Cinturão Verde Guarani já!
Projeto no Legislativo paulistano prevê fortalecer trabalho ambiental em aldeias
VÁRIOS AUTORES (nomes ao final do texto)
"Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie"
Walter Benjamin ('Teses sobre o Conceito de História', 1940)
A menos de uma semana do primeiro turno das eleições municipais, gostaríamos de chamar atenção para um projeto fundamental de autoria das comunidades indígenas que vivem na cidade de São Paulo. É o PL 181/2016, que propõe o fortalecimento do Cinturão Verde Guarani na capital paulista e que aguarda aprovação na Câmara Municipal, como noticiou Mônica Bergamo, colunista desta Folha, no último dia 2 de novembro.
São Paulo é uma das únicas metrópoles do mundo que abriga duas Terras Indígenas (TIs) em seu território. As comunidades que ocupam há séculos esses espaços defendem a criação de uma política municipal para apoiar e fortalecer o trabalho ambiental feito pelos guaranis nessas terras, reconhecendo-as como um bem público da cidade.
O povo guarani tem uma antiga relação com a cidade de São Paulo. Na época do bandeirantismo, foram mão de obra escrava das fazendas, participando fortemente do nascimento econômico paulista. Segundo o historiador John Monteiro, entre fins do século 16 e meados do século 17, ao menos 100 mil guaranis foram capturados para servirem de escravos em fazendas nos arredores de São Paulo. A cifra equivale à soma da população guarani no Brasil, no Paraguai e na Argentina nos dias de hoje. Ou seja, esse povo constituiu a mão de obra responsável pelo nascimento econômico desta que seria a maior cidade do continente.
Por muitos anos, o mundo dos brancos e os governos achavam que os indígenas iriam desaparecer: seriam aculturados, evangelizados, catequizados -que seus costumes indígenas desapareceriam. Mas, ao contrário disso, o modo indígena se fortaleceu, se ergueu e as comunidades guaranis em Parelheiros, na zona sul, e no Jaraguá, na zona norte, tiveram um crescimento populacional notável. Hoje, esses grupos protegem o pouco que resta da mata atlântica na cidade.
O modo de vida guarani opõe-se ao projeto extrativista hegemônico, que surge desde os bandeirantes, não apenas evitando a destruição do ambiente, como atuando em sua recuperação. As duas terras habitadas pelos guaranis em São Paulo garantem a perpetuação de seu modo de ser ao mesmo tempo em que ajudam na preservação ambiental, realizando contribuições ecossistêmicas para todos nós.
Essa ligação dos guaranis com este território pode ser vista no rico conhecimento do bioma mata atlântica, de seus seres e ciclos. A aldeia Kalipety, por exemplo, era uma plantação de eucalipto tocada por posseiros não indígenas e hoje, graças às roças guaranis, tem mais de 50 variedades de batata-doce e 11 de milho guarani, que são compartilhadas com outras aldeias país afora e com agricultores não indígenas.
Não é uma exceção: a maioria das aldeias indígenas em nossa cidade tem trabalhos de recuperação de nascentes d'água e do solo degradado com mudas nativas da mata atlântica. Com esse trabalho, os guaranis favorecem a diversidade genética de espécies importantes para a biodiversidade e a alimentação de todos nós. Além disso, as comunidades têm se disposto a ensinar esse modo de vida a outras pessoas, recebendo visitantes não indígenas em suas aldeias e promovendo ações educativas.
Com o projeto passou por unanimidade, em primeira votação, na Câmara Municipal, os guaranis avaliam que há grandes chances de ser aprovado definitivamente pelo Legislativo. Por esse motivo, é mais do que urgente um compromisso de sanção do atual prefeito, Bruno Covas (PSDB), e dos demais candidatos à prefeitura com esse projeto fundamental para a cidade e para esses territórios tão caros a nós, guaranis e jovens da cidade de São Paulo. Exigimos que haja essa perspectiva de futuro em nossos horizontes.
Nossa cidade tem que enfrentar esse passado de exploração brutal que marcou seu início e ir além de uma existência como monumento à barbárie. Acreditamos que um dos primeiros passos para superarmos essa condição é reconhecermos sua verdade e propor um futuro diferente. O debate e a proposta sobre o cinturão verde que o povo guarani convida a todos a fazer apontam nessa direção, para juntos construirmos uma cidade que se faz mais rica pela diversidade socioambiental que sabe cultivar e preservar.
Jera Guarani
Liderança da Terra Indígena Tenondé Porã, em São Paulo, e membro da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY)
Se Paz Suzuki, Gabriel Paollini Carvalheiro e Vitor Domingues Sallum
Estudantes do ensino médio do Colégio Equipe
* Os alunos do ensino médio do Colégio Equipe de São Paulo endossam este artigo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/11/cinturao-verde-guarani-ja.shtml
PIB:Sul
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