Governo Lula classifica seca e incêndios como crise e escala ministros para respostas emergenciais
Presidente levará ministros para o Amazonas; há preocupação com navegação de rios, falta de alimento, água e intoxicação por fumaça
Daniel Weterman e Anna Carolina Papp
09/09/2024
A seca, a onda de calor e os incêndios florestais que atingem várias regiões do Brasil levaram o governo federal a tratar a situação como crise. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) escalou ministros de todas as áreas para oferecer respostas emergenciais para os eventos, que queimam florestas, plantações, causam danos à saúde e provocam falta de distribuição de comida e água, podendo pressionar os preços.
Lula irá ao Amazonas, nesta terça-feira, 10, com uma comitiva de ministros para anunciar medidas aos Estados e municípios que decretaram emergência devido à estiagem. O presidente vai iniciar a agenda em Tefé, a 523 quilômetros de Manaus, visitando áreas atingidas pela seca às 10h40, e vai se reunir com prefeitos do Amazonas na capital do Estado, às 15h30, onde anuncia medidas de combate à seca.
O governo ainda não detalhou quais ações serão implementadas. Ministros discutem a realização de uma força-tarefa para combater o fogo, socorrer pessoas com problemas respiratórios e fornecer recursos emergenciais para os governos locais. O governo enviou uma missão humanitária da Força Nacional de Segurança Pública para combater incêndios florestais na faixa de fronteira com a Bolívia.
O ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, que acompanhará Lula na viagem, esteve no Pará, Amazonas e Rondônia nas últimas semanas e pediu que governadores e prefeitos agilizassem a elaboração de decretos emergenciais. Uma das maiores preocupações é com o fornecimento de água, alimentos e com a intoxicação de crianças e idosos em comunidades carentes e aldeias indígenas, muitas delas em locais isolados.
O ministro relatou que conversou com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, no dia 7 e que será feita uma força-tarefa na regiões atingidas. "É uma coisa nova. Está todo mundo chocado com essa situação", disse Wellington Dias ao Estadão. "A maior preocupação é com a segurança alimentar, como a gente acompanha para que não tenha alterações dos preços de alimentos."
A crise levou o preço dos alimentos a aumentar em algumas regiões, o que acendeu um alerta na pasta, responsável pela assistência social. Em regiões isoladas, a seca tem feito com que os rios que servem para a navegação fique sem água, dificultando o atendimento. "Em Rondônia, daqui a 30 dias não tem mais como levar assistência pelos rios porque em toda essa região vai voltar a chover em outubro e novembro. Então, daqui a até lá, tem uma desafiadora caminhada", relatou Dias.
Brasil enfrenta a maior seca das últimas sete décadas, com 58% do território nacional afetado
Desde o início do ano, 1.080 municípios brasileiros decretaram situação de emergência por conta da estiagem e da seca, de acordo com o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional. Além disso, 112 cidades estão com emergência reconhecida pelo governo federal em função de incêndios florestais.
A pasta afirmou ao Estadão que faz os reconhecimentos federais de situação de emergência ou estado de calamidade pública e, num segundo momento, em caso de apresentação e aprovação de planos de trabalho, realiza a liberação de recursos para os municípios afetados.
O Brasil enfrenta a maior seca das últimas sete décadas, segundo dados Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Em 2024, 58% do território nacional é afetado pela seca. Em cerca de um terço do País, o cenário é de seca severa. É a primeira vez que a estiagem afeta de forma intensa uma região tão ampla, da Amazônia até o Sul do Brasil, potencializando incêndios e levando à baixa recorde dos rios. A situação ainda tende a se agravar até novembro, conforme as previsões meteorológicas.
Em abril, o governo federal declarou estado de emergência ambiental, apontando risco de incêndios florestais até abril de 2025 em diversas regiões do País. "Segundo os pesquisadores, se continuar o mesmo fenômeno em relação ao Pantanal, o diagnóstico é de que poderemos perder o Pantanal até o final do século", afirmou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante audiência no Senado. Ela defendeu uma legislação permanente sobre emergência climática.
Além da seca e de incêndios na Amazônia e no Pantanal, há uma preocupação com uma nova fase de estiagem no Rio Grande do Sul, que foi passou recentemente por uma emergência climática devido às chuvas. A fumaça de queimadas se espalha pelo Brasil pode atingir outros países como o Uruguai e também a Argentina, misturando-se com as queimadas que já estão acontecendo por lá.
Seca impede embarcações de levar pessoas, comida e água para terras indígenas
No Rio Alto Solimões, no Amazonas, a seca tem impedido o transporte de pessoas, de alimento e de água para aldeias indígenas do Vale do Javari, a segunda maior terra indígena do Brasil e a que concentra o maior número de indígenas isoladas. No mês passado, um indígena da etnia Matis, de 29 anos, morreu após ser alvejado por um tiro durante uma caça na mata. O rio seco impediu que o barco o levasse para o socorro médico.
"Nossos rios e igarapés são estreitos, quando seca eles secam muito e ficam muito raso. Isso dificulta a entrada e a navegação das embarcações", afirma o coordenador da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Bushe Matis. "Estamos enfrentando a maior seca da Amazônia aqui na Terra Indígena Vale do Javari."
De acordo com o líder indígena, a situação impede o transporte de servidores da saúde, da educação e a navegação de famílias que precisam viajar entre a zona rural e a zona urbana para comprar alimentos e resolver questões burocráticas, como acesso a benefícios sociais. Segundo Matis, o governo não enviou cesta básica e produtos de higiene, como fez no ano passado. Além disso, o preço de alimentos subiu nos últimos dias, trazendo dificuldades econômicas para a população.
O Ministério do Meio Ambiente afirmou ao Estadão que os incêndios florestais no Brasil e em outros países da América do Sul, como Bolívia e Paraguai, "são intensificados pela mudança do clima, que causa estiagens prolongadas em biomas como o Pantanal e Amazônia, onde a seca é a pior em 40 anos."
A ministério informou ter 4,3 mil servidores do Ibama e do ICMBio na ativa, além de mais de 3 mil brigadistas em atuação neste ano, incluindo 1.468 na Amazônia Legal. "Em agosto, foi autorizada a contratação de mais brigadas temporárias em 20 estados. No Pantanal, 907 funcionários do governo federal atuam no combate aos incêndios, apoiados por 16 aeronaves e mais de 50 embarcações."
O Meio Ambiente disse ainda que atua desde o início do governo, em janeiro de 2023, na prevenção e no combate aos incêndios com a criação da Comissão Interministerial Permanente de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas e com o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), relançado no dia 5 de junho.
A Casa Civil afirmou que criou duas salas de situação em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente para coordenar a atuação do governo. Uma cuida das ações de combate aos incêndios florestais e a outra fica com as medidas envolvendo a seca e seus efeitos.
"As salas de situação coordenam tanto a proteção do meio ambiente e o enfrentamento da mudança do clima (mitigação e adaptação aos seus efeitos) quanto a assistência às populações atingidas por desmatamento e incêndios florestais provocados pelo homem e situações climáticas extremas", disse a pasta.
O órgão, que coordena as ações entre os ministérios, afirmou ainda que o presidente Lula liberou um recurso extraordinário de R$ 137 milhões para combate aos incêndios no Pantanal e sancionou a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo após acompanhar ações de combate em Corumbá (MS), em julho. Outras ações serão anunciadas nesta terça-feira, 10, durante a visita do presidente ao Amazonas.
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