
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