Takumã Kuikuro, cineasta: "Queremos registrar nossa cultura"

O Globo, Página 2, p. 2 - 13/11/2017
Takumã Kuikuro, cineasta: "Queremos registrar nossa cultura"
Documentarista veio ao Rio com outros membros de sua aldeia participar do festival Multiplicidade, no Oi Futuro Flamengo

Daniel Salgado

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"Tenho 34 anos e sou membro da etnia indígena Kuikuro, do Alto Xingu. Trabalho com audiovisual há mais de uma década, e já gravei diversos longas e curtas-metragens, entre eles o documentário 'As hiper mulheres'. Além disso, também faço projetos para levar o audiovisual a outras aldeias da região."

Conte algo que não sei.
Nós costumamos assistir a filmes de outras comunidades na nossa própria aldeia. Tentamos colocar, sempre que possível, um telão para que todo mundo os veja. Não são filmes americanos, normalmente. Mas o primeiro filme a que assisti, em 1996, foi um do Bruce Lee, justamente quando estava em reclusão para me tornar um lutador.

Como você e a sua comunidade começaram a trabalhar com cinema?
Foi em 2000, com a chegada de uma equipe de antropólogos na minha aldeia, dos Kuikuro, que fica no Xingu. Lá, eu e alguns outros começamos a aprender a mexer nos equipamentos de vídeo que eles trouxeram. Mas ainda levaria anos até que nos acostumássemos e produzíssemos nossas próprias obras. Durante esse processo, por exemplo, tive que aprender português para facilitar meu domínio das câmeras. O primeiro filme só saiu em 2002, com a chegada do projeto Vídeo na Aldeia.

E como foi a aceitação das filmagens dentro da aldeia?
Foi difícil. Em um filme que fizemos sobre um eclipse, quisemos registrar os rituais, as danças e os hábitos da aldeia durante o evento. Mas houve muita resistência por parte dos outros, que não estavam acostumados em serem filmados. Por isso, tivemos que começar gravando nossos familiares. No fim das contas, quando mostramos o resultado, todos se abriram e abraçaram o projeto.

Como o cinema impacta o dia a dia dos Kuikuro?
Ajuda muito, mesmo, na preservação da nossa cultura. Com o tempo e a aceitação da comunidade, chegamos a formar um coletivo Kuikuro de cinema para todas as aldeias da nossa cultura. A partir dele, nosso cacique nos fez um pedido: ele estava preocupado com a falta de interesse dos jovens pelas nossas tradições e pediu que as registrássemos para que não se perdessem com o tempo. Então, gravamos dezenas de horas de cantos, danças e outras práticas da nossa cultura.

E os jovens passaram a se interessar?
Sim, com certeza! Hoje, muitos dos jovens da aldeia buscam saber diretamente das nossas tradições através destes filmes e registros. Como gravamos em 2005, mostramos a eles o que acontecia há quase uma década, e eles estão demonstrando um interesse renovado.

O cinema também serve de ponte entre as diversas comunidades do Xingu?
Cada vez mais. Na minha volta do Rio de Janeiro, quando vim para estudar, fizemos exibições dos filmes Kuikuro em outras nove aldeias. E elas se interessaram tanto que já nos pedem para gravar suas memórias. Atualmente, estamos oferecendo oficinas em outras comunidades para aumentar essa produção.

E que histórias você gostaria de contar que ainda não teve a oportunidade?
Estou pensando principalmente em duas. Primeiro, contar a vida dos indígenas que saem das aldeias para morar na cidade grande, entender suas rotinas. Além disso, mostrar as brigadas indígenas que estão sendo formadas nos últimos tempos para combater incêndios florestais no Xingu. Muita gente diz que indígena não trabalha. Através do nosso cinema, queremos mostrar que isso é mentira. Queremos registrar nossa língua, nossa cultura. Promover uma troca de olhares.

O Globo, 13/11/2017, Página 2, p. 2

https://oglobo.globo.com/sociedade/conte-algo-que-nao-sei/takuma-kuikuro-cineasta-queremos-registrar-nossa-cultura-22057009
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