Valor Econômico, Brasil, p. A6 - 07/11/2023
Diamante em terra indígena cria disputa no setor mineral
Empresas que exploram o entorno do território da etnia cinta-larga criticam STF por barrar atividades em áreas vizinhas
Por Marcos de Moura e Souza
- De São Paulo 07/11/2023
Há pouco mais de um mês, o ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), manteve uma decisão inédita para um problema antigo na região amazônica.
O problema é a extração ilegal de diamantes no interior da terra indígena Roosevelt, uma área de 231 mil hectares, entre Rondônia e Mato Grosso, habitada por índios da etnia cinta-larga.
Garimpos clandestinos fazem parte, de forma bem visível, da paisagem da terra Roosevelt desde o fim dos anos 90. Mas já nos anos 70 os diamantes dessa área atraíam invasores e aventureiros. Conflitos, mortes, lavagem de dinheiro, doenças e degradação ambiental estão no rastro da exploração ao longo de anos.
Sem regulamentação definida pelo Congresso, a exploração mineral em terras indígenas é proibida no Brasil. Mesmo assim, garimpos nessas áreas desafiam autoridades há anos.
Numa tentativa de apertar o cerco às irregularidades na terra Roosevelt, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região adotou uma fórmula nova: estabeleceu uma faixa de terra de 10 km de largura no entorno da terra indígena onde passou a ser proibida qualquer atividade de pesquisa mineral e também de lavra mineral. A decisão tinha se baseado no argumento do Ministério Público Federal de que alguns indivíduos e empresas que têm direitos minerários autorizados pela Agência Nacional de Mineração (ANM, ou pelo Departamento Nacional de Produção Mineral, seu antecessor) no entorno da terra indígena estariam usando suas autorizações para "esquentar" diamantes extraídos ilegalmente da terra Roosevelt.
Hoje, segundo a ANM, existem 46 processos minerários nessa faixa de 10 quilômetros em volta do território cinta-larga, vários deles referentes a diamantes e feitos em nome de pessoas físicas e de empresas de menor porte.
Em 2000, a lei federal 9.985 já havia criado uma figura semelhante: as chamadas de zonas de amortecimento. Mas no entorno apenas de unidades de conservação ambiental e não de terras indígenas.
Outro argumento foi usado na decisão do TRF. O impacto negativo que atividades minerárias legais no entorno pode provocar dentro da terra da terra indígena.
A ANM recorreu e a disputa foi parar na mesa do ministro Barroso. Em 26 de setembro (pouco antes de assumir a presidência do STF), o ministro negou o prosseguimento do recurso da ANM e manteve o voto do TRF.
Em um dos trechos de sua decisão, o ministro reproduz informações do processo que citam que "a vida dos contrabandistas tem sido facilitada ainda pela concessão de licenças de pesquisas minerais próximas às áreas indígenas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral, órgão do Ministério das Minas e Energia" e que "a presença de mineradoras nas áreas circunvizinhas às terras indígenas fomenta o contrabando e o crime organizado que atua contrariamente aos interesses indígenas".
A decisão de Barroso contra o recurso da ANM foi recebida com aplausos de um lado e com críticas de outro. Na sentença, ele frisou que se restringiu a avaliar a situação dos garimpos na área cinta-larga e que seu voto não representava uma regra geral.
No entanto, empresas do setor mineral veem um risco para seu negócio. E afirmam que a decisão do TRF, mantida por Barroso, abre a porta para que medidas semelhantes venham a ser requeridas e adotadas no entorno de outras terras indígenas pelo país.
Precedente pode se estender a outras terras indígenas e é muito preocupante"
"O precedente que é criado, e que pode se estender para outras terras indígenas, é muito preocupante, na medida em que a decisão acaba por atingir basicamente direitos minerários legalmente outorgados para os mineradores que possuem as devidas licenças e autorizações para sua atividade, e muito pouco faz contra as atividades ilegais de garimpo na região, estas sim que deveriam ser o foco das iniciativas dos órgãos públicos", afirmou por nota a direção da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral e Mineração (ABPM).
A ABPM tem 48 empresas associadas, entre elas a brasileira Nexa, a chilena Codelco, a britânica Hochschild, e a Yamana Gold (agora Pan American Silver, do Canadá). Nenhuma delas tem processos no entorno da terra dos cinta-larga, segundo dados da Agência Nacional de Mineração.
Segundo dados divulgados pela agência, alguns grandes grupos têm processos minerários (solicitações e autorizações de pesquisa e lavra mineral) em áreas a até 10 quilômetros de distância de outras terras indígenas - onde hoje não há restrição para a atividade minerária. Entre essas empresas, segundo a ANM, estão Vale, Anglo American, Belo Sun, Mosaic Fertilizantes, além de Codelco e a Nexa.
"Caso o precedente seja também aplicado para todas as terras indígenas do país, estamos falando numa vedação de atividade minerária em 16 milhões de hectares de área, afetando hoje 12 mil processos minerários legalmente outorgados e licenciados", afirma a ABPM.
"A ANM, obviamente, respeita, mas discorda da decisão, e pretende contribuir com a Procuradoria-Geral Federal (PGF), órgão vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU), na definição da estratégia processual mais adequada a ser adotada", afirmou a agência por meio de nota.
Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA), uma tradicional organização que atua na defesa dos direitos indígenas, diz que a decisão da Justiça é acertada porque os diamantes em Roosevelt configuram uma situação "completamente descontrolada" que exigia uma ação do Estado.
E ao contrário da associação do setor, Juliana considera que a STF mandou um sinal positivo. "É um precedente que poderá ser usado em outros casos", diz ela.
Valor Econômico, 07/11/2023, Brasil, p. A6
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/11/07/diamante-em-terra-indigena-cria-disputa-no-setor-mineral.ghtml
Mineração em Terras Indígenas
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