Quando o indígena Francisco Apurinã, de 40 anos, filho de um cacique da terra indígena Kamicuã, no município de Boca do Acre (AM), saiu da aldeia ainda criança, ele conta que não imaginava como seria sua vida. Segundo ele, após enfrentar o preconceito dos colegas de aulas, que diminuíam seu povo e o chamavam de 'preguiçoso' por causa de suas origens, ele orgulha-se de lançar em 2015 o livro "Nos Caminhos da BR-364: Povo Huni Kui e a Terra Indígena Colônia 27", baseado em sua pesquisa de mestrado na Universidade de Brasília (UnB).
Apurinã explica que a terra indígena estudada, localizada a 8 km da cidade de Tarauacá (AC), é a menor do Acre, com apenas 305 hectares. Na época da pesquisa, em 2012, existia no local uma única aldeia com 33 famílias, contabilizando 146 pessoas.
"Quando foi criada, 80% da área era composta por pasto para a criação de gado. Não existe rio que passa dentro da terra, não tinha igarapé, recursos naturais. Então o governo fez um investimento de açude, criação de galinha e sistemas agroflorestais. Essas foram algumas medidas de mitigação e o livro faz uma análise desse diálogo com o governo, principalmente como os povos indígenas avaliam a atuação do governo", afirma.
Para o pesquisador, ainda é preciso que os técnicos do governo entendam que o conhecimento tradicional não deve ser menosprezado. "É melhor somar os dois tipos de conhecimento, do que desconsiderar toda uma base existencial que é imemorial, para aplicar apenas o conhecimento científico. Esse foi um dos grandes erros dos técnicos que atuaram no governo, porque eles não são capacitados corretamente para isso", acredita.
O livro analisa o diálogo entre indígenas e governo estadual, assim como as políticas de mitigação e compensação nas terras indígenas, tendo como estudo de caso a Terra Indígena da Colônia 27, que fica localizada próxima a BR-364 e sofreu grande impacto ambiental e cultural com a construção da estrada. "Todo empreendimento causa um grande impacto no meio ambiente, então é preciso fazer uma análise dos impactos ambientais. A partir desse relatório, cria-se medidas de compensar os impactos do empreendimento aquelas populações que ficam às margens da BR", explica o pesquisador.
Da aldeia para a academia
Francisco Apurinã trabalhou intimamente com as políticas indígenas no estado do Acre. Em 2012, ele fez parte da primeira equipe da Assessoria Especial de Assuntos Indígenas do Acre. Foi nesta época que ele começou a trabalhar no governo, antes, era vendedor em Rio Branco.
Apurinã conta que foi difícil sair da aldeia quando era criança. Único filho homem do cacique, ele foi criado com a responsabilidade de estudar para ajudar o seu povo. "No começo eu não entendia muito bem, minha família sempre me disse que eu era importante para cultura do meu povo e tinha sido muito desejado. Mas, me mandaram para a cidade para estudar com os 'brancos' que me tratavam mal e menosprezavam meu povo, minha cultura", lembra.
Após se formar como técnico agrícola, ele demorou para conseguir emprego na área. Foi apenas em 2012 que começou a trabalhar na Secretaria Estadual de Meio Ambiente. "Eu trabalhei muito tempo como vendedor, até que um dia precisaram de um técnico agrícola. Acabei concorrendo sozinho, porque não tinham muitas pessoas especializadas", conta.
Em 2012, ele também realizou o mestrado na UnB com a pesquisa que originou o livro. Alguns meses depois de apresentar seu trabalho de pesquisa, ele foi procurado por uma editora que queria publicar seu estudo. "Eles me mandaram um e-mail. No começo eu nem acreditava, mas eles me falaram que todo ano escolhiam as cinco melhores pesquisas do país para publicar e se interessaram pela minha", comenta.
Foi somente em 2015 que o livro foi publicado. Ele agora planeja realizar os lançamentos no Acre e em Brasília, mas ainda não existem dadas marcadas. O livro pode ser encontrado no site da editora e será distribuído para as principais livrarias do país.
Em março, Apurinã começou a fazer o seu doutorado, onde irá analisa o xamanismo do povo Apurinã. "É um assunto que eu queria pesquisar há muito tempo, porque nós acreditamos que os nossos líderes espirituais nunca deixam de nos proteger, é tanto que para nós eles não morrem, viram parte da natureza e se transformam em animais", diz.
http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2015/03/indigena-publica-livro-baseado-em-pesquisa-de-mestrado-sobre-br-364.html
PIB:Juruá/Jutaí/Purus
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