HISTÓRIAS DE ADMIRAR: CURSINHO PRÉ-VESTIBULAR/ ENEM ENTRE INDÍGENAS KADIWÉU DO PANTANAL DE MS

O Pantaneiro opantaneiro.com.br - 03/11/2017
Passados mais de 13 anos desde que me despedi dos indígenas Kadiwéu, com quem convivi por quase uma década (1997-2004), voltei a ser professor em uma das salas de aula na Escola Municipal Indígena "Ejiwajegi", aldeia Bodoquena, meu "lar" por tantos anos! Dessa vez, não mais como professor vinculado à Prefeitura Municipal de Porto Murtinho, nem mesmo à Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul. Trata-se de um cursinho pré-vestibular/ ENEM, ideia que tive e apresentei à comunidade indígena em meados do ano corrente, a fim de ajudar adolescentes, jovens e adultos a enfrentarem as avaliações que precedem a entrada no Ensino Superior. De um grupo inicial de 59 inscritos, frequentaram regularmente as aulas 21 indígenas! Do dia 03 ao dia 10 de outubro, em jornada integral, lá estivemos nós ensinando e aprendendo Língua Portuguesa, Literaturas em Língua Portuguesa (Africana, Brasileira e Portuguesa), História, Língua Espanhola e Redação. Calma, caros leitores! Já vai bem longe o tempo em que eu, formado somente em História pelo antigo CeUA/ UFMS, ministrava aulas de todos os componentes curriculares escolares, por falta de professores que se dispusessem a trabalhar entre os Kadiwéu, no Pantanal. É que nos últimos anos, já com doutorado e pós-doutorado no currículo, decidi me formar professor da língua primeira de minha mãe e de meus ancestrais maternos (argentinos e paraguaios). Dessa forma, pude colaborar com novos e "antigos" alunos, iniciando a preparação de indígenas para o acesso a cursos diferentes dos normalmente ofertados especificamente a eles (em geral, Licenciaturas Interculturais, de formação de professores). Os cursistas estão interessados, sobretudo, em vagas de todos os cursos de nível superior da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), universidade pública que mantém uma longa tradição de ações afirmativas no Estado, traduzidas em cotas para indígenas e afrodescendentes. Para isso, a comunidade Kadiwéu pediu-me para que eu me fizesse presente mais uma vez entre eles, como professor do Cursinho, projeto que idealizei/ sonhei acompanhado de amigos de longa data e outros recém-chegados a minha vida. Criamos o "apadrinhamento" dos cursistas, o que significa que cada um deles tem agora um interlocutor não indígena, que pode viver em Mato Grosso ou na Paraíba, e que além de ajudá-los com o envio de materiais escolares/ didáticos, lhes enviará cartas (sim, cartas!), estimulando-os a escreverem mais e melhor em língua portuguesa, a fim de treiná-los para a "temível" redação. Livros de Literatura chegaram à aldeia, por meio de uma doação da Editora CRV, de Curitiba, parceira do projeto. Indígenas interessados por Mia Couto (Terra sonâmbula), Aluísio Azevedo (O cortiço), Bernardo Guimarães (A escrava Isaura) e outros autores/ outras obras tem sido a recompensa pelos dias de intenso calor e de cansaço vividos na quinzena inicial de outubro, na primeira etapa do Cursinho. Meu reencontro com os Kadiwéu e suas "histórias de admirar", com a memória dos que se foram, agora habitantes das terras dos sonhos, foi mais do que especial. Uma boa comida simples, servida todos os dias a mim por cozinheiras voluntárias alimentaram meu corpo, enquanto minha alma foi alimentada de bons sentimentos/ boas emoções. Nem eu e muito menos os Kadiwéu somos os mesmos de vinte anos atrás, quando os conheci ainda muito jovem. Ao longo dos anos em que convivi de perto com eles, aprendi sua língua e, de certa forma, a "etiqueta social" do ser Kadiwéu. Recebi um nome indígena (Oyatogoteloco, "a luz que brilha longe") e conquistei o respeito de toda a comunidade (embora o meu retorno incomode a alguns deles), especialmente depois de ter me tornado, em 2001, o Professor Nota 10. Em fevereiro de 2018, quando estiver de férias da Unifap, espero estar de volta ao Pantanal. Antes, uma equipe de professores (Biologia, Física, Geografia, Língua Portuguesa e Literaturas, Matemática e Redação) se fará presente no início de janeiro. O que ganhamos com tudo isso? Unicamente, a satisfação de podermos colocar todos os nossos talentos a favor dos Kadiwéu, povo guerreiro e artista, valentes participantes da Guerra do Paraguai, a quem o Brasil deve muito!



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PIB:Mato Grosso do Sul

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