Índios Tenharim soltos só poderão se ausentar das aldeias com autorização da Justiça

Amazônia Real (Manaus - AM) - www.amazoniareal.com.br - 16/11/2015
O Tribunal de Justiça do Amazonas concedeu a liberdade aos cinco índios da etnia Tenharim, presos há quase dois anos por acusação de envolvimento nas mortes de três homens não indígenas, e determinou o retorno deles ao território original, a Terra Indígena Tenharim-Marmelos, mas com medidas de restrições. Os indígenas não poderão se ausentar das aldeias sem autorização da Justiça.

A notícia da liberdade deles causou indignação às famílias dos três mortos, segundo o advogado Carlos Evaldo Terrinha. Ele disse que novos protestos estão sendo organizados em cidades do sul do Amazonas contra a decisão do TJ. No dia 16 de dezembro completará dois anos que o professor da rede municipal Stef Pinheiro, o vendedor comercial Luciano Freire, e o funcionário da empresa Eletrobras Amazonas Energia, Aldeney Salvador foram mortos a tiros dentro de uma aldeia da Terra Indígena Tenharim-Marmelos.

Os cinco indígenas foram denunciados pelo Ministério Público Federal pelas mortes dos três homens. Os crimes provocaram um sentimento de revolta na população contra a etnia Tenharim e que se estendeu a outros povos que habitam a região dos rios Purus e Madeira, no Amazonas.

Simeão Tenharim, Gilson Tenharim, Gilvan Tenharim, Valdinar Tenharim e Domiceno Tenharim foram beneficiados com um alvará de soltura expedido no dia 6 de novembro em decisão monocrática da desembargadora Encarnação das Graças Sampaio Salgado, da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Amazonas. Ela atendeu ao pedido da Procuradoria Federal da Fundação Nacional do Índio (Funai), que alegou constrangimento ilegal pela manutenção da prisão sem o julgamento do caso.

"É evidente o constrangimento ilegal a que estão sendo submetidos os pacientes, vez que ultrapassando os prazos estabelecidos da Lei, na construção jurisprudencial e até mesmo os de tolerância, para o encerramento da fase acusatória", afirmou a desembargadora Encarnação Salgado na decisão.

Os cinco indígenas estavam presos desde o dia 30 de janeiro de 2014. Um sexto acusado, o líder Aurélio Tenharim, foi indiciado pelos crimes, mas está em liberdade.

Com a decisão do TJ, Simeão Tenharim, Gilson Tenharim, Gilvan Tenharim, Domiceno Tenharim e Valdinar Tenharim serão transferidos pela Funai da base da Frente de Proteção Etnoambiental da Terra Indígena Hi-Merimã, onde estavam presos desde o final de janeiro deste ano, para o seu território original, a Terra Indígena Tenharim-Marmelos.

A Comarca de Humaitá havia decidido pela permanência dos índios na base da Funai por causa das ameaças de mortes contra os presos, atendendo um pedido da Procuradora Federal da Funai. Antes, eles cumpriram as preventivas na delegacia do município de Lábrea e na cadeia pública de Porto Velho (RO).

À agência Amazônia Real, a Funai informou em nota que as medidas restritivas impostas aos cinco indígenas Tenharim soltos estabelecem que eles informem e justifiquem suas atividades, comunicando ao juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Humaitá/AM mudanças de endereço, "bem como que não se ausentem sem autorização do juízo processante".

A agência Amazônia Real apurou que a transferência dos cinco indígenas para a TI Tenharim-Marmelos não tinha sido realizada até o fechamento desta reportagem.

Sobre a justificativa do constrangimento ilegal no pedido de liberdades dos cinco índios, a Funai disse na nota enviada à Amazônia Real que o Tribunal da Justiça do Amazonas "reconheceu que os indígenas estavam sofrendo constrangimento ilegal por excesso de prazo, na medida em que estavam presos desde o dia 30 de janeiro de 2014, sem que se tenha encerrado a instrução processual".

Segundo o recurso da Procuradoria da Funai, a "demora na condução da investigação pelo Poder Público fere o princípio da razoável duração do processo e não pode atuar em prejuízo dos réus".

A Funai não respondeu as perguntas feitas pela reportagem sobre quais medidas de segurança que serão tomadas para a transferência dos cinco indígenas até as aldeias na TI Tenharim-Marmelos.

A Amazônia Real entrevistou um dos líderes da TI Tenharim-Marmelos na última quarta-feira (11). Ivanildo Tenharim, secretário municipal de Povos Indígenas de Humaitá (AM), disse que as lideranças "vinham batalhando muito pela soltura dos cinco índios presos".



Ivanildo não comentou sobre as medidas tomadas para viabilizar a liberdade dos indígenas. Ele disse que não tinha conhecimento sobre como se dará a logística para transferir os cinco presos para a Terra Indígena Tenharim-Marmelos, mas adiantou que "uma estratégia será feita para garantir a segurança deles".



Em março deste ano, o juiz Reyson de Souza e Silva, da 2ª. Vara da Justiça de Humaitá, iniciou a fase de audiência de instrução dos cinco indígenas Tenharim que antecede o julgamento do caso. Mas, a audiência que tomaria os depoimentos, foi suspenso pela ausência do ex-coordenador regional da Funai em Humaitá, Ivã Bocchini, testemunha-chave do caso. Os advogados de defesa dos tenharim evocaram o direito de os indígenas permanecerem calados até que a última testemunha arrolada na ação criminal prestasse seu depoimento, inviabilizando a audiência.

Antes da suspensão, cerca de dez, das 18 testemunhas arroladas, já tinham sido ouvidas na audiência. Na época, ficou decidido que Bocchini seria ouvido por meio de carta precatória. Até o momento, a Justiça não marcou a nova audiência de instrução e nem a data do julgamento dos réus.


População de Humaitá incendiou prédio da Funai


Segundo as investigações da Polícia Federal, o professor da rede municipal Stef Pinheiro, o vendedor comercial Luciano Freire, e o funcionário da empresa Eletrobras Amazonas Energia, Aldeney Salvador, foram sequestrados pelos índios no dia 16 de dezembro, quando viajavam no trecho da BR-230 (Transamazônica) dentro da reserva indígena. Os corpos deles foram encontrados dois meses após buscas que mobilizaram a Força Nacional de Segurança e a Polícia Militar do Amazonas.

O motivo das mortes seria vingança pela morte do cacique Ivan Tenharim (pai de Gilson e Gilvan Tenharim), que aconteceu em 02 de dezembro de 2013, mas os três mortos eram inocentes. Conforme laudo da polícia, o cacique morreu ao cair de motocicleta na rodovia.

Os cinco indígenas negam participação no crime, mas foram denunciados pelo Ministério Público Federal por acusação de triplo homicídio duplamente qualificado (motivo torpe e sem direito a defesa das vítimas), ocultação de cadáveres, conforme investigações da Polícia Federal.

As prisões de Simeão Tenharim, Gilson Tenharim, Gilvan Tenharim, Valdinar Tenharim e Domiceno Tenharim ocorreram em meio a uma onda de conflitos no município de Humaitá e no distrito de Santo Antônio do Matupi e uma intensa reação anti-indígena em função das mortes dos três homens. Os prédios da coordenação regional da Funai e da Casa de Saúde Indígena (Casai) e uma embarcação que transportava indígenas em Humaitá foram incendiados por uma parte da população do município no dia 25 de dezembro de 2013 (leia mais aqui).

A determinação da Justiça Estadual de transferir os cinco indígenas da Delegacia de Lábrea para a Terra Indígena Hi-Merimã, além da autorização para que um deles (Gilvan Tenharim) tomasse posse como cacique da aldeia Kampinhu´ú, também revoltou familiares dos três homens mortos. Por conta disso, uma nova onda de protestos foi programada para o mês de dezembro do ano passado, mas que não chegou a ser viabilizada por causa de acordo feito entre lideranças Tenharim e autoridades da Prefeitura, do Estado, da Justiça e da Segurança Pública.

No final de 2015, indígenas de outras etnias da região do Madeira-Purus, relataram que uma onda de manifestações de racismo e preconceito atingiu a todos, com reações hostis pelas ruas de Humaitá.


Famílias farão protestos no sul do Amazonas


O advogado das famílias dos três homens assassinados, Carlos Evaldo Terrinha disse que a decisão da desembargadora Encarnação Salgado causou indignação na sociedade de Humaitá.

"Não há o que se falar em excesso de prazo, visto que se demora existe, esta não foi ocasionada por manobras da Defesa e sim por a inercia do Estado. O clima na cidade começa a tomar corpo e forma para um grande protesto, o que incluir a sociedade de Apuí e Manicoré. É necessário que o graduado órgão do Ministério Público, em nível de 2ª grau, recorra desta sinistra decisão para levar para o Pleno do Tribunal de Justiça do Amazonas para a revogação da decisão. A decisão é de pura de indignação devido à complexidade do processo", afirmou Terrinha.

Segundo o advogado Carlos Terrinha, a população de cidades como Humaitá, Apuí e Manicoré, onde vivem familiares dos três homens mortos, estão se organizando para realizar manifestações contra a decisão judicial que soltou os cinco índios. Ele escreveu uma carta em que relata ameaças das famílias contra os indígenas.

"A população e familiares enlutados já manifestam a vontade de fazer justiça com as próprias mãos, com o que não concordamos. Pois, a própria comunidade indígena é contra tal medida descabida num momento de retomada da pacificação entre brancos e índios. Sendo, tal medida um golpe baixo aos anseios de paz e justiça almejada pela população da região! Cabendo à magistrada e as ONGs arcar com todos os estragos que hão de vir, a qual não é o nosso desejo, mas que começará a ser desenhado. O próximo Natal poderá ser uma reedição nos moldes de 2013! ", disse o advogado Carlos Terrinha, em declaração enviada por email à Amazônia Real.

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PIB:Tapajós/Madeira

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