FSP, Caderno Especial Sebastião Salgado na Amazônia, p. 1-10. - 29/08/2020
SEBASTIÃO SALGADO NA AMAZÔNIA
Zo'é - Etnia que viveu décadas quase sem contato com brancos se esconde na floresta próxima às Guianas por causa do coronavírus, que já infectou mais de 28 mil indígenas no país, segundo dados não oficiais; na mais longa expedição de seu projeto 'Amazônia', o fotógrafo Sebastião Salgado passou dois meses acompanhando o dia a dia desta comunidade que habita uma área montanhosa na região do Cuminapanema, ao norte do Pará
Indígenas se refugiaram em região de difícil acesso com montanhas e muralha verde
Leão Serva
As florestas ao norte do rio Amazonas estão mais preservadas do que aquelas sob risco de devastação, localizadas ao sul. Ali, no norte do Estado do Pará, o relevo é composto como uma subida desde as margens do grande rio, que segue pela planície onde um dia foi o fundo do mar. O alto da rampa é a cadeia de montanhas que separa o Brasil da Venezuela e das Guianas.
Para escalar esse território, é preciso muito esforço, remar contra a força de rios de corredeiras ou embrenhar-se por densas florestas que formam uma muralha verde. A distância de quase 290 km, percorrida em pouco mais de uma hora por monomotor, leva 25 dias de barco ou a pé.
Foi ali, entre o rios Cuminapanema e Erepecuru (ou Peru do Oeste), que, por cerca de 60 anos ou mais, os índios que viriam a ser chamados de Zo'é se esconderam de grandes fluxos de pessoas. Embora não tenha sido um tempo de absoluto isolamento, mantiveram pouco contato com quilombolas ou outros grupos indígenas da região entre os anos 1920 e os anos 1980, quando se encontraram com missionários evangélicos.
Os Zo'é contam histórias de conflitos com outros grupos étnicos da região, que causaram mortes e o seu relativo isolamento ao longo do século 20. "Eles falam de ataques de índios. Do oeste, vinham os Apan (que eles descrevem como canibais); do leste, vinha um povo que eles chamam de Tapy'yj (quebradores de cabeças, porque provavelmente atacavam com bordunas)", conta a antropóloga Dominique Gallois, que estuda índios da região desde os anos 1980.
Foram os religiosos da Missão Novas Tribos do Brasil que batizaram de Zo'é os indígenas até então conhecidos como "isolados do Cuminapanema", quando eram observados por pilotos de aviões a serviço da Funai (Fundação Nacional do Índio) que sobrevoavam a região. "Eles provavelmente tentavam dizer que eram 'gente mesmo', que é o significado da expressão Jo'é, aportuguesada pelos missionários", explica a linguista Ana Suelly Cabral, maior especialista na língua Zo'é.
A ideia do absoluto isolamento dessa etnia é quebrada por sinais de alguns contatos com outros povos, ainda que esporádicos. Nos anos 1980, os indígenas tinham objetos de metal que, provavelmente, obtiveram de quilombolas; e sua língua tupi contém palavras de idiomas de grupos vizinhos. Eles também sabiam os nomes que os brancos davam aos rios.
Os Zo'é são índios tupi, como os guaranis do Mato Grosso do Sul, do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e da Bahia. Como os tupinambás e os tupiniquins que conviveram com os primeiros portugueses; como os Kamaiurá do Xingu. Ou outros tantos descendentes dos primeiros tupi que cerca de 6 mil anos atrás deixaram a região onde fica Rondônia.
Salgado passou dois meses 'no paraíso' em sua mais longa expedição "Fiz uma viagem ao paraíso." Assim Sebastião Salgado descreve a mais longa expedição a um grupo indígena brasileiro de todas as que realizou como parte dos projetos "Gênesis" e "Amazônia".
O fotógrafo brasileiro radicado em Paris passou dois meses com os Zo'é e visitou todas as aldeias onde os cerca de 320 habitantes viviam naquele período. Acompanhou o dia a dia de famílias, o cuidado na roça, as caçadas e participou de acampamentos de pesca nos rios Cuminapanema e Erepecuru.
No Cuminapanema, teve a sensação de uma descoberta ao acampar numa pequena ilha do rio. "Seguramente, somos os primeiros brancos a parar aqui", brincou com a tradutora, Ana Suelly. "Foram viagens maravilhosas", encanta-se.
Os Zo'é são índios de terra firme, não habituados à pesca e a nadar em águas caudalosas. Mesmo assim, Salgado se viu, em certo momento, numa canoa com vários deles e perguntou à linguista: "Eles sabem nadar?". "Não", ela respondeu.
Os povos indígenas brasileiros se dividem entre habitantes de margens de rios, acostumados a nadar e a navegar, e os de terras altas, que pescam com a água na altura da canela.
Depois do convívio maior com os não índios, os Zo'é passaram a usar canoas e se viram bem navegando.
"Tinha um amigo que me acompanhou durante toda a viagem, o Ipó. Ele vivia me alertando para os riscos de encontrar onças. Semanas antes de eu chegar, uma onça havia matado um homem. Eram duas pessoas, e uma fugiu. Depois, eles se organizaram para caçar a onça. Por isso, quando eu ia de uma aldeia para outra, várias pessoas me acompanhavam", lembra Salgado.
A região também tem outro perigo, as cobras. "O Ipó nunca me deixou ir sozinho na frente. Quando via uma cobra, acertava uma flecha precisamente a uns quatro dedos da cabeça, com pontaria impressionante."
Outra peculiaridade do relacionamento dos Zo'é com os animais impressionou Salgado. "Eles criam queixadas, muito agressivos, como animais de estimação. Vi um homem que tinha um desses porcos selvagens junto à entrada de sua casa, como um cão de guarda." Os indígenas não têm o hábito dos brancos de ter a companhia de cães. "Um dia, quando ele foi me acompanhar na viagem para outra aldeia, veio com a queixada amarrada a uma coleira."
Normalmente, eles adotam os filhotes de animais caçados, em retribuição aos pais que lhes serviram de alimento. Até as temidas onças podem ter filhotes criados pelos Zo'é.
Outro sinal de respeito à presa ocorre quando os caçadores voltam para casa. Ao trazerem as queixadas, que chamam de porcão, eles colocam em sua boca uma castanha. E o caçador diz assim em seu ouvido: "Vá, porcão, estou dando esse alimento a você para que vocês voltem na próxima lua".
Também os urubus-rei são tratados como família. "São índios contadores de histórias e muito curiosos de ouvi-las também. À noite, conversam muito trocando experiências, absorvendo a memória dos outros. Eles adoram o gavião e o urubu-rei, do qual tiram as penas para os lindos arranjos de cabeça das mulheres. Por isso, adoravam ouvir histórias desses pássaros, que eu poderia repetir todas as noites."
Outra cena inesquecível para Salgado ocorreu em sua despedida. Quando seu amigo e guia Ipó viu o helicóptero que buscaria o fotógrafo, disse: "É um tukuruhú, um gafanhoto". E explicou: "Os aviões batem no chão ao descer e escorregam. O tukuruhú pousa". Em seguida, os pilotos saíram da aeronave com seus capacetes e óculos imensos. "Ipó assustou-se e me disse: 'Salgado, eles não são humanos, são moscas'."
Foi montado no gafanhoto pilotado por moscas que Salgado deixou o paraíso.
Missionários levaram gripe que matou 20% do grupo
Após várias décadas recolhidos em seus domínios, com poucos encontros com gente de outras etnias, os primeiros contatos mais intensos dos indígenas chamados Zo'é com não índios foram provocados por missionários do capítulo brasileiro da entidade evangélica norte-americana Missão Novas Tribos do Brasil.
Usando como guias índios convertidos da etnia Tiryió, moradores da Terra Indígena Tumucumaque, ao norte da Terra Zo'é, os missionários instalaram um posto em uma área ao sul da região, de onde passaram a atraí-los.
Os contatos iniciados em 1982 se intensificaram ao longo dos anos seguintes até um encontro em 1987. Atraídos por presentes jogados de avião ou deixados em locais estratégicos em seus caminhos, os indígenas foram sendo atraídos e se aproximaram da sede da missão. Era o início de de um relacionamento que duraria anos.
Em 1989, no entanto, os missionários pediram ajuda à Funai (Fundação Nacional do Índio) diante de uma emergência sanitária, como narra o indigenista Sydney Possuelo, que foi enviado para a área pela presidência da entidade.
Os indígenas tinham contraído gripe dos missionários e muitos estavam com pneumonia.
Sem defesa para as doenças dos brancos, morreram, em curto período de tempo, cerca de 20% da população original de cerca de 170 pessoas contatadas em 1987. Em 1991, eles eram apenas 133.
O fotógrafo paraense Rogério Assis integrava a primeira equipe da Funai a chegar ao local. Ele descreve uma cena dantesca: "Era um cenário dramático de epidemia. Os índios todos ferrados, muitos cegos por um tipo de deficiência visual causada pela gripe, pareciam desnutridos."
Muitos indivíduos tinham contraído uma forma grave de conjuntivite viral e outros, tracoma. "Havia só um médico da Funai tratando as pessoas. Os missionários chamaram a Funai e sumiram", diz Assis.
O indigenista Possuelo afirma que a situação era bem complicada. "Fui, fizemos um diagnóstico e voltei depois com médicos. Os índios falavam tupi, nós tínhamos dois funcionários que falavam línguas tupi diferentes, mas isso rapidamente se resolveu porque logo virou uma coisa lúdica, eles acharam engraçado que a gente conhecesse palavras semelhantes. Ficamos ali e estabelecemos nossa presença."
Os missionários mantiveram o posto, que chamavam "Base Esperança", pelos dois anos seguintes.
Naquele mesmo ano de 1989, o Brasil teve a primeira eleição direta para presidente em que foi eleito Fernando Collor. Durante pouco mais de um ano, a equipe da Funai conviveu com a missão evangélica, até que, em 1991, Collor chamou Possuelo para comandar a entidade indigenista.
Logo ao assumir, o novo dirigente do órgão proibiu a presença de missões religiosas em áreas de índios de recente contato e expulsou a Missão Novas Tribos do Brasil da área indígena Zo'é.
Possuelo tinha proposto, em 1986, uma mudança da política implantada pelo Marechal Rondon, fundador do Serviço de Proteção aos Índios, que previa o contato oficial com índios isolados.
O novo presidente da Funai defendia o que ficou conhecido como "Política do Não Contato", que os índios isolados ou de pouco relacionamento com os "brancos" devem ser mantidos nessa condição, para diminuir o impacto cultural e principalmente das doenças dos não índios. Para ele, o contato da Novas Tribos com os Zo'é era a prova de toda a sua teoria. Ele explica: "A teoria do Rondon, de trazer os índios para o convívio para que pudessem aproveitar a 'civilização', era uma prática ineficiente, mortal para eles. Antes, você chegava lá, fazia o contato e um ano depois você já não encontrava os índios. Eles desapareciam, morriam todos ou alguns fugiam, assustados com as doenças que matavam os outros. Outros eram empurrados por aproveitadores brancos".
As estatísticas de mortes de indígenas brasileiros após os contatos, no século 20, são assombrosas: "Invariavelmente, morriam 30% ou 40% do grupo com doenças de brancos no primeiro ano. Esses eram os casos bem sucedidos. Nos casos mal sucedidos, toda a etnia desaparecia", lembra Possuelo, para quem "contato é igual a desaparecimento!".
O ex-presidente da Funai usa os números de mortos Zo'é logo após o contato para reforçar sua política e justificar o afastamento dos missionários evangélicos da área. "Eu via também uma questão de brasilidade: aquilo é um território do Brasil, os povos indígenas têm usufruto e a terra é da União. O Estado nacional tem que estar presente. Se eu for aos Estados Unidos e disser que vou fazer uma missão de proselitismo em terras indígenas deles, eu não passo da alfândega".
Segundo o indigenista, nos meses seguintes, quando os funcionários da Funai aprenderam a língua, os índios passaram a narrar as perdas de vidas nos anos anteriores. "Eram doenças do contato: gripe, pneumonia. Eles iam contando os nomes e números de mortes. Foi quando soubemos da verdadeira mortandade que tinha acontecido. Os missionários não tinham relatado nada".
Procurada pela Folha, a Missão Novas Tribos do Brasil não retornou aos pedidos da reportagem.
EVANGELIZADORES CHAMAVAM ÍNDIOS DE 'ARREDIOS DO CUPINAPANEMA'
A Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB) procurou, desde o início dos anos 1980, estabelecer contato com os Zo'é.
O livro "Esperando a Volta do Criador" (2008), de Onésimo Martins de Castro, um dos responsáveis pelo trabalho com a etnia, descreve a busca e localização dos indígenas que eram chamados de "arredios do Cuminapanema".
O título da obra tenta explicar os motivos pelos quais diferentes denominações cristãs evangélicas se dedicam a contatar etnias que não mantêm relacionamento com a cultura cristã e a sua fé de que Cristo voltará à Terra para a vitória final contra Satanás. Neste dia, dizem, todos os povos do planeta se converteriam ao cristianismo. Ou, nas palavras do autor: "Conforme a revelação no livro do 'Apocalipse' (...) 'Quando o Evangelho for pregado em todo mundo, virá o fim'."
Para o fundamentalismo evangélico, o diabo tenta permanentemente adiar a conversão dos povos isolados.
Por isso, os militantes da Missão Novas Tribos do Brasil, combatem a política do não contato, estabelecida no país durante a gestão de Sydney Possuelo na Funai, a partir de 1991.
O órgão determinou a expulsão da missão da terra indígena Zo'é.
Em uma guinada de 180 graus em relação à política adotada anteriormente, o governo de Jair Bolsonaro nomeou para a direção do departamento de índios isolados da Funai um ex-missionário da Missão Novas Tribos do Brasil, Ricardo Lopes Dias.
Ao assumir, Dias disse que não tem mais vínculos com a organização de evangelização de índios e que foi nomeado por sua formação como antropólogo, com mestrado e doutorado.
Aproximação com brancos ensinou etnia a se identificar
Leão Serva
Os Zo'é não se denominavam Zo'é quando começaram a conviver intensamente com os brancos, nos anos 1980.
A palavra, que significa "nós", era usada para dizer "gente mesmo". Mas o uso recorrente da expressão acabou por tornar-se um termo de autodefinição para eles.
Iniciava-se, assim, o estabelecimento de uma compreensão da diferença entre os Zo'é e os outros povos com que passaram a conviver desde aquele momento: os não índios, ou kirahi.
Depois, em contatos com outros índios, eles passaram a compreender que fazem parte de uma multiplicidade de etnias indígenas, diferentes dos brancos.
Essa compreensão é revelada com clareza em um trecho do filme "A Arca dos Zo'é" (1993), do cineasta Vincent Carelli e da antropóloga Dominique Gallois.
O documentário mostra a visita de um líder Wajãpi (pronuncia-se "uaiampi"), falantes de uma língua tupi muito parecida com a dos Zo'é, que vivem a leste, no Amapá.
Os dois povos provavelmente faziam parte de um mesmo grupo quando foram separados há alguns séculos. Hoje, entendem-se como brasileiros e uruguaios.
Quando o líder Wajãpi chega à aldeia Zo'é, um garoto fica admirado com a semelhança da cor de sua pele, e eles dizem: "Índio?!", usando o termo em português.
Diante da resposta positiva, o menino pergunta em sua língua, como contraprova: "Você caça macaco-gordo?" (referindo-se à carne mais desejada pelos Zo'é, que eles chamam kwata ike). Após ouvir outro sim, os dois riem juntos, em uma cena cena de plena empatia: eles se sentem semelhantes.
No início do contato, os Zo'é também foram chamados de Poturu, mas a palavra tampouco era um nome de sua etnia.
Quando os forasteiros, admirados com seus peculiares enfeites labiais, chamados de embe'pot, apontavam para eles, os indígenas respondiam dizendo Poturu, em referência à madeira de mesmo nome usada para a sua confecção. O termo acabou sendo compreendido como o nome da etnia. E explicavam o motivo para usarem o adorno: "O criador ensinou, não podemos desrespeitá-lo".
A DIFÍCIL TAREFA DE DECIFRAR UMA LÍNGUA INDÍGENA
A gestão de Sydney Possuelo à frente da Funai (Fundação Nacional do Índio) ainda se iniciava quando, em 1992, ele decidiu convocar a linguista Ana Suelly de Arruda Câmara Cabral para estudar a língua dos Zo'é e ensiná-la a outros funcionários do órgão indigenista.
"Eu tinha feito doutorado sobre a língua dos índios Kokama (também falantes de Tupi-Guarani, que vivem no Amazonas, no Peru e na Colômbia) e estava nos Estados Unidos em uma temporada de estudos quando a Funai me contatou. Eu disse: 'Grave uma fita deles falando, para eu conhecer mais'. Eu queria muito estudar índios amazônicos de recente contato", lembra a professora titular da UnB (Universidade de Brasília).
Foi assim que a linguista chegou à área dos Zo'é, um ano depois que a Funai passou a administrar o relacionamento da sociedade nacional com o grupo.
Os índios Kokama falam um Tupi-Guarani com muitas influências de outros povos e línguas. Quando Ana Suelly entrou em contato com os Zo'é, encontrou uma língua mais pura. "Quem conhece um Tupi-Guarani amazônico tem facilidade de aprender outras línguas do mesmo grupo."
Desde então, a professora produziu várias referências sobre a língua local, como o "Manual Linguístico de Apoio ao Atendimento de Saúde Junto ao Povo Zo'é" (2019), um dicionário ilustrado, escrito com o médico Erik Jennings para ajudar no atendimento de saúde aos Zo'é.
Palavra zo'é era usada para dizer a 'gente mesmo'
Ana Suelly Arruda Câmara Cabral
Professora titular do Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas e coordenadora do Laboratório de Línguas e Literatura Indígena da Universidade de Brasília.
A palavra Zo'é é a forma aportuguesada da expressão Jo'é (pronunciada dZo'é). Na língua Tupi-Guarani falada por eles, é resultado da combinação do nome jó, que quer dizer "gente", "humano", com a partícula enfática 'é, "mesmo", "verdadeiramente". O termo composto então quer dizer: "Gente mesmo".
O termo jó ocorre quando os falantes não especificam o possuidor de um nome, por exemplo em jóakáng (pronuncia-se dzóakáng), que quer dizer "cabeça de gente", ou o sujeito de um verbo intransitivo, como em jójahák (dzózahák), "(a) gente se banha".
Durante os primeiros anos do contato, nas situações que requeriam que os Zo'é se identificassem como coletivo em oposição a outros, passaram a usar com frequência a expressão Jo'é "(a) gente mesmo". Zo'é fixou-se, assim, como nome da etnia em oposição aos kirahí ("não indígenas"), aos kirahí síng ("japoneses"), aos kirahí býk ("não indígenas de pele escura"), assim por diante.
O morfema jo está presente em quatro línguas que compõem o sub-ramo 8 da família Tupi-Guarani junto com o Zo'é (a família Tupi-Guarani é uma das dez famílias que compõem o Tronco Tupi): na língua dos Wajãpi (Pará e Amapá), surge como nome com o significado de homem (em oposição a kwima'é, macho), como em jo-ké ( jó, homem + ke, plural = homens).
No idioma dos Emérillon (na Guiana Francesa) é um prefixo indeterminado, genérico e humano, traduzido como "a gente".
Para os Urubu-Ka'apor, johu é um pronome indefinido: todos, da combinação de jo (genérico e humano) com o sufixo hu (intensivo).
As quatro línguas compartilham, assim, uma forma jó, tendo em comum os significados "genérico, humano e plural". Sua origem mais remota é provavelmente um nome que significava "genérico e humano" existente no Proto-Tupi-Guarani, que se desenvolveu como prefixo que marca a voz reflexiva em línguas de outros sub-ramos.
Palavras como "homem'" podem se desenvolver com função pronominal em outras línguas, inclusive latinas. Embora o uso do pronome homem tenha praticamente desaparecido do Português, ainda hoje ocorre em falares como os nordestinos: "Ome, não faça isso!".
Confira obras para saber mais sobre a língua Zo'é
Manual Linguístico de Apoio ao Atendimento de Saúde Junto ao Povo Zo'é
Autores: Ana Suelly Arruda Câmara Cabral, Erik Jennings e Sueli Pinto Brito
(Universidade de Brasília, 2019)
Dictionnaire Wayampí
Autora: Françoise Grennand
(Peter Selaf, 1977).
Revendo a classificação interna da família Tupi-Guarani; Línguas Indígenas Brasileiras; Fonologia, Gramática e História, Atas do 1o Encontro Internacional do GTLI da Anpoll
Autores: Ana Suelly Arruda Câmara Cabral, Aryon D. Rodrigues
(Editora da UFPA, 2002)
Morfhosyntaxe de L'émérillon, una Langue Tupi-Guarani de Guyane Française
Autora: Françoise Rose
(Tese de doutorado, Universidade de Lumière, Lyon, França, 2003)
FSP, 29/08/2020, Caderno Especial Sebastião Salgado na Amazônia, p. 1-10.
https://arte.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/sebastiao-salgado/zoe/indigenas-se-refugiaram-em-regiao-de-dificil-acesso-com-montanhas-e-muralha-verde/
PIB:Amapá/Norte do Pará
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