O Xingu sagrado (e massacrado)

Blog de Lúcio Flávio Pinto - https://lucioflaviopinto.wordpress.com - 16/06/2019
O Xingu sagrado (e massacrado)

Publicado por Lúcio Flávio Pinto ⋅ 16 de junho de 2019

O vale do rio Xingu ocupa 18 milhões dos 90 milhões de hectares de Mato Grosso, ou 20% do terceiro maior Estado brasileiro. Mais de 6 milhões de hectares de florestas situadas nesse área. É quase um terço da extensão do vale do Xingu, o 60o maior rio do planeta. Equivale a 40 vezes o tamanho do município de São Paulo, o mais rico e mais densamente habitado do país - e uma das áreas com maior problemas ambientais.
O que resta de floresta nativa densa no norte de Mato Grosso se concentra na maior propriedade contínua da região. É o território indígena, criado no efêmero governo de Jânio Quadros, por influência do antropólogo Darcy Ribeiro. Quem circular pelas bordas da antiga reserva, palco do romance Quarup, escrito há meio século pelo jornalista Antônio Callado (retrato preciso - mesmo ficcional - do Brasil da época), vai encontrar só desmatamento. Onde havia floresta, campos de soja a perder de vista e de capim, à espera dos bois que os fazendeiros prometeram trazer, desde meados dos anos 1960.
O alimento rasteiro plantado no lugar de árvores centenários, com até 40 ou 50 metros de altura, para o rebanho que jamais chegou, é a braquiária, tão feroz sobre o solo que raramente permite o crescimento de concorrentes. Empobrece organicamente a terra e enfeia a paisagem. Desde uma década atrás essa sujeira está sendo limpa pelos índios xinguanos. Assustados e indignados pelo avanço de exércitos de colonizadores que derrubam a origem mitológica de suas vidas e suas fontes de sobrevivência, eles começaram a recompor a floresta.
Um dos capítulos dessa luta apareceu na edição de hoje do Globo Rural, o melhor programa (para mim, claro) da TV Globo. Ele aborda o movimento das mulheres yarung pela recuperação e incremento da geração de sementes da floresta ameaçada. O centro desse processo é o banco de sementes da reserva ykpeng. Há dois anos a atividade recebe recursos do Fundo Amazônia, cujo principal financiador é o governo da Noruega, com apoio técnico do ISA (Instituto Socioambiental), de São Paulo.
As coisas parecem estar dando certo. As mulheres do movimento recebem 90% da receita da venda das sementes em Canarana, a cidade mais importante (sede urbana do desmatamento também), que fica a 10 horas de viagem por água e terra. Os 10% restantes ficam na sede do projeto. Parte das sementes fica no local para o renascimento das árvores. A semente do piqui não é comercializada porque alimenta e tem valor simbólico para os índios. Eles trabalham animados e aparentam satisfação.
OL governo antiecológico de Bolsonaro poderia pagar a pena dos seus muitos e precoces pecados contra a natureza e os índios comprando os direitos de reprodução de programas como esse e distribuí-los para distribuição nas escolas públicas. Essas imagens valem mais do que mil palavras, contra ou a favor do programa, como repetiu o presidente aqui em Belém, na quinta-feira. Provoca o desenvolvimento do bem mais precioso do ser humano, que continua a resistir às ondas de absurdos e irracionalismo: a inteligência aplicada à arte de pensar usando cada um a sua própria cabeça. Sem barulho e truculência.

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Bacia do Xingu

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