Mineração em terra indígena volta ao debate
Ministério da Defesa tenta regulamentar questão e debate tema no STF
Marcos de Moura e Souza
18/07/2024
No lugar de garimpos ilegais em terras indígenas, mineradoras que operam legalmente. Essa é ideia que há anos causa controvérsia e que reapareceu na pauta de integrantes do governo Lula, na agenda Supremo Tribunal Federal (STF) e em conversas no setor mineral.
A exploração em terras indígenas é atividade proibida no país, seja por garimpeiros que acessam camadas mais superficiais do solo, seja por mineradoras que atingem áreas mais profundas. Embora a Constituição preveja a possibilidade de exploração de recursos minerais nos territórios demarcados para indígenas, nesses 36 anos desde a promulgação da Carta o tema nunca foi regulamentado pelo Congresso. E, portanto, a atividade permanece vetada.
Desde o ano passado, no entanto, a ideia de regulamentar o parágrafo 3o. do artigo 231 passou a circular com mais intensidade no Ministério da Defesa.
O gatilho foi a crise vivida pelos yanomami, povo de recente contato e cujas terras se estendem por Roraima e Amazonas. A presença de garimpos de ouro, que veio à tona no início de 2023, espalhou doenças, contaminou rios e expôs principalmente idosos, mulheres e crianças da etnia a mortes e a um quadro de desnutrição e problemas de saúde.
O governo lançou uma ampla operação com o envio soldados do Exército, policiais federais, agentes do Ibama e de outros órgãos de para retirada dos invasores.
A pressão exercida pelos garimpeiros perdeu força, mas meses depois a movimentação ilegal estava de volta. Terras dos caiapó, dos munduruku (ambas no Pará) e dos cinta-larga (Rondônia) são algumas das que têm também um longo e conhecido histórico de presença destrutiva de garimpeiros de ouro (no caso dos caiapó e dos mundurucu) e de diamantes (cinta-larga).
No ministério da Defesa, segundo o Valor apurou, uma visão que tem sido repetida por alguns de seus integrantes é que há décadas o Estado brasileiro não tem se mostrado capaz de manter uma estrutura de segurança ampla e ininterrupta nas proximidades de terras indígenas para impedir o garimpo. O argumento usado é que seria mais eficaz permitir que empresas privadas de mineração se instalassem nas terras indígenas ricas em minérios e que fizessem a exploração de forma legal com partilha institucionalizada dos ganhos com os indígenas.
O ministério não deu detalhes sobre como o assunto está sendo discutido. Por meio de nota, disse "que apoiará as decisões de governo que venham a ser tomadas para por fim, de forma definitiva, às invasões de terras indígenas".
É um tema sensível que provoca divergências. Consultados pelo Valor sobre suas posições, Funai, Ministério da Justiça, Ministério do Meio Ambiente e Ministério das Minas e Energia não se manifestaram até o fechamento desta edição. O Ministério dos Povos Indígenas, criado pelo presidente Lula em 2023, no entanto, expôs em detalhes sua contrariedade à ideia da regulamentação do texto legal.
"Cogitar a regularização de mineração em Terras Indígenas atende apenas aos interesses da indústria da mineração e não da população brasileira como um todo, que necessita do meio ambiente preservado para ter qualidade de ar, dos solos e das águas para evitar mais eventos extremos que são consequências da crise climática fruto da ação indiscriminada do homem", disse por nota a assessoria da ministra Sonia Guajajara.
Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), reforça o argumento. "A extração de minerais tem fomentado muita violência", diz referindo-se aos garimpos ilegais. "Mesmo na sua legalidade, a atividade minerária traria diversos danos. O que nós precisamos neste momento é criar mecanismo de proteção das terras indígenas", diz. E acrescenta: "13% do território nacional é demarcado como terras indígenas. Por que o interesse em explorar essas áreas? A exploração não pode ser feita nos 87% do território nacional?" A solução, diz, não é garimpo nem mineração. "A solução é pensar em uma política de fiscalização permanente e de retirada desses garimpeiros."
Em março a polêmica chegou ao ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes. O partido Progressista deu entrada em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) que trata indiretamente do tema. Mendes convocou uma série de encontros que começam em agosto para tratar de questões que afetam os povos indígenas. Entre elas, garimpo e a eventual mineração em terras demarcadas. No início do mês, o ministro disse em entrevista à rádio BandNews FM que "é preciso ter algum tipo de regulação" caso contrário autoridades poderão continuar a "enxugar gelo", como no caso dos yanomami.
"Isso não está na nossa agenda", diz Raul Jungmann, presidente do Ibram, associação que congrega grandes mineradoras com operações no país. A entidade, no entanto, acompanha o assunto e Jungmann diz que se entidades indígenas estiverem dispostas a debater a regulamentação, "estaremos abertos para discutir, sempre respeitando o consentimento indígena, empoderamento, o respeito."
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/07/18/mineracao-em-terra-indigena-volta-ao-debate.ghtml
Mineração em Terras Indígenas
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