Belém (PA) - Indígenas do povo Asurini do Xingu capturaram, no mês de fevereiro passado, cinco garimpeiros na Terra Indígena Koatinemo, que vem sendo alvo de invasores, desde o fim do ano passado. Cansados de esperar por uma ação dos órgãos oficiais para coibir invasões, eles decidiram agir por conta própria. Após identificarem áreas desmatadas recentemente, realizaram "operações" para destruir a estrutura montada pelos invasores.
"Foram três ou quatro ações onde [os invasores] estavam abrindo estrada com trator e tudo. A gente queimou cinco ou oito casas, foi apreendendo coisas do pessoal", contou um indígena que preferiu ser identificado, com temor das represálias. "Esses são os garimpeiros que a gente conseguiu pegar, só que tem outros lá dentro ainda", disse ele.
Procurado pela reportagem da Amazônia Real, o delegado Carlos Castelo, da Polícia Federal em Altamira (PA), disse que a delegacia recebeu os cinco garimpeiros apreendidos pelos Asurini, mas eles estão em liberdade por falta de provas. "Esses garimpeiros não foram pegos em nenhum flagrante. Eles estavam na terra indígena, mas não significa invasão. Não ficou configurada a intenção de invasão. Não ficou configurada a prática de um delito para ser feito o flagrante", disse o delegado.
Perguntado sobre a justificativa dos garimpeiros para estarem dentro da TI Koatinemo quando foram capturados pelos indígenas, o delegado disse não recordar do fato. Castelo informou, ainda, que a PF apura o caso a partir das denúncias feitas pelos Asurini. Ele disse que está em curso um procedimento de informação preliminar para verificar se há elementos para a abertura de um inquérito policial.
Além de garimpeiros, o indígena disse que madeireiros, grileiros e fazendeiros também são responsáveis pelas invasões. Os Asurini permanecem na área indígena, situada entre os municípios de Altamira e Senador José Porfírio, no sudoeste do Pará. "A gente fica lá. Hoje, estamos sendo ameaçados por invasores clandestinos. A gente não tem apoio".
A invasão das terras dos Asurini ocorre há anos, dizem os indígenas, mas se intensificou a partir de dezembro do ano passado após a eleição do atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PSL). Na eleição, o então candidato declarou em diferentes momentos que não demarcaria mais terras indígenas.
"Do final do ano para cá, parece que piorou: ficaram fora do normal as invasões", lamenta o indígena Asurini.
A denúncia dos Asurini foi confirmada pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
Segundo os indígenas, falta apoio da Funai para garantir a segurança e a vigilância da TI, homologada em 1986 pelo governo federal. Contudo, sem a ação governamental na fiscalização, restou a eles a identificação de áreas desmatadas. "A gente já está há três anos pra fazer esse monitoramento. A gente ficou esperando a Funai organizar, que dizem que iam organizar."
Venda de terra, desmate e queimada
O desmatamento ilegal na TI Asurini ocorre paralelamente a um processo, também ilegal, de grilagem do território indígena. "O pessoal que está na área, que está vendendo as terras, como se a terra não tivesse dono, está falando que as terras são deles, que não há placa. Isso porque eles estão tirando as placas da demarcação", denunciou o indígena.
Ainda de acordo com a liderança Asurini, os fazendeiros que estão invadindo a terra indígena são do estado de Goiás. "Eles vêm ameaçando a gente", disse.
A Terra Indígena Koatinemo está localizada às margens do rio Xingu e possui 388 mil hectares, onde vivem cerca de 250 pessoas, sendo a metade delas composta por crianças. Faz fronteira a leste com a Terra Indígena Ituna/Itatá, onde vive um povo indígena isolado, que ocupa área de 142 mil hectares. Não há dados sobre o total de sua população.
A fronteira entre as duas terras indígenas tornou-se, assim, o alvo principal dos invasores. As clareiras abertas por tratores e os dados do Centro de Monitoramento Remoto (CRM) - ferramenta da Funai para monitoramento por satélite do desmatamento e do uso dos territórios indígenas - revelam as atividades ilegais.
O CRM detectou focos de calor nas fronteiras das terras indígenas. Para os Asurini, esses focos estão relacionados com as queimadas realizadas pelos invasores, que ainda teriam montado um assentamento. As imagens de satélite atestam focos de calor no mês de dezembro de 2018.
A comunicação na área é instável, o que piora no período chuvoso, aumentando a dificuldade dos indígenas para denunciar as ameaças. "Estamos no isolamento", diz o indígena Asurini.
O que dizem as autoridades?
A agência Amazônia Real procurou a Funai para falar sobre as denúncias dos índios Asurini. O órgão disse, por meio de nota da assessoria de imprensa, que a invasão na TI Koatinemo vem sendo acompanhada por meio dos dados do Centro de Monitoramento Remoto (CMR-Funai).
"A fundação comunicou o caso à Polícia Federal. A Funai segue realizando o monitoramento da área por meio de ações in loco, bem como acompanha o desmatamento por meio de monitoramento remoto", disse a nota.
Outra indígena, que também preferiu não se identificar à reportagem, afirmou que os invasores já estão a cerca de dez quilômetros da aldeia. "A gente sabe que a situação está feia. Eles [invasores] entraram pelo assentamento rural, fizeram grilagem, fizeram um monte de fazenda e mineração ilegal", denuncia a indígena Asurini.
A Funai também confirmou que a porção leste da Koatinemo já foi invadida anteriormente. Em 2017, o órgão realizou operação com Ibama e PF para "coibir as invasões e realizar a extrusão de invasores que adentraram a porção leste desta Terra Indígena", conforme nota enviada pela Funai à agência Amazônia Real.
Apesar de os Asurini denunciarem a ausência de ações, a Funai ressaltou que, como parte das condicionantes para o licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, a TI Koatinemo faz parte do Plano de Proteção Ambiental e das Terras Indígenas do Médio Xingu, o que prevê a realização permanente de ações de proteção às terras.
O Ministério Público Federal (MPF), que informou ter sido notificado sobre o caso ainda no fim do ano passado, encaminhou à PF em Altamira, em 29 de janeiro, notícias dadas pelos caciques do povo Asurini. O MPF requereu à Polícia Federal a instauração de inquérito policial para apurar as denúncias.
Consultadas, a assessoria de imprensa da PF no Pará e a própria delegacia da PF em Altamira informaram que não houve operação, ou ação realizada pelo órgão na TI Koatinemo neste ano.
Questionado pela Amazônia Real, o Ibama limitou-se a informar, por meio de nota, que "realizou vistoria na região e identificou ilícitos ambientais". E, ainda, que "as informações estão sob investigação".
Aumento da violência
Desde o fim do ano passado, justamente no período de transição de governos e agravado com declarações contrárias do presidente Jair Bolsonaro aos povos indígenas, as TIs viraram alvo preferencial de uma escalada de invasões e ataques na região amazônica. Em 21 de novembro de 2018, foram feitos disparos contra indígenas Juma, que transitavam pela rodovia Transamazônica, à altura do município de Humaitá (AM).
Em 22 de dezembro, a base de proteção de índios isolados Ituí-Itacoaí, da Funai, na Terra Indígena do Vale do Javari, também foi atacada a tiros. A suspeita é que os disparos tenham partido de caçadores ilegais do Alto Solimões.
No mesmo mês de dezembro, madeireiros invadiram a Terra Indígena Arara do Laranjal, que fica entre os municípios de Uruará e Medicilândia, no Pará. Lideranças da etnia Arara denunciam, ainda, que os invasores estavam loteando e vendendo áreas dentro da terra indígena.
Já em 12 de janeiro de 2019, os indígenas Uru-Eu-Wau-Wau denunciaram uma invasão de grileiros na terra indígena e formalizaram o caso ao Ministério Público Federal e à Funai, em Rondônia, para as providências cabíveis.
http://amazoniareal.com.br/asurini-capturam-cinco-garimpeiros-na-terra-indigena-mas-pf-de-altamira-libera-acusados/
PIB:PIX
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