Menor aldeia do Brasil sofre com a falta de terra

Diário de SP diariosp.com.br - 24/08/2017
Márcia Gabriel, 29 anos, é índia Guarani e vive na menor aldeia do país, a Jaraguá, na Zona Norte da capital paulista, com 1,7 hectare. Com falta de espaço para plantar, ela e os 667 indígenas que moram ali vivem de doações.

"Para comer mandioca, a gente tem que pedir na feira", diz ela, que é mãe de cinco crianças, referindo-se ao produto que é a base da alimentação indígena.

A situação de Márcia e dos demais moradores dessa aldeia estava para mudar, com uma portaria que o governo federal expediu em 2015, garantindo mais 512 hectares do Parque do Pico do Jaraguá como terra indígena.

Na semana passada, entretanto, a portaria de 2015 foi revogada pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim. A nova decisão do governo federal considera que a demarcação da terra indígena, com 512 hectares, ocorreu de maneira equivocada e "sem a participação do estado de São Paulo na definição conjunta das formas de uso da área".

De acordo com o texto publicado no "Diário Oficial da União", dia 21, houve "erro administrativo no procedimento" de demarcação das terras indígenas

Na terça-feira, um dia depois da decisão revogatória, o clima era de luto na Aldeia Jaraguá. O cacique José Fernando Soares, de 61 anos, que tem o nome indígena de Guairá Pepo, afirmou que a comunidade estava vivendo em condições subumanas pelo esgotamento do território.

"Não tem mais lugar para plantar nem para viver", disse. "Nossa tradição manda que cada família tenha cerca de 500 metros para poder cultivar a terra e viver em paz. Aqui a gente mora tudo amontoado."

O cacique admitiu que a falta de terra e perspectiva de futuro tem feito com que muitos indígenas enfrentem problemas de alcoolismo.

O MPF (Ministério Público Federal) chegou a entrar no ano passado com uma ação civil pública pedindo que a Funai (Fundação Nacional do Índio) implementasse políticas públicas de combate ao alcoolismo e ao uso de drogas na aldeia.

"Com a expansão da nossa terra, isso tudo ia melhorar", analisou o cacique. "Íamos poder exercer a nossa vocação de cultivar a terra. Não íamos precisar viver de doações. Isso ia trazer dignidade para nossa população. Mas vamos resistir. Somos um povo de luta."

Procurada, a Funai, que é responsável pelas políticas indigenistas do país, preferiu não se manifestar sobre a revogação do decreto e a situação em que se encontram os guaranis do Jaraguá.

Território sofre com invasão de cães

A aldeia Indígena Jaraguá, na Zona Norte de São Paulo, tem 668 moradores e 700 cachorros. Como as pessoas sabem que os índios não vão se desfazer dos animais, virou tradição abandonar cães por ali.

"Esse virou um dos maiores problemas da nossa comunidade", disse o cacique José Fernando Soares. "Se já não temos recursos para alimentar nossa gente, o que dizer dos cães."

O frequente abandono de cães na aldeia chegou ao conhecimento do MPF (Ministério Público Federal) e, em 20 de outubro do ano passado, o órgão fez uma recomendação ao CCZ (Centro de Controle de Zoonoses) da Prefeitura para recolher os animais de estimação sem dono do lugar e tomar providências para impedir novos abandonos.

O CCZ enviou um ofício ao MPF explicando que, por motivos como a falta de espaço, seria impossível abrigar todos os animais. Em seu canil, em Santana, também na Zona Norte, cerca de 400 cachorros estão à espera de adoção.

Diante do impasse, os índios guarani resolveram colocar uma placa na entrada da aldeia com palavras não muito amigáveis: "Seu animal, cuide de seu bichinho! Abandono é crime!"

A iniciativa, entretanto, não vem dando resultado e todos os dias aparecem novos animais. Para tentar amenizar o problema, pessoas sensibilizadas com a situação ajudam com doações de alimentos. Uma vizinha da aldeia consegue todo mês duas toneladas de ração para cachorro.

Numa parceria entre a Prefeitura e a Associação Nacional dos Clínicos Veterinários de Pequenos Animais, um profissional passa algumas horas por semana na aldeia fazendo atendimento aos animais doentes.

Outro problema enfrentado pelos moradores da aldeia é a falta de saneamento básico. Existem apenas 22 banheiros para uma população de 668 pessoas e frequentemente os detritos transbordam.

outro lado/Segundo a Sabesp, o território em que os índios reivindicam saneamento básico localiza-se numa área de preservação ambiental, o que dificultaria a realização das obras.

"Estamos esquecidos por todas as autoridades", afirmou o cacique José Fernando. "Todos se esquecem que somos os verdeiros donos dessa terra e deveríamos ter mais respeito das autoridades. Mas, apesar das dificuldades, a minha missão é preservar a cultura Guarani para que ela não se acabe."

Jovem pai de três filhos vive na aldeia com o Bolsa família

Nascido na Aldeia Indígena do Jaraguá, na Zona Norte de São Paulo, Wesley da Silva tem apenas 19 anos e já é pai de três crianças. Como os outros 667 moradores do local, ele não pode plantar por falta de terra nem exercer outras atividades que fazem parte da cultura indígena, como a pesca.

"A gente vive do que as pessoas trazem e do Bolsa Família", disse ele. "É triste porque com isso a gente deixa de ser índio, vai perdendo a nossa cultura e a nossa característica. Isso não devia acontecer porque nós somos os donos de toda essa terra. Chegamos aqui bem antes do homem branco."

Outro jovem da comunidade, Thiago Henrique Karaí, de 23 anos, disse que o governo federal está "massacrando" os povos indígenas com o não reconhecimento de sua área. "Nós dependemos da terra para viver e sabemos viver em harmonia com ela", afirmou. "Mas o governo preferiu entregar essa área para especulação imobiliária."

A área que não foi reconhecida como indígena, pelo governo federal, faz parte de um pacote de concessões à iniciativa privada, pelo governo do estado de São Paulo, para exploração do ecoturismo.

População indígena em queda vertiginosa

De acordo com dados do último Censo, do IBGE, em 10 anos a população indígena da cidade de São Paulo diminuiu 30%, passando de 18.692 índios em 2000 para 12.959 em 2010, quando foi feito o último levantamento.

População que vive em aldeias é bem menor

Esse número inclui todas as pessoas de ascendência indígena. Nas duas aldeias da cidade vivem menos de 1,7 mil. Na Jaraguá são 668 indígenas e na de Parelheiros, mil habitantes.

RESPOSTA DAS AUTORIDADES

Empreendimento

O Ministério da Justiça alegou ter revogado a demarcação de 512 hectares que seriam dos índios Guarani, no Jaraguá, porque não teria tido participação do governo de São Paulo na discussão sobre a destinação da terra. Em 2016, o governo paulista sancionou uma lei permitindo a concessão de 25 áreas florestais em várias regiões do estado à iniciativa privada, para exploração de seu potencial turístico. O Parque Estadual do Jaraguá é uma dessas terras. De acordo com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, "a concessão do parque para atividades de ecoturismo vai gerar oportunidades de emprego, renda e melhoria de qualidade de vida".




http://www.diariosp.com.br/_conteudo/2017/08/dia_a_dia/16559-menor-aldeia-do-brasil-sofre-com-a-falta-de-terra.html
PIB:Sul

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