Morte de cacique revolta ativistas e lideranças indígenas

O Globo, Sociedade, p. 27 - 17/08/2018
Morte de cacique revolta ativistas e lideranças indígenas
Corpo de Jorge Guajajara foi encontrado em rio; polícia trata como afogamento acidental

SÉRGIO MATSUURA

A luta pela defesa dos territórios indígenas perdeu mais um combatente. O corpo de Jorginho Guajajara, de 55 anos, cacique da Aldeia Cocalino, foi encontrado no último sábado sob uma ponte no Rio Zutiwa, na entrada da cidade de Arame, no interior do Maranhão. Grupos ativistas suspeitam se tratar de um crime motivado pelos conflitos com madeireiros e caçadores, mas a investigação inicial indica morte acidental por afogamento.

- O cacique foi encontrado no rio, embaixo de uma ponte perto da aldeia. O corpo seria levado para o IML mais próximo, que fica a 600 quilômetros. Nós estávamos providenciando a remoção, mas a família pegou o corpo e levou para o hospital. Um dos médicos foi indicado perito e constatou o afogamento - afirmou o Superintendente de Polícia Civil do Interior do Maranhão, Armando Pacheco, acrescentando que o caso continua sob investigação e deve ser concluído num prazo de 30 dias. - A principal linha é que houve um acidente, mas nada está descartado.

Em comunicado, a Fundação Nacional do Índio informa apenas que "desde que tomou conhecimento do ocorrido tem trabalhado para colaborar com as investigações policiais".

Em termo de declaração, a companheira de Jorginho, Nady Guajajara, contou que o esposo deixou a aldeia na sexta-feira, dia 10, por volta das 8h, para ir ao centro da cidade de Arame comprar café e açúcar, mas não retornou. No dia seguinte, por volta das 13h, ela recebeu a notícia de que o corpo havia sido encontrado.

No relato dado à polícia, Nady conta que o marido tinha o costume de ir à cidade e se embriagar, chegando a dormir nas calçadas sem retornar à aldeia. Ela diz "não acreditar na possibilidade de homicídio, pois o mesmo não tinha inimigos" e que "sua aldeia não tem problemas com madeireiros". Segundo Pacheco, a perícia não indicou sinais de violência.

Histórico de conflitos

Essas duas informações contradizem fatos e relatos feitos por indígenas a grupos ativistas. A Terra Indígena Arariboia, onde vivem cerca de 12 mil guajajaras e estimados 60 índios Awá - um grupo ainda isolado, sem contato com a sociedade -, é uma das mais conflituosas do país. Em 2015, um incêndio consumiu 220 mil hectares do território, mais da metade do território que se estende por 413 mil hectares. Na época, o Ibama apontou que madeireiros eram responsáveis pelo incêndio e que uma equipe do instituto foi atacada a tiros por criminosos que roubavam madeira no interior da reserva.

Sarah Shenker, pesquisadora da ONG Survival International, aponta que os Guajajara estimam que desde 2000 cerca de 80 indígenas foram assassinados na região. Em 2016, um dos períodos mais violentos, quatro indígenas foram mortos em menos de um mês. Sarah conta que Jorginho, junto com outros caciques do território, estava lutando contra a destruição dos madeireiros e pressionando as autoridades por proteção. No vácuo das ações do estado, os guajajara mantêm o grupo "Guardiões da Amazônia", formado por representantes de diversas aldeias para monitorar e proteger as matas.

- Nós acreditamos que a motivação desse homicídio seja a atuação dele na defesa da floresta. Ele era um dos guardiões - afirmou Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, destacando que relatos dos guajajaras diziam que o pescoço de Jorginho estava quebrado, o que contradiz o relatório pericial. - As medidas tomadas pelo Estado não são capazes de proteger os territórios indígenas, então nós estamos exercendo esse papel. Está acontecendo um genocídio, porque há uma violência pública e notória e o governo não faz nada para resolver. O Jorginho é mais uma vítima da omissão do Estado.

'Toque de recolher' para os índios

Candidata à vice-presidência pelo PSol, Sônia Guajajara é da mesma etnia de Jorginho. Apesar de estar afastada da região por causa da campanha, ela contou ter recebido relatos de que havia um "toque de recolher" para os indígenas na cidade de Arame. Como retaliação pelas ações dos guardiões, madeireiros e caçadores ameaçaram matar indígenas que circulam pela cidade após às 22h.

- Existe a suspeita de que seja um crime de vingança ou de intimidação por causa das ações de monitoramento das florestas - afirmou Sônia.

Paulo Gomes Guajajara, membro da comissão dos caciques da Terra Indígena Arariboia, conhecia Jorginho pessoalmente e lamentou a perda de mais um representante da etnia. Ele conta que o colega vivia numa aldeia pequena, com cerca de dez famílias, e confirma o problema com o álcool, um mal que atinge muitos indígenas. Porém, não descarta a hipótese de homicídio.

Ele conta que entre os caciques guajajaras a morte de Jorginho gerou revolta, indignação e a suspeita de que ele tenha sido assassinado, já que existe um alerta de que os indígenas não devem andar nas cidades durante a noite. Sobre o depoimento de Nady, Paulo Gomes explicou que o relato deveria ter sido colhido na presença de antropólogos, pois a presença de uma autoridade branca pode amedrontar.

- O que passaram para nós é que foi afogamento, mas alguém pode ter empurrado ele da ponte. Em Arame tem muita gente que não gosta dos indígenas, porque eles foram removidos quando a Terra Indígena foi criada - contou Paulo Gomes. - Nós temos um fato, o Jorginho perdeu a vida, agora é preciso investigar. Está acontecendo um massacre de índios, matam a gente como um animal qualquer.


O Globo, 17/08/2018, Sociedade, p. 27


https://oglobo.globo.com/sociedade/morte-de-cacique-revolta-ativistas-liderancas-indigenas-22985232
PIB:Goiás/Maranhão/Tocantins

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