Ferramenta calcula impacto de garimpo

Valor Econômico, Brasil, p. A2 - 10/06/2021
Ferramenta calcula impacto de garimpo
Extração de um quilo de ouro por aluvião pode render perda de R$ 1,9 milhão

Por Daniela Chiaretti - De São Paulo

Um quilo de ouro extraído no meio da Amazônia por aluvião, o método mais comum do garimpo ilegal, que escava a beira de rios, provoca desmatamento, em média, de sete hectares. Causa erosão de 15 mil m3 de solo e perdas na pesca, água potável e uso recreativo dos rios com o assoreamento.

A contaminação por mercúrio afeta a água, o ar e o solo, os peixes e causa problemas de saúde nos garimpeiros, nas pessoas que comem os peixes, no desenvolvimento dos bebês de mães contaminadas. Somando tudo, os impactos seriam de R$ 936 milhões, em estimativa conservadora, ou de R$ 1,9 bilhão, considerando danos irreversíveis da exploração ilegal de um quilo de ouro na Amazônia.

Esses dados fazem parte da Calculadora de Impactos do Garimpo Ilegal de Ouro, ferramenta desenvolvida pelo Ministério Público Federal (MPF) com a organização não governamental Conservação Estratégica (CSF-Brasil).

A ferramenta, inédita, possibilita o cálculo dos danos socioambientais provocados pela extração ilegal de ouro na Amazônia. O instrumento permite muitas variantes e combinações - desde o método utilizado (aluvião, balsa ou poço), a quantidade de ouro extraída, o local da extração, o tamanho da área afetada e outros.

"A mineração de ouro vem crescendo nos últimos anos com o aumento do preço no mercado internacional", diz Pedro Gasparinetti, diretor da Conservação Estratégica (CSF-Brasil), organização que trabalha com desenho e avaliação de políticas públicas e valoração de serviços ecossistêmicos. "O garimpo avança nas unidades de conservação e terras indígenas, com impactos no ambiente e na saúde humana muitas vezes irreversíveis."

Seguindo no caso da extração de um quilo de ouro por aluvião, os custos de desmatamento, da recuperação e das perdas dos benefícios naturais durante 30 anos, que é o que leva para recuperar 80% dos serviços ecossistêmicos, são calculados em R$ 23,4 mil por hectare.

No caso do mercúrio, uma parte é reutilizada, mas 33% contaminam o ar e afetam a saúde dos garimpeiros, 8% vão para o solo e 13% escorrem para a água. Na natureza, o mercúrio se transforma em metilmercúrio que é absorvido por peixes que podem migrar entre 500 km a 3.000 km. "Calcula-se que 0,4% de todo o mercúrio utilizado no garimpo acaba sendo consumido por humanos, que comem peixes", diz Gasparinetti. "Parece pouco, mas o mercúrio é muito tóxico."

Entre 30% e 72% dos garimpeiros têm problemas neurológicos pela aspiração do mercúrio. Cerca de 50% de crianças que vão nascer de mães que consomem peixes contaminados podem ter redução de desenvolvimento. A população contaminada tem probabilidade maior de 69% e 30%, respectivamente, de ter infarto e hipertensão. O custo de remediação total do mercúrio, na extração de um quilo de ouro, é de R$ 542,7 mil.

Do preço de um quilo de ouro, hoje em dia estimado em R$ 500 mil, apenas 30% são o lucro do proprietário do garimpo e o impacto é duas vezes maior que a receita total bruta, diz Gasparinetti. "A intenção da calculadora é reduzir a arbitrariedade dos valores de indenização e trazer mais robustez aos processos."

Na apresentação, foram mostrados, como exercício, os casos do garimpo ilegal na Terra Indígena (TI) Yanomami.

Na TI Yanomami vivem 26 mil indígenas em 9,6 milhões de hectares. A terra foi invadida por mais de 20 mil garimpeiros. Segundo dados do Instituto Socioambiental (ISA), o desmatamento do garimpo em 2020 foi de 500 hectares em apenas um ano. Nesta área, a produção estimada de ouro é de 862 quilos com a liberação de 296 quilos de mercúrio, possivelmente ingerido por 44 mil pessoas.

"Com a calculadora teremos condições de definir de maneira mais precisa qual o dano", diz a procuradora Ana Carolina Bragança, procuradora da República do Amazonas. "É um instrumento muito útil para o MPF e a sociedade como um todo."

"É uma ferramenta paradigmática no combate ao garimpo ilegal da Amazônia", afirma Pablo Coutinho, secretário da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise da PGR.

Valor Econômico, 10/06/2021, Brasil, p. A2

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/06/10/ferramenta-calcula-impacto-de-garimpo.ghtml
Garimpo:Impacto Socioambiental

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