Para ONGs e ambientalistas, fala de Bolsonaro sobre Amazônia na ONU é 'farsa'

O Globo - https://oglobo.globo.com/sociedade - 24/09/2019
Para ONGs e ambientalistas, fala de Bolsonaro sobre Amazônia na ONU é 'farsa'
Discurso do presidente foi rebatido e considerado 'vergonha'; relação com organizações piorou após mandatário atribuir a elas a autoria das queimadas

O Globo
24/09/2019 - 13:21 / Atualizado em 24/09/2019 - 16:51

RIO - O discurso do presidente Jair Bolsonaro na abertura da 74ª Assembleia Geral das Nações Unidas não agradou a ONGs que trabalham em prol da preservação da floresta amazônica. A fala do governante foi classificada como "farsa" e "vergonha" para o Brasil no exterior.

Para o coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace , Marcio Astrini, Bolsonaro promove o desmonte da área socioambiental da Amazônia e é parte do problema, e não da solução para a floresta.

"A fala do presidente sobre meio ambiente foi uma farsa. Bolsonaro tentou convencer o mundo que protege a Amazônia, quando, na verdade, promove o desmonte da área socioambiental, negocia terras indígenas com mineradoras estrangeiras e enfraquece o combate ao crime florestal. Sob sua gestão, as queimadas, o desmatamento e a violência aumentaram de forma escandalosa. Para a floresta e seus povos, Bolsonaro é um problema, não a solução", diz o comunicado.

Em nota, a coordenação do Observatório do Clima , além de criticar o posicionamento do presidente no evento internacional, ainda apontou que a fala de Bolsonaro pode também prejudicar o agronegócio brasileiro.

"Como era esperado, o discurso de Jair Bolsonaro na ONU dobrou a aposta no divisionismo, no nacionalismo e no ecocídio. O presidente mais uma vez envergonhou o Brasil no exterior ao abdicar a tradicional liderança do país na área ambiental em nome de sua ideologia. Não fez nada para tranquilizar investidores, nem para aplacar o clamor crescente por boicote a produtos brasileiros. Põe em risco o próprio agronegócio que diz defender".

O Observatório do Clima relacionou ainda o desmatamento da Amazônia e do Cerrado ao aquecimento global .

"Mas não apenas isso: as políticas de Bolsonaro trazem risco imediato para toda a humanidade. A ciência nos diz que temos até 2030 para cortar emissões de carbono em 45% se quisermos ter chance de estabilizar o aquecimento da Terra em 1,5oC e evitar seus piores efeitos. O desmatamento descontrolado do cerrado e da Amazônia pode, sozinho, botar a perder a meta global", segue o comunicado.

A relação do presidente com as ONGs ficou estremecida desde que ele afirmou que as organizações poderiam estar por trás das queimadas na Amazônia.

Fogo na Amazônia
"Nesta época do ano, o clima seco e os ventos favorecem queimadas espontâneas e criminosas. Vale ressaltar que existem também queimadas praticadas por índios e populações locais, como parte de sua respectiva cultura e forma de sobrevivência", disse Bolsonaro sobre os focos de incêndio na floresta.

Segundo o pesquisador Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade Federal de São Paulo (IEA-USP), que está em Nova York, "o fogo na Amazônia não é espontâneo".

- É raríssimo o fogo ter origem numa descarga elétrica, ao contrário do que ocorre no Cerrado. Na Amazônia, 100% desses incêndios são provocados pela espécie humana, que este ano cresceu bastante em relação ao ano passado - disse o pesquisador, que concluiu: - Os ventos são muito fracos na Amazônia, o que é bom, pois não torna o fogo incontrolável. O foco são as áreas derrubadas. Às vezes o fogo se propaga um pouco na beira da floresta, na mata ao lado da área derrubada. Eles querem o máximo de queima para que a área fique limpa para a pecuária.

'Espírito colonialista'
Sem citar nominalmente a França, Bolsonaro mencionou um país que "se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista". "Questionaram aquilo que nos é mais sagrado: a nossa soberania! Um deles por ocasião do encontro do G7 ousou sugerir aplicar sanções ao Brasil, sem sequer nos ouvir", continuou o presidente, em referência às declarações de Emmanuel Macron durante encontro do G7 , quando sugeriu discutir a "internacionalização" da região.

- Não me parece que tem um colonialismo internacional. Esse modelo de substituição da floresta por agropecuária é o modelo que nós, e vários países amazônicos copiaram, é um autocolonialismo - continua Nobre.

Para ele, trata-se do mesmo modelo que desde quando os portugueses por aqui aportara, sem enxergar valor na floresta.

- Esse modelo do colonialismo português é um modelo que nós, na década de 70, impusemos à Amazônia e do qual não nos livramos. Ele não levou ao desenvolvimento da população em sua grande maioria. Essa população não melhorou da vida. A substituição da floresta pela agropecuária não trouxe benefício para grande parte dos que migraram e seguiram esse modelo. Então não é verdade dizer que uma área protegida vai melhorar a vida das pessoas na hora que deixar de ser floresta - concluiu.

'Indigenismo ultrapassado'
Em resposta às críticas à presença da indígena Ysani Kalapalo na comitiva do presidente na abertura da Assembleia Geral da ONU, Bolsonaro leu uma carta de 55 indígenas agricultores que, segundo ele, defendem uma "nova política indigenista" no país para buscar "autonomia econômica" desses povos.

"O ambientalismo radical e o indigenismo ultrapassado e fora de sintonia com o que querem os povos indígenas representam o atraso, a marginalização e a completa ausência de cidadania", afirmou Bolsonaro.

"Hoje, 14% do território brasileiro está demarcado como terra indígena, mas é preciso entender que nossos nativos são seres humanos, exatamente como qualquer um de nós. Eles querem e merecem usufruir dos mesmos direitos de que todos nós", complementou o presidente, que continuou: "Quero deixar claro: o Brasil não vai aumentar para 20% sua área já demarcada como terra indígena, como alguns chefes de Estados gostariam que acontecesse".

Ysani é bolsonarista, defende o presidente nas redes sociais e está com frequência em Brasília, em apoio a atos da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. Ela não conta com apoio das lideranças do Xingu, nem mesmo do cacique dos kalapalo.

Para Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental ( ISA ), Bolsonaro nega a representatividade e a forma de organização indígena ao escolher e levar para a ONU a Ysani e desqualificar uma liderança como Raoni, reconhecido dentro e fora do país (também no discurso, o presidente havia dito ser o fim do "monopólio do senhor Raoni").

- Ele assume a mais arcaica e mais bizarra visão de indigenismo que a gente já viu. Além disso, nada mais ultrapassado do que alguém que precisa afirmar perante o mundo que índio é gente - diz a pesquisadora.

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