O nome chiquito ou chiquitano significa pequeno em espanhol. Uma versão deixada pelos jesuítas e os espanhóis que, quando encontraram as portas pequenas das casas tradicionais indígenas da região, pensaram que seus habitantes eram pequenos e por isso passaram a chamá-los de Chiquitos. Porém, Aloir Pacini opta pela "possibilidade dos indígenas da região serem de estatura menores que os espanhóis que fundaram Santa Cruz onde hoje localiza-se San José de Chiquitos". Na realidade tem Chiquitanos baixos e altos. Conforme Pacini, são cerca 220.000 Chiquitanos, localizados na fronteira do antigo Brasil/Bolívia. Em geral, fala-se três idiomas: vesüro ( Chiquitano), espanhol e português.
Nosso povo Chiquitano no Brasil é um dos 43 povos existentes no Estado de Mato Grosso. Está localizada na fronteira física geopolítica entre Brasil e Bolívia, comporta membros no país boliviano e no país brasileiro. Do lado boliviano existe a Província de Chiquitos. Na fronteira brasileira existem as terras indígenas, aldeias e grupos de Chiquitanos nas periferias das cidades. Aos poucos e com árduas lutas esses dois países vêm assumindo a responsabilidade social de conviver democraticamente com as diferenças etnoculturais.
No Brasil estamos em vários Municípios e Estados, porém, a concentração maior está nos municípios de: Cáceres, Porto Esperidião, Pontes e Lacerda e Vila Bela da Santíssima Trindade. Este último foi a primeira capital de Mato Grosso. São duas as Terras Indígenas Chiquitanos e seis aldeias Chiquitanas já identificadas nesses dois territórios. De Cáceres, Porto Esperidião, Pontes e Lacerda até Vila Bela da Santíssima Trindade, está a maioria das comunidades Chiquitanas, no interior e nas cidades, algo comprovado pelos antropólogos Denise Maldi, Joana Fernandes, Renata Bortoletto, Aloir Pacini, José Eduardo Moreira da Costa e Verone Cristina.
A aldeia Vila Nova Barbecho se localiza a 110 km da sede do município de Porto Esperidião, e a 460 km de Cuiabá-MT. Atualmente, moram na aldeia 22 famílias, somando aproximadamente 112 pessoas. Existiam mais famílias na aldeia, porém algumas já se mudaram para outros locais, devido a ameaças constantes de fazendeiros. Os que ainda permanecem é porque estão resistindo. Mas, os fazendeiros tentam coagir algumas famílias dentro da aldeia e colocar os Chiquitanos uns contra os outros, para enfraquecer a luta e não conquistarmos nossos direitos. Ou para dificultar o avanço da luta.
Vivemos na região há séculos, desde nossos ancestrais, ali estão enterrados muitos de nós. Com a invasão dos fazendeiros, a aldeia sofreu alterações na língua materna, na crença, nos rituais, nas tradições e foi desestruturada por alguns anos. Com muita cautela e resistência conseguimos manter nossa identidade étnica e de nacionalidade. Firmando que, sempre vivemos nesse pedaço de chão e que somos originários. Em toda essa região de fronteira encontra vestígios de nossa existência enquanto Chiquitanos, principalmente pedaços de potes, panelas, travessas, cassuelas, moringas, túmulo, todos feitos de barro. Mesmo com os desmatamentos, a destruição de cemitérios Chiquitanos, a aração da terra e tentativas de apagarem nossas provas, ainda é bem visível que sempre estivemos morando nessa região.
Nosso território encontra-se em processo de estudos jurídicos no Ministério Público (MPF) e na Fundação Nacional do Índio (FUNAI), e a solução para nós é a demarcação do nosso território tradicional na Gleba da União chamada Santa Rita, mas ainda não foi designado um Grupo de Trabalho com um antropólogo pela FUNAI para estudos de demarcação. Atualmente, estamos vivendo cercado com arame em 25 hectares, o que é extremamente pequeno e não supre a necessidade e demandas das famílias Chiquitano. Dentro desse pequeno espaço tem as casas de moradia tradicionais, roças, escola, capela católica, salão comunitário e campo de futebol.
Para nós, Chiquitanos o, barro é um elemento de suma importância e tem um significado insubstituível, é um patrimônio Chiquitano. Esse valor e respeito pela terra e pelo barro faz parte de nossas vidas, desde os nossos ancestrais. De forma geral somos parte desta terra, dela viemos e para ela voltaremos. Em momentos específicos e especiais ali está ela presente em nossa vida.
Citarei aqui alguns conceitos Chiquitanos sobre a terra e sobre o barro para melhor compreensão. Existe a nossa mãe terra que nos acolhe e que nos sustenta, com alimentação, ervas medicinais, produtos naturais para nosso sustento. Existe o barro que usamos para barrear nossas casas tradicionais e fazer forno em forma de oca.
Existe também o barro que usamos para brincar no ritual do Curusé (ritual Chiquitano no período do carnaval), o barro para cura de picada de cobra e o barro específico que fazemos artefatos tradicionais Chiquitano.
Essa nossa relação de humanos com o barro atravessa as fronteiras palpáveis. O barro é sagrado e abençoado, por isso não é qualquer barro ou qualquer argila, é específico e tem um dono na cosmologia Chiquitano a pokopósima (vovozinha) que cuida dele. Só pode ser encontrado na nossa região. Na Aldeia Vila Nova Barbecho encontra-se nas proximidades do córrego Nopetarsch (Córrego dos Cágados), e para poder retirar o barro da natureza tem o ritual de pedido. Só depois pode começar cavar para a retirada do barro. Geralmente quem faz o pedido é uma anciã da aldeia.
Nós Chiquitanos fazemos isso desde nossa existência, ou seja, começou com nossos ancestrais e perpetua até hoje. Por isso que os artefatos tradicionais Chiquitanos de barro que é de nosso uso, não vendemos. No início, os artefatos eram somente para nosso uso no dia-a-dia. Com o passar do tempo, nossos bisavós, avós e agora nossas mães começaram a fazer artefatos para ser comercializados. O barro é vida e somos parte dele. Os artefatos que fabricamos de barro são: pote, panela, travessa, pratos, casuelas (espécie de bacia), forno de farinha, castiçais, moringa, entre outros.
O vautsirch (pote) que se encontra no Museu Rondon na Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT pertence à etnia Chiquitano da Aldeia Vila Nova Barbecho no Município de Porto Esperidião. Foi feito em 1977 na aldeia Figueirinha por Maria Vicência Turibio Tossue, filha do casal: José Turibio e Ângela Poiché. Veio para o Museu no Natal de 2005, quando o antropólogo Aloir Pacini era supervisor do Museu. Em uma de suas visitas a aldeia, viu o pote bem antigo, interessou-se por ele, enquanto artefato e, depois de muita insistência conseguiu traze-lo.
O vautsirch (pote) é próprio da etnia Chiquitano. É feito de barro amassado, buscado na beira do córrego Nopetarsch. É utilizado para por chicha (bebida tradicional), água (para beber), milho (conservar), arroz (conservar), etc. A anciã Maria Vicência, antes de falecer, passou o vautsirch (pote) para sua filha Elena Laura Chue (minha mãe). Ele tem uma significação insubstituível uma vez que veio de nossas raízes. Por causa disso, esse pote não é qualquer artesanato, e sim um artefato vivo que faz parte de nossa vida. Temos um vautsirch (pote) Artefato vivo no Museu Rondon - UFMT. O barro serve pra tudo, é retirado da mãe terra que cura, conserva e alimenta a vida.
O processo é manual desde buscar o barro até quando assa os artefatos. Começa com uma anciã, ou professores reunindo um grupo de pessoas, crianças, adolescentes, adultos e anciãos para ir até o local onde encontra o barro nas proximidades do córrego nopetarsch (Córrego dos Cágados),. Quando está amassando o barro as anciãs reúnem todos em redor delas, principalmente as crianças para irem aprendendo a fazer os nossos artefatos Chiquitanos. Esses momentos são riquíssimos, pois todos ficam envolvidos dentro dessa cosmologia e relação com o barro sagrado. A partir de então vai ser produzido algo para uso da família dentro de nossas casas. Já nas casas todos tem sempre um cuidado especial com o artefato, porque faz parte de nossas vidas por muitos anos.
A arte da cerâmica é parte viva dos chiquitanos e de cada cidadão e cidadã de Mato Grosso. O acesso aos diversos tipos de barro para confecção dos potes não pode ser negado. Negar o acesso ao barro é matar a cultura de Mato Grosso. O barro chiquitano faz parte da história viva, aquela que se conta às crianças de geração à geração, aquela que se memoriza a cada novo pote que é confeccionado. O barro chiquitano preserva a memória de Mato Grosso e dele depende a vida de um povo.
http://www.folhadoestado.com.br/importancia-do-barro-para-os-chiquitanos-do-territorio-e-aldeia-indigena-vila-nova-barbecho/
PIB:Oeste do Mato Grosso
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