Conselho indígena contesta portaria da Funai

Comissão Pastoral da Terra - https://www.cptnacional.org.br - 20/01/2020
Portaria publicada pelo órgão, em 30 de dezembro de 2019, exclui membros qualificados de Grupo de Trabalho de identificação e delimitação de território Indígena Munduruku e Apiaká do Planalto, região de Santarém (PA), e nomeia engenheiro agrônomo

Texto: Mário Manzi - Assessoria de Comunicação da CPT / Foto: Mário Vilela - Funai

Conselho Indígena Munduruku e Apiaká do Planalto Santareno publicou nota em repúdio a ação que seria uma manobra para fragilizar reconhecimento da terra indígena em questão.
Os membros do membros do Grupo de Trabalho (GT) trabalhavam desde 2012 na identificação e delimitação do território indígena, mas foram substituídos no penúltimo dia do ano. O conselho apontou que o GT, formado por membros qualificados, foi substituído por um engenheiro agrônomo após pressão do Sindicato Rural de Santarém (SIRSAN) e de vereadores do município.

Leia a nota na íntegra:

Santarém, 18 de janeiro de 2020.

Nota do Conselho Indígena Munduruku e Apiaká do Planalto Santareno, sobre Portaria FUNAI/PRES N 1.536, de 27/12/2019, que Exclui Membros do Grupo de Trabalho (GT) de identificação e delimitação do nosso Território.

No início deste ano, quando estávamos aguardando pela volta da equipe do Grupo de Trabalho (GT) da FUNAI para finalizar os estudos de natureza etnohistórica, antropológica, ambiental e cartográfica, necessários à identificação e delimitação do nosso território Indígena Munduruku e Apiaka do Planalto, fomos surpreendidos pela informação da publicação de uma nova portaria da FUNAI de no 2.090 de 30/12/2019, excluindo a atual equipe e nomeando novos técnicos para o GT. Esta notícia nos deixou indignados, pois soa como uma tentativa de atrapalhar os trabalhos do GT que já se encontrava em fase final.

Nossa luta sempre foi de resistência as ameaças que sofremos de perdermos nosso território. Desde 2012 iniciamos nossas demandas aos órgãos competentes para a criação do Grupo de Trabalho e realização dos estudos e demarcação de nosso território. Tais demandas finalmente foram aceitas em 2018 pela FUNAI, que criou através da Instrução Normativa 1.387 de 24 de outubro de 2018, o GT que teve a seguinte composição:

"1 - Katiane Silva - Professora da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará (UFPA), Coordenadora do GT;
2 - Rosamaria Santana Paes Loures - Mestra em ciências ambientais pela Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA);
3 - Aléssio Moreira Lima Dantas - Indigenista Especializado, Chefe da Coordenação Técnica Local de Altamira VIII (CR Tapajós/Funai);
4 - Fernanda Cristina Moreira - Indigenista Especializada, lotada na Coordenação-Geral de Identificação e Delimitação (CGID/DPT/Funai)."
Em 2019, novamente o presidente da FUNAI publicou nova Portaria de no 1.444 de 20 de novembro de 2019 designando os mesmos profissionais para o GT e deslocamento da equipe para o desenvolvimento dos trabalhos junto as nossas Aldeias.

A equipe do GT nomeada pela FUNAI esteve em nossas Aldeias e fizeram durante 20 dias perguntas, conversas com moradores, leram documentos, observaram nossos territórios e quando encerrou o período previsto na portaria retornaram com a intenção de voltar para as Aldeias o mais rápido possível para finalizar os trabalhos.

Exatamente quando se aguardava o retorno da equipe para finalizar o estudo, o presidente da FUNAI publicou nos últimos dias do ano anterior uma nova portaria de no 2.090 de 30/12/2019, excluindo membros da atual equipe e nomeando novos técnicos para o GT. Um ato que afronta nosso direito e ameaça ainda mais nosso território, pois deverá pôr em risco todo o trabalho já iniciado. Esta decisão acontece logo após a notícia de que alguns vereadores de Santarém, juntamente com representantes do Sindicato Rural de Santarém-SIRSAN, Sindicato este responsável direto pelas ações contra todo o movimento indígena no Planalto, foram até Brasília com o objetivo de
acabar com o GT, mas como o GT é fruto de um acordo judicial, não poderia ser extinto. Portanto, a mudança da equipe nos parece uma manobra usada para atrapalhar o estudo do nosso território.

Nós, moradores do Território Indígena Munduruku e Apiaká do Planalto Santareno, nos sentimos extremamente prejudicados com esta decisão, pois em nenhum momento fomos consultados. Além do que, a atual equipe já desenvolveu quase todo o trabalho, restando apenas sua finalização. A nova portaria exclui da coordenação do GT uma profissional qualificada, com doutorado, experiente e conhecedora da região, que foi substituída por uma técnica que possui apenas graduação.

Raoni e 45 povos indígenas lançam manifesto pela vida

O Território ocupado pelos povos Munduruku e Apiaka do Planalto, historicamente, foi violentado pelo desmatamento irregular praticado por grupos que passaram a ocupar aquelas terras, primeiro para a exploração madeireira, depois para implementação de grandes fazendas de gado e mais recentemente pela chegada da soja. As aldeias estão cercadas e ameaçadas de serem extintas pelo avanço contínuo de plantios de soja. O uso indiscriminado de produtos químicos nas plantações de soja já destruiu um dos principais igarapés da Aldeia do Açaizal, tanto que hoje, o município de Santarém e o Estado do Pará são questionados na Justiça por não terem cumprido com seu dever legal de fiscalizar as ações ilegais no uso dos agrotóxicos que contaminaram o Igarapé.

A cerca que os divide: povo Munduruku do Planalto Santareno pressionado pela soja

A violência não se deu apenas com o ambiente, mas também contra nós próprios moradores, já que aqueles que querem nossas terras atuam para criar uma ideia de que não existimos ou nos invisibilizando em nossa origem. Nossa identidade indígena foi sempre negada em todos os sentidos por aqueles que nos ameaçam. Mas, a nossa natureza e a nossa cultura nos manteve vivos e resistentes. Diante de todas estas ameaças que nos aprisionam em nossas próprias casas, que mata nossa principal fonte de vida, que impede nosso direito de ir e vir, que ameaça nos expulsar de nossas terras foi que passamos a nos organizar e cobrar do Estado brasileiro nosso direito de permanecer em nosso território. Direito este previsto em nossa Constituição Federal. Foi daí que organizamos nossas Aldeias criando as associações indígenas, criamos nosso próprio Conselho Indígena do Planalto, definimos através de uma autodemarcação os limites do nosso território e baseado na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) construímos nosso Protocolo de Consulta.

Alessandra Munduruku: "Empreendimentos são instalados dentro da nossa casa e somos os últimos a saber"

É com base neste histórico de resistência, que exigimos do Governo Federal e do Presidente da FUNAI que tenham bom senso e cancelem a Portaria 2.090 que criou a nova equipe e mantenham os membros anteriores do GT que já estavam realizando os estudos e exija destes que finalizem os trabalhos e apresentem o Relatório Final o mais rápido possível. Evitando com isto maiores custos ao Estado brasileiro. Ficaremos vigilantes e atentos, pois à medida que qualquer tentativa de causar danos aos nossos direitos, seremos incansáveis em cobrar o atendimento de nossos direitos e, se necessário, denunciaremos qualquer arbitrariedade cometida contra nosso povo.

CONSELHO INDÍGENA DO PLANALTO
Endereço: Aldeia Amparador
CNPJ: 31.605.248/0001-00
Santa Rosa S/N - PA 370 Santarém-Curuá-Una




https://www.cptnacional.org.br/publicacoes/noticias/geral/5063-conselho-indigena-contesta-portaria-da-funai
PIB:Tapajós/Madeira

Related Protected Areas:

  • TI Planalto Santareno
  •  

    As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.