Daniel Pierri: A reparação e o desagravo que falta aos povos indígenas

Folha- http://www1.folha.uol.com.br - 23/09/2014
"O Estado Brasileiro reconhece oficialmente que 14 indígenas suruís [aikewara] também foram atingidos pela repressão durante a guerrilha do Araguaia, ao lado de outros tantos, camponeses e outras pessoas que também foram instrumentalizadas para os fins e os propósitos da repressão. (...)Levem para essas pessoas lá da aldeia, que o Estado brasileiro a partir de hoje formaliza o pedido de desculpas oficiais em nome de cada uma dessas pessoas e a vocês pelo sofrimento."

Com essas palavras, o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, coroou a sessão do último dia 19, realizada no Salão Negro do Ministério da Justiça, que julgava o primeiro pedido de anistia realizado por um grupo de indígenas que sofreram as mazelas da Ditadura Militar.

O julgamento foi difícil, pelo excessivo rigor com que foi apurada a individualização dos danos decorrentes do ato de exceção que configurou a repressão à guerrilha do Araguaia, na vida concreta de cada um dos requerentes ao status de anistiado, resultando inclusive no indeferimento de 2 dos 16 pedidos dos indígenas.

Deve-se sublinhar, entretanto, o mérito do formalismo da sessão por jogar uma pá de cal nas críticas que a antecederam. De um lado, elas se relacionavam com a pecha que por muito tempo foi imputada aos Aikewara-Suruí de que teriam sido colaboradores da repressão, quando os processos e testemunhos demonstraram claramente que eles foram forçados e violentados para servir de guias do exército; e, de outro, respondiam simplesmente a um preconceito colonialista de um setor pouco louvável da esquerda, que despreza a resistência indígena e acredita que o conceito de justiça de transição deve ficar restrito a um diminuto círculo de conhecidos.

Foi um dia histórico, como discursou durante a sessão Sonia Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. O primeiro pedido de desculpas formal do Estado brasileiro a um povo indígena soou, pelo simbolismo do momento, como um ensaio para a ampla retratação e reparação devida a todos os povos originários dessa terra pela colonização de seus territórios.

O julgamento ganha especial conotação ao se ter em conta que a sessão foi realizada dentro do Ministério da Justiça, com a contumaz ausência de José Eduardo Cardozo, ministro que tem sido responsável pela paralisação de todas as demarcações de terra indígena no país, cedendo ao mesmo poder oligárquico dos ruralistas que promoveu e sustentou a Ditadura Civil-Militar.

Não foi por acaso que os Aikewara registraram em seu pedido de anistia que a principal reparação coletiva a que almejam é a devolução de seu território esbulhado pela Ditadura, e que depende agora da assinatura do mesmo Ministro que faltou à sessão, e cuja caneta só tem feito colorir de sangue as vidas indígenas.

Certamente à revelia do ministro e do Governo, o local da sessão fez da ocasião uma espécie de desagravo de fim de mandato aos povos indígenas, pelos enormes retrocessos a que aquele ministério tem submetido a política indigenista do país, tornando-a sob muitos aspectos uma repetição farsesca daquela da Ditadura.

Que o próximo que assuma a cadeira de Cardozo, venha de onde vier, guarde o simbolismo deste dia 19 de setembro, e entenda que o papel de um Ministério da Justiça à frente da política indigenista do país é essencialmente reparatório, e não deve ceder aos caprichos colonialistas da governabilidade.



http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/09/1520391-daniel-pierri-a-reparacao-e-o-desagravo-que-falta-aos-povos-indigenas.shtml
PIB:Sudeste do Pará

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