'Martírio' é um grito contra o genocídio histórico do povo indígena

Rede Brasil Atual- http://www.redebrasilatual.com.br - 13/04/2017
Capitalismo, senador, capitão, "plata". Estas são algumas das poucas palavras possíveis de decifrar nos primeiros minutos do longa-metragem Martírio, que estreia nesta quinta-feira (13) nos cinemas, com distribuição pelo projeto Sessão Vitrine Petrobras. Na melodiosa língua guarani, índios da etnia Kaiowa fazem uma assembleia e discutem os perigos que ameaçam aquele povo. Estas cenas registradas no final dos anos 1980 pelo cineasta e indigenista Vincent Carelli são algumas das imagens que o diretor vem captando nas últimas três décadas e que ajudam agora a narrar o percurso da insurgência pacífica e obstinada dos Guarani e Kaiowá pela retomada de seus territórios sagrados.

Durante duas horas e 40 minutos, o que chega ao espectador é um sentimento de extrema tristeza pelo massacre quase silencioso sofrido pelos povos originários no Mato Grosso do Sul, mas também uma emocionante beleza, já que o filme nos apresenta a profunda conexão que eles guardam com a terra, seus rituais e seus mortos. Vincent Carelli, com a colaboração de Ernesto de Carvalho e da montadora Tita, nos dá em primeira pessoa um denso testemunho sobre a questão indígena no país.

O documentário traz bem claras a memória afetiva e toda a militância de Carelli na questão indígena e faz uma importante reflexão sobre problemáticas sociais e políticas no que diz respeito aos direitos dos indígenas. A obra se vale de arquivos históricos e imagens produzidas por Carelli junto aos Kaiowá ao longo de 10 anos para resgatar as origens das políticas indígenas do Estado desde a Guerra do Paraguai, dos sucessivos projetos de integração dos índios ao sistema de trabalho, até o massacre forjado pelo agronegócio e a bancada ruralista nos tempos atuais.

Trata-se de um convite - talvez até uma convocação - para que a sociedade tome partido do lado certo já que o poder do agronegócio junto à bancada ruralista e as forças conservadoras no país mostram sempre o que lhes convêm: de vítimas que tiveram suas terras roubadas, sua força de trabalho explorada e a morte como companheira constante, os indígenas passaram a ser apontados como vilões e ameaçadores invasores de terra que atrasam o desenvolvimento econômico do país. O filme toma uma posição bem clara e acaba apresentando as duas faces de uma pesada moeda - o de um povo historicamente estereotipado como submisso e cordial contra uma máquina capitalista destruidora.

É exatamente sobre isso que os índios falam na assembleia gravada por Carelli em 1988, nas imagens não legendadas que abrem o filme: "O que está pegando a gente é o capitalismo", diz um deles, em uma das frases mais simbólicas do documentário.


Resistir para viver


Ao mesmo tempo que causa revolta ver políticos defendendo o latifúndio e o agronegócio em detrimento da vida de pessoas, dá esperança ver que ainda há gente lutando contra todo esse poder. É claro que fica evidente a discrepância entre as forças, mas os acampamentos nas beiras das estradas em Mato Grosso do Sul e a persistência das ocupações indígenas se mantêm como símbolos de uma resistência pacífica e fundamental. Resistir é a única forma de proteger suas terras sagradas e os locais onde seus mortos são enterrados, mesmo que isso continue lhes custando a vida.

É o caso de um acampamento que existe há 12 anos na beira de uma estrada em Apyka'i, a quatro quilômetros da cidade de Dourados. Lá, cacique Damiana viu tombar muitos de seus companheiros. Apesar da dor e da penúria em que vivem, ela reúne suas forças para cantar denúncias sobre as injustiças e violências que seu povo sofre e para reclamar parte da propriedade arrendada pela Usina São Fernando: "A gente canta pro dono da vida, pro dono do céu, pro dono da terra, pro dono da água... Assim vivemos na luta pela nossa terra, pelo tekona Apyka'i. Nós rezamos para os deuses do céu e da terra. Temos reza até para o eclipse do sol, nós, os índios Kaiowá e Guarani. O brilho do sol e nossas rezas, os brancos nunca poderão impedir".

Para Carelli, a produção deste documentário não era possibilidade, mas sim uma necessidade urgente: "Todo dia, bate à porta das nossas consciências, através das redes sociais, a notícia de um assassinato brutal, de um violento despejo. Do outro lado, na grande imprensa, nas sentenças judiciais, nos discursos dos lobbistas do agronegócio, vemos a ignorância ou omissão total da história, a inversão cínica de papéis se apropriando da palavra 'resistência', frente ao suposto 'terrorismo' dos índios. Fazer Martírio se tornou uma compulsão necessária para mim, que tenho a vida atada à deles, para Ernesto e Tita, que me acompanharam nessa jornada. Um compromisso moral, ético, político, e sobretudo afetivo, com os povos Guarani Kaiowá", afirma o diretor que fundou em 1986 o projeto Vídeo nas Aldeias, que apoia as lutas dos povos indígenas para fortalecer suas identidades e seus patrimônios territoriais e culturais por meio de recursos audiovisuais.

Martírio é o segundo filme de uma trilogia, ao lado de Curumbiara, que conta a história de um massacre de indígenas ocorrido em 1985 no sul de Rondônia, e de Adeus, Capitão, que ainda está em andamento.

Vencedor de prêmios em vários festivais, o longa estreia nesta quinta-feira nas seguintes cidades e cinemas: em São Paulo, no Espaço Itaú de Cinema Augusta e na Caixa Belas Artes; em Santos, no Cinespaço Miramar; no Rio de Janeiro, no Espaço Itaú de Cinema Botafogo; em Niterói, no Cine Arte UFF; em Belo Horizonte, no Cinema Belas Artes; em Brasília, no Cine Brasília e no Espaço Itaú de Cinema Brasília; em Porto Alegre, no Cine Bancários e no Espaço Itaú de Cinema Porto Alegre; em Salvador, no Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha; em Recife, no Cine São Luíz e no FUNDAJ Cinema do Museu; em Curitiba, no Cineplex Batel, na Cinemateca de Curitiba e no Espaço Itaú de Cinema Curitiba; em Rio Branco, no Cine Teatro Recreio; em Maceió, no Cine Arte Pajuçara; em Fortaleza, no Cinema do Dragão; em Vitória, no Cine Metrópolis; em Goiânia, no Cine Cultura Goiânia; em São Luís, no Cine Praia Grande; em João Pessoa, no Cine Banguê e no Cinespaço Mag Shopping; em Teresina, no Cine Teresina; em Aracaju, no Cine Vitória; em Palmas, no Cine Cultura Palmas; e em Belém, no Cine Líbero Luxardo.

Os ingressos são vendidos a preço reduzido (R$ 12 e R$ 6 a meia-entrada) nas bilheterias ou por meio do Cartão Fidelidade Sessão Vitrine Petrobras, que pode ser adquirido no site do projeto.



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Produção Cultural:Cinema, TV, Vídeo

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