Levantamento do Conselho Indigenista Missionário mostra que foram 15 casos de desassistência na saúde de indígenas no Estado, em 2022; entenda
GABRIELA FERRAREZ, FLORIANÓPOLIS
31/07/2023 ÀS 05H30 - Atualizado Há 24 horas
Santa Catarina registrou 15 casos de falta de água potável, saneamento básico e assistência médica entre a população indígena, em 2022. As informações são do relatório "Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil", divulgado na quarta-feira (22) pelo Conselho Indigenista Missionário, organismo vinculado à CNBB (Conferência de Bispos do Brasil).
O relatório apontou ainda que, em todo o país, foram registrados 87 casos de desassistência na área de saúde no ano passado. Santa Catarina lidera o ranking, com 15 casos, seguido do Amazonas, com 14, e de Mato Grosso, com oito.
De acordo com o estudo, 11 dos 15 casos catarinenses são de famílias que vivem em terras indígenas e não têm acesso à água potável e nem água fornecida pela empresa de saneamento básico. Destas 11 famílias, nove não têm unidade básica de saúde na aldeia e três não recebem serviço de coleta seletiva de lixo.
É o caso do povo Kaingang na Aldeia Urbana Rã Jur, em Blumenau. Lá, de acordo com o levantamento, famílias precisam atravessar diariamente uma via expressa de grande movimento de veículos para buscar água em baldes, para as necessidades básicas.
Segundo o governo do Estado, Santa Catarina possui uma população de aproximadamente 16 mil indígenas em 52 aldeias localizadas nos municípios de Araquari, Balneário Barra do Sul, Garuva, Joinville, São Francisco do Sul, Biguaçu, Canelinha, Imaruí, Major Gercino, Palhoça, Abelardo Luz, Entre Rios, Porto União, Vitor Meirelles, Chapecó, Seara, Ipuaçu, Florianópolis e José Boiteux.
Em nota, a Secretaria de Estado da Assistência Social, Mulher e Família afirmou que monitora e acompanha a situação de todos os povos indígenas de Santa Catarina.
Além disso, a pasta "reconhece que historicamente os povos indígenas e outros povos tradicionais vêm sofrendo com violências e até mesmo racismo, mas o Governo do Estado trabalha no fortalecimento das políticas públicas para mudar essa realidade".
Terras indígenas sem água potável e saneamento básico em SC
Povo Guarani Mbya, na terra indígena Tarumã em Araquari
Povo Guarani Mbya, na terra indígena Tekohá e Yvy Moroty Wherá em Biguaçu
Povo Guarani Mbya, na terra indígena da Conquista em Balneário Barra do Sul
Povo Guarani Mbya, na terra indígena Yaká Porã em Garuva
Povo Guarani Mbya, na terra indígena Tekoha Dju Mirim em Biguaçu
Povo Guarani Mbya, na terra indígena Itanhaém no Morro da Palha, em Biguaçu
Povo Guarani Mbya, na terra indígena Tekoha Curi'y, Amaral e M'baroka em Biguaçu
Povo Guarani Mbya, na terra indígena Tawaí em Biguaçu
Povo Xokleng, na terra indígena Rio dos Pardos na Aldeia Kupli em Porto União
Povo Guarani Mbya, na terra indígena Tekoa Vy'a e Águas Claras em Major Gercino
Povo Kaiganga na Aldeia Urbana Rã Jur em Blumenau
Em nota, a Casan (Companhia Catarinense de Águas e Saneamento) alegou que as comunidades indígenas estão localizadas em áreas isoladas e que, em sua grande maioria, não há rede de abastecimento próxima.
Segundo a Companhia "nunca houve solicitação para abastecimento dessas localidades, a Casan precisaria levantar viabilidade técnica para fazer o fornecimento de água". A Companhia ainda informou que não opera nas cidades de Blumenau, Garuva e Porto União.
A Prefeitura de Garuva afirmou que a dificuldade em expandir a rede de água tratada na comunidade Yy Akã Porã existe em função da distância da da área urbana. Em nota, o município afirmou que "irá propor para a FUNAI a aprovação de um projeto de abastecimento de água para a comunidade e instalação de fossas filtros e sumidouros".
O município de Garuva ainda esclareceu que existe uma Unidade Básica de Saúde a menos de um quilômetro da comunidade que atende a comunidade indígena.
Segundo a prefeitura de Porto União, a Aldeia Kupli fica localizada no distrito de Santa Cruz do Timbó, região atendida pela Casan. Em nota, a administração afirmou que na área, que tem aproximadamente 500 alqueires de terra, residem duas famílias indígenas.
Conforme o município de Porto União, na localidade existem várias nascentes com água potável e que "os produtores rurais fazem a proteção das fontes e utilizam de água potável das nascentes em suas propriedades". Ainda segundo a nota, existe posto de saúde e transporte escolar, e acrescentou que a coleta de lixo para os moradores do distrito passa pelas estradas vicinais.
A prefeitura de Blumenau foi procurada pela reportagem do ND+ no domingo, mas só enviou uma posição nesta segunda-feira (31), por meio de nota. Ela informou que "tem se empenhado em oferecer atendimentos de assistência social, saúde e educação para a comunidade indígena que reside na cidade".
A prefeitura disse, ainda, que os indígenas "têm acesso a programas sociais que visam garantir sua integração na sociedade, ao mesmo tempo que valorizam sua cultura e tradições". A nota informa que há serviços médicos, cuidados de saúde e ações voltadas para as necessidades culturais desse grupo.
"Os indígenas que estavam na Rua Itajaí tinham acesso ao fornecimento de água após solicitação, e conforme a autorização da Justiça Federal. O Samae Blumenau não recebeu pedido de ligação de água na Via Expressa para a Povo Kaiganga da Aldeia Urbana Rã Jur", disse a prefeitura.
Criança indígena espancada aguardou 10 dias por leito de UTI, diz relatório
O levantamento apontou que um dos casos de desassistência na saúde foi o de uma criança indígena de 6 anos, que foi espancada na cidade de José Boiteux, no Alto Vale do Itajaí, e precisou esperar 10 dias para poder ser transferida para uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva), em estado de saúde gravíssimo.
O caso aconteceu em 22 de abril. Somente após intervenção do MPF (Ministério Público Federal), a vítima foi internada no Hospital Infantil de Joinville, em 1o de maio. O MPF afirmou que tentou resolver o caso sem recorrer aos meios judiciais, mas precisou acionar a Justiça Federal para obter o leito.
Corpo de indígena ficou 6h em cama de aldeia, aponta Cimi
O relatório também denunciou um caso de desassistência ocorrido com a mãe de uma liderança do povo Xokleng, da terra indígena Ibirama e La Klã, no município de José Boiteux.
A indígena morreu em casa e a família esperou por horas para o corpo ser retirado do imóvel.
"A minha mãe não teve assistência nenhuma de médico quando estava doente, porque nem médico temos no território. No dia que ela faleceu, era 9h da manhã. Ficamos esperando a funerária chegar para recolher o corpo e realizar a certidão de óbito, mas isso não aconteceu. O corpo dela ficou de 9h da manhã às 15h30 em cima de uma cama, sem amparo da Sesai [Secretaria de Saúde Indígena, órgão federal]", afirmou a liderança.
A indígena ainda relatou que foi preciso transportar o corpo da mãe em um carro particular para um município próximo e, assim, realizar a certidão de óbito junto a uma equipe médica.
Na época, o Conselho Estadual dos Povos Indígenas de Santa Catarina encaminhou carta ao MPF (Ministério Público Federal) denunciando a falta de médicos e serviço funerário.
Faltam profissionais e medicamentos
Em março de 2022, indígenas Xokleng fizeram um protesto em frente à sede do DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) de José Boiteux para denunciar a desassistência e a falta de condições básicas de saúde.
Na época, Loreni Priprá, que faz parte da Associação de Mulheres da comunidade, afirmou que faltavam medicamentos e atendimento médico de qualidade. Ela advertiu que até os carros de saúde seguem parados por falta de manutenção.
Já em agosto de 2022, os indígenas do povo Guarani Mbya, do Litoral Norte de Santa Catarina, reclamaram da falta de profissionais de saúde, de saneamento básico, de insumos e da falta de transporte para os hospitais.
Ao Cimi, uma liderança Mbya Guarani afirmou que mais de 10 aldeias foram afetadas pela falta de recursos. O povoado reclamou da falta de assistência médica, odontológica e também de combustível para que veículos da saúde chegassem até a aldeia. A falta de tradutores da língua portuguesa também foi um obstáculo no atendimento médico.
Estado quer qualificar atenção básica e especializada
Na última quinta-feira (20), representantes do DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena Interior Sul) se reuniram com a secretária de Estado da Saúde, Carmen Zanotto, para solicitar apoio à organização da rede de atendimento à atenção básica e especializada dos povos indígenas de Santa Catarina.
Durante o encontro, foi definida a criação de um grupo colegiado para organização das unidades de referência em atendimento à população indígena.
https://ndmais.com.br/saude/agua-saneamento-desassistencia-indigenas-sc/
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