Violência Contra Mulheres Indígenas: Iniciativa Busca Fortalecer Lideranças nos Territórios

Modefica - https://www.modefica.com.br/ - 24/10/2022
Violência Contra Mulheres Indígenas: Iniciativa Busca Fortalecer Lideranças nos Territórios

24 . out . 2022
Juliana Aguilera
Luana Fernandes

Movimento trabalha a partir do conhecimento da mulher indígena como sabedoria dos cuidados, territórios e corpos, para desenhar ações de prevenção em região de conflitos.
O que é violência para a mulher indígena? É isto que as mulheres indígenas Tembé Tenetehara, da TI Alto Rio Guamá, buscam mapear e debater entre si, em rodas de conversas, os diversos tipos de violência que atravessam os corpos e territórios indígenas. Temas como urgência climática, políticas públicas, racismo estrutural e institucional e violência contra as mulheres são focos de atuação da iniciativa. A partir da troca de experiências, as mulheres começaram a desenhar ações de prevenção às agressões físicas e simbólicas que são sofridas por todas, indiferente da idade.
Localizada entre os municípios de Nova Esperança do Piriá, Paragominas e Santa Luzia do Pará, a TI Alto Rio Guamá foi oficializada em 1945. Esse ano que também marca o início de uma longa trajetória de conflitos para os povos Awa Guajá, Ka'apor, Tembé. Residentes em uma área de 280 mil hectares, os indígenas convivem com madeireiros, fazendeiros, posseiros e grileiros. O Instituto Socioambiental ainda destaca um histórico recente de conflitos com a Equatorial Energia, que atende invasores da TI, um lixão instalado na área pela prefeitura, além de invasões, queimadas e mineração. A reserva indígena só foi homologada pelo Governo Federal em 1993 e a reintegração de terras roubadas nos anos 70 só aconteceu em 1996. No entanto, invasores seguem presentes na região.
O resultado destas invasões é sentido na destruição de mais de 30% da vegetação nativa da TI. Dados do Imazon apontam uma análise de imagens de satélite feitas de 1997 e 2018 sob a localidade e confirmam um total de 178,2 km² de floresta exploradas, sendo quase metade delas somente no biênio 2017/2018. Em dezembro de 2021, a TI estava entre as mais ameaçadas na Amazônia.
Violências contra mulheres indígenas
A violência debatida entre as mulheres indígenas neste espaço é transversal a diversos temas. Atualmente, parte dela é denunciada com maior destaque pela mídia, como invasão de território, estupro por garimpeiros, agressão física e feminicídio, mas existem outras que não são tão comentadas. "Elas passam tudo isso além do processo colonizador, que trouxe comportamentos muito equivocados para os seus pares", explica Janaina de Oliveira, consultora ambiental e indigenista da Fepipa (Federação dos Povos Indígenas do Pará).
O racismo institucional também é destacado pela especialista. "Às vezes uma mulher indígena chega numa delegacia de mulheres para denunciar uma violência e a escrivã fala 'a gente não pode registrar, porque a questão indígena é da Polícia Federal', relata, "aí, ela vai na Polícia Federal e eles dizem "não, isso é da família. Você tem que ir à Polícia Civil'. Então, o racismo estrutural também violenta mais uma vez as mulheres indígenas". Segundo o artigo Direito de viver sem violência: proteção e desafios dos direitos das mulheres indígenas no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, as mulheres indígenas estão em uma situação de hipervulnerabilidade, ou seja, uma vulnerabilidade "altamente exacerbada sob certas condições sociais e políticas", pois além de sofrerem como mulheres, sofrem também como indígenas.
Já a Comissão Interamericana de Direitos Humanos afirma que "a violência contra as mulheres indígenas é praticada por agentes estatais e não estatais, por indígenas e não indígenas, em diferentes ambientes". São elas: violência no contexto de conflito armado; violência no contexto de projetos de desenvolvimento, de investimento e de extração; violência relacionada com a militarização das terras indígenas; violência doméstica; violência no exercício dos direitos econômicos, sociais e culturais, violência contra líderes e defensoras indígenas e contra defensoras de direitos humanos, violência no meio urbano e durante processos migratórios e de deslocamento. Temáticas estas abordadas pelas mulheres Tembé, como no caso na violência contra o exercício dos direitos sociais.
Criando espaços seguros
Neste contexto, a criação de espaços seguros para combater a violência contra mulheres indígenas é fundamental. Em agosto, a (Fepipa, em conjunto com a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) e Unicef Brasil, com mediação da Caravana das Originárias da Terra, realizou um evento para debater as violências sofridas pelas mulheres indígenas - e sensibilizá-lasde suas potencialidades. Janaína explica que o grupo trabalha a partir do conhecimento das mulheres enquanto cuidadoras, potências, sabedoras de cuidados, dos territórios e dos seus corpos. "Os homens vão para frente de batalha, para Brasília, para a COP, e as mulheres ocupavam menos esses espaços", explica, "a gente tem que ir aos territórios para mostrar que elas ocupam sim lugares de poder. [Elas] não precisam estar nos [espaços] trazidos pela branquitude, elas já são esse poder".
Essa organização de mulheres faz parte de uma ainda maior, a Caravana das Originárias da Terra, que surgiu na primeira Marcha das Mulheres Indígenas, em 2019. O grupo é co-fundado por 62 mulheres indígenas, que se dividem em grupos de acordo com seus biomas. São mulheres sementes, que estão nas cidades e trabalham para fazer acolhimento a outras mulheres indígenas;as mulheres terra, que levam a Caravana para outros lugares; e as mulheres raízes, que são as mais velhas e se mantêm em seu território.
A violência contra as mulheres indígenas é praticada por agentes estatais e não estatais, por indígenas e não indígenas, em diferentes ambientes
Comissão Interamericana de Direitos Humanos
O projeto "Reflorestando Mentes para a Cura da Terra" e o "Aldeiar a Política" compõem esse grande projeto de transição planetária. "Esse que está posto não funciona mais, esse que nós mulheres defendemos e fazemos é o mais sustentável, mais agradável, traz o Bem Viver", relaciona Janaina. A especialista também destaca a importância das mulheres, o que é exaltado nas rodas de conversa, tendo em vista que elas fazem a roça, produzem os alimentos, mantêm a cultura através do artesanato, grafismo e conversam na sua língua com as crianças.
Outro ponto levantado por Janaina é que, dentro do movimento, não se fala mais em "mudanças climáticas" e sim em "emergência climática", pois "elas já estão acontecendo". A Caravana busca ir aos territórios ao invés de levar as lideranças à Brasília, por exemplo, pois assim todas entenderão que podem "reflorestar a cura da terra" a partir do seu próprio território.
A emergência climática é sentida pelas mulheres indígenas quando plantam e cuidam do alimento. "Elas percebem que o tamanho do peixe está menor, que a pimenta que ela usava não arde mais. Elas falam assim 'não é mais uma pimenta ardosa', então não tem as propriedades para tornar o alimento melhor", explica Janaina. A pimenta usada na culinária dos Tembé é utilizada para tirar a energia negativa ou para libertar a alma daquele animal para que não fizesse mal quando ela comesse.
A rama de macaxeira também está menor, ou algumas espécies não se encontram mais - as plantas medicinais, utilizadas para chás, banhos e pomadas, também diminuíram. O sol é muito quente, ao ponto dos indígenas fazerem uma cobertura de palha quando fazem manejo de algum animal. Essa cobertura também é necessária no caso de chuva intensa.
O modo de vida compartilhado e a atividade da escuta são pilares da sociedade indígena e ações centrais na inciativa. "Se a gente consegue fazer todo o processo de escuta ativa e movimento de Mea Culpa, contra o racismo, contra tudo de ruim que a gente fez - nós, povo brasileiro - talvez a gente consiga melhorar", expressa Janaina. A Fepipa, agora, trabalha na sistematização das informações ouvidas na roda de conversa para a criação de um relatório que deverá ser entregue à União.
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