O ESG entre o fogo e o mercúrio

Valor Econômico, Prática ESG, p. H2 - 09/09/2022
O ESG entre o fogo e o mercúrio

Por Daniela Chiaretti

Trabalhar com temas socioambientais no Brasil de hoje é um exercício diário de escolha sobre qual crime se debruçar. Os incêndios no Sul do Pará e no Norte do Mato Grosso desenham sombras nos mapas dos satélites, nuvens de fumaça incomodam populações amazônicas e o que era verde vira cinzas. Vídeos circulam nas redes mostrando a dor de animais selvagens queimados.

A biodiversidade agoniza e a emissão de gases-estufa aumenta. Para quem enxerga só carbono na floresta, atenção: está se queimando dinheiro. Pela lei, é crime desde 26 de junho, data do decreto de Jair Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente Joaquim Leite, onde se diz que está proibido atear fogo em atividades agropastoris e florestas por 120 dias, mas ninguém parece se importar com isso. Não há quem puna, não se fiscaliza. Torce-se para que brigadistas apaguem os incêndios. Reza-se pela chuva.

Prejuízo ambiental com ouro ilegal é estimado em R$ 39 bi

As chamas correm sobre crime anterior, que foi desmatar muita Amazônia nos últimos meses, quase tudo ilegalmente. O fogo é usado para limpar o terreno do que sobrou de mato. Depois irão colocar gado. É assim que ocorre a apropriação da terra pública que o Estado brasileiro não foi capaz de destinar - ou seja, definir se aquela região seria território indígena, unidade de conservação, concessão florestal, área urbana ou teria outro fim coletivo e digno que não fosse acabar na mão de grileiros.

A carne pode ir parar em algum frigorífico com práticas ESG e departamentos de rastreabilidade preocupados em definir a origem do produto antes de vender a supermercados brasileiros e compradores internacionais. É uma equação difícil de fechar.

Migrando da terra para os rios amazônicos, outro desastre. O mercúrio lançado sem o menor cuidado nos garimpos ilegais de ouro na Terra Indígena Yanomami contaminou os peixes de Roraima. Quase não há consumo seguro do pescado, segundo pesquisas da Fiocruz, Instituto Evandro Chagas, Universidade Federal de Roraima e Instituto Socioambiental.

Estudo de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais com o Ministério Público Federal mostrou que das 158 toneladas de ouro produzidas no País entre janeiro de 2021 a junho de 2022, 30% são ilegais. Cruzaram dados públicos com programas sociais como Bolsa Família e Auxílio Brasil e encontraram 12 pessoas que recebiam este benefício e movimentaram mais de R$ 100 milhões em ouro no período. O estudo estima que o ouro comercializado no Brasil arrecadou R$ 700 milhões. O cálculo do prejuízo ambiental foi de R$ 39 bilhões.

O roubo de patrimônio público é escandaloso nos garimpos de ouro que abrem clareiras na floresta. Só cego não vê. Os donos de garimpo compram balsas, helicópteros, aviões e deslocam um contingente de miseráveis sem outra oportunidade a não ser inalar mercúrio e adoecer. São 40 mil garimpeiros no Pará, estima o governador Helder Barbalho. A exploração é quase toda ilegal.

Em encontro recente sobre mineração no Instituto Fernando Henrique Cardoso, Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas, mostrou que de 1985 a 2020 a área garimpada na Amazônia cresceu 10 vezes. Em 2020, 9,3% da área de garimpos estava dentro de terras indígenas. "Mineração em terra indígena é um drama, um trauma, uma maldição", disse o engenheiro florestal. "Mas se se quisesse resolver, os garimpos estão concentrados em apenas 11 das 500 TIs do País", seguiu.

O mercado começa a se mover para suprir a vergonhosa inércia estatal. Quinze joalherias têm se reunido com representantes da mineração legal para comprar deles, diretamente, o ouro que precisam. Há muito o que acertar, mas o pacto está em curso.

Daniela Chiaretti
E-mail:daniela.chiaretti@valor.com.br

Valor Econômico, 09/09/2022, Prática ESG, p. H2

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