Fuga de garimpeiros em terras Yanomami pode por em risco reservas indígenas no Pará, alertam especialistas

G1 - https://g1.globo.com/ - 09/02/2023
Fuga de garimpeiros em terras Yanomami pode por em risco reservas indígenas no Pará, alertam especialistas
Especialistas destacam que saída de garimpeiros de Roraima gera risco de aumento de malária e doenças sexualmente transmissíveis. Principais impactadas são as áreas dos Munduruku e Kayapós, terras preservadas mais atacadas pelo garimpo no Brasil.

Arthur Stabile
Poliana Casemiro
Taymã Carneiro
Valéria Oliveira

09/02/2023

A fuga de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami, em Roraima, tem potencial para agravar e pode colocar em risco a situação em terras indígenas no Pará, onde já há forte incidência de garimpo ilegal, afirmam especialistas. Entre os locais apontados como possíveis destinos estão as Terras Indígenas Sai Cinza, Munduruku e Kayapó. As duas últimas são as mais impactadas pela extração irregular em áreas de preservação.

Os garimpeiros que exploram minérios na Terra Indígena (TI) Yanomami fogem do território desde o início de ações do governo Lula (PT) para reprimir a atividade ilegal. Em 20 de janeiro, o Ministério da Saúde decretou emergência na TI. Na quarta-feira (8), uma força-tarefa do governo federal destruiu um avião, um trator de esteira e estruturas usadas na logística do garimpo.

A estimativa é que ao menos 20 mil garimpeiros estejam ilegalmente na Terra Indígena Yanomami. São pouco mais de 30 mil Yanomami na área que deveria, por lei, ser preservada. No entanto, a comunidade tem sofrido com o avanço do garimpo ilegal, que só em 2022 cresceu 54%.

Dados coletados pelo MapBiomas indicam que 9,3% de toda atividade de garimpo no país, em 2020, ocorreu dentro de áreas indígenas. As Terras Indígenas Kayapó e Munduruku, ambas no Pará, e a Yanomami, em Roraima, lideram o ranking.

Com Roraima no radar das autoridades e a Aeronáutica no controle do espaço aéreo, garimpeiros fogem de barco, arriscam voos e passam dias em caminhadas por terra para cidades no entorno. Eles seguem rumo a outros lugares conhecidos do garimpo. A 1,2 mil quilômetros da TI Yanomami fica a reserva Munduruku, a mais próxima dentro do Pará.

Antropóloga do Instituto Socioambiental (ISA), Luísa Molina atuou com TIs no Pará. Segundo ela, a maior presença de garimpeiros em um local já marcado por disputas agravará os conflitos pelas terras.

"No alto Tapajós, a TI Munduruku fica ligada a um município chamado Jacareacanga e ela ficou no segundo lugar como munícipio com maior índice de mortes violentas intencionais em 2022. São locais muito conflagrados, e o garimpo movimenta tudo: relações políticas, comerciais, familiares", afirma ao g1.

Para além das perseguições aos indígenas, Molina cita que o garimpo representa um espaço de circulação intensa de armas, em que há drogas, consumo intenso de álcool e inclui o aliciamento de indígenas, com exploração de trabalho e sexual.

"Tem todo um rol de problemas que acompanham a atividade e que precisam ser tratados de maneira sistêmica. A preocupação é com a intensificação desses impactos que já existem nesses locais", diz.

A preocupação é compartilhada por Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. O ambientalista avalia que a ação do governo federal em Roraima é pontual e não determina o fim do garimpo ilegal na região.

"Não vai acabar o garimpo só com uma determinação [do governo]. O que podemos ter é: parar por agora [o garimpo], e você pode ter a migração desse garimpo para outras áreas garimpeiras, como a Munduruku. O que vai tornar muito pior o que já está ruim", afirma.

No caso específico da Terra Indígena Munduruku, há uma diferença em relação à Terra Yanomami: há conflitos entre os próprios indígenas sobre a questão do garimpo. Parte entende que deve ajudar a extração como meio de sobrevivência, e outra defende impedir a atuação de garimpeiros.

De acordo com indígenas e pesquisadores, há registro de novos focos de destruição em municípios da região oeste do Pará desde setembro do ano passado, região em que ficam os Munduruku.

Em 2021, a Organização das Nações Unidas condenou ataques de garimpeiros realizados tanto contra o povo Yanomami quando Munduruku.

Garimpo e crise Yanomami

O avanço do garimpo ilegal resultou numa das piores crises sanitárias da história em três décadas de demarcação da Terra Yanomami, a maior reserva indígena do país. Crianças e adultos enfrentam casos severos de desnutrição e malária.

A invasão do garimpo predatório, além de impactar no aumento de doenças no território, causa violência, conflitos armados e devastação ao meio ambiente - com o aumento do desmatamento, poluição de rios devido ao uso do mercúrio, e prejuízos para a caça e a pesca, impactando nos recursos naturais essenciais à sobrevivência dos indígenas na floresta.

A falta de um plano que leve em conta o impacto da fuga de garimpeiros preocupa pelas consequências de saúde, como a proliferação de malária - um dos motivos para a emergência de saúde junto aos Yanomami.

"Pode ser que se tenha um contingente de pessoas que vai para essas áreas, gente que desista do garimpo, mas certamente não existe nenhuma política de recepção dessas pessoas", diz Astrini, ao se referir às cidades em torno do garimpo.

Sarah Shenker, ativista da ONG Survival International, considera dentro do esperado a saída dos garimpeiros invasores. O coletivo atua junto aos Yanomami em Roraima desde 1992, quando foi criada a Terra Indígena e houve a primeira expulsão de garimpeiros no local.

"Agora é o pior momento desde a demarcação de 1990. É necessário tirar todos os garimpeiros para que haja zero garimpeiros na Terra Yanomami. Não teve nada no nível de agora, com tantos garimpeiros chegando", afirma.

Ela destaca que os invasores possuem armamento pesado e alianças com o crime organizado. "Então, realmente, é um contexto muito violento."

Na terça-feira (7), a ministra dos Povo Indígenas, Sônia Guajajara, demonstrou preocupação com a disseminação de doenças com a saída dos garimpeiros ilegais da Terra Yanomami.

Há casos de garimpeiros contaminados por malária, DSTs e outras enfermidades. A preocupação é que, com a saída dos garimpeiros, doenças cheguem às cidades próximas ao território.

O risco de migração deflagrou ações tanto do Ministério Público de Roraima quanto do MPF do Pará. O primeiro informou ao g1 que cobrou das autoridades e do governo de Antonio Denarium (PP) mapeamento da situação e medidas para "mitigar impactos sociais da chegada em massa" de garimpeiros.

Já o Ministério Público Federal do Pará solicitou informações ao governo federal para verificar se houve aumento no tráfego irregular de aviões usados para o garimpo em reservas indígenas desde as ações em Roraima. O órgão aguarda resposta.

Procurado, o governo do Pará disse que "o sistema estadual de segurança está garantindo o monitoramento nas áreas estaduais" para averiguar "se há alguma movimentação ou fluxo de pessoas ligadas a garimpos ilegais saindo de Roraima para o Pará".

Caso o êxodo seja feito para as Terras Indígenas no Pará, a antropóloga Luísa Molina prevê a necessidade de ação similar à feita junto aos Yanomami, desta vez com os Munduruku.

"Precisa de um trabalho intenso de fiscalização no entorno e em pontos críticos, com forças policiais ali dentro para garantir que os garimpeiros não entrem. Que sejam retirados e não voltem. É o básico do básico. Não sabemos se o Estado vai ter condição de fazer isso como está ocorrendo na Terra Yanomami", diz.

Prefeitos amenizam risco

Prefeitos de cidades no entorno da Terra Indígena Yanomami dizem não ter identificado ainda aumento na demanda após a fuga de garimpeiros.

É o caso de Alto Alegre, cidade com parte do território dentro da reserva: "[Garimpeiros estão] só de passagem, não temos sentido nenhum impacto em nenhuma das áreas. Não tivemos que abrir posto de saúde, criar força tarefa. Até agora nenhuma demanda extra e, se surgir, vamos atender", afirma Pedro Henrique Machado (PSD), prefeito do município.

Prefeita de Mucajaí, Eronides Aparecida Gonçalves (PL), conhecida como Dona Nega, disse que se reuniu com o secretário municipal de saúde para traçar um plano de trabalho. "Mesmo com todas as dificuldades que enfrentamos na saúde do município por atrasos e débitos por parte do governo do estado, estaremos fazendo a nossa parte", afirmou.

Prefeito de Iracema, Jairo Ribeiro (MDB) afirmou ao g1 que o município ainda não percebeu nenhum impacto em relação à saída de garimpeiros. Realidade similar à encontrada em Caracaraí, segundo a prefeita Dianiery de Souza Coelho (Solidariedade), que diz estar "em alerta" para realizar ações de saúde caso necessário.

Em nota, a prefeitura de Amajari alegou ter "estrutura adequada para atender o possível aumento de demanda, voltada a procura por parte de garimpeiros", diz texto da gestão Núbia Costa Lima (MDB).

Ao g1, o governo de Roraima disse que está em tratativas com o governo federal para "construção de ações de assistência para os trabalhadores em garimpo". Uma das propostas é criar um auxílio para retirada da área Yanomami e a abertura do espaço aéreo por tempo indeterminado.

"Ainda [há] a discussão da possibilidade de criação de legislação que tratará da mineração em sistema de cooperativas de garimpeiros em áreas do Estado, fora de reservas indígenas e ambientais, de maneira ordenada e sob controle e fiscalização dos órgãos ambientais", afirma o governo de Antonio Denarium (PP).

https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2023/02/09/fuga-de-garimpeiros-em-terras-yanomami-poe-em-risco-reservas-indigenas-no-para-alertam-especialistas.ghtml
Mineração em Terras Indígenas

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