Elos políticos na Amazônia mostram dificuldade de combater garimpo ilegal
Sucesso de candidatos envolvidos em violações de leis ambientais desafia autoridades em Brasília
29/09/2024
Reportagens do GLOBO na região de Itaituba (PA), uma espécie de capital do garimpo a 1.200 quilômetros de Belém, mostram o efeito perverso da mineração ilegal na política. Nas campanhas eleitorais, candidatos disputam os votos de quem considera a preservação do meio ambiente um empecilho a seu sustento. Quem é fiscalizado ou multado por algum organismo ambiental inclui a penalização em seu currículo de político. As eleições municipais nas áreas de garimpo têm uma importância adicional: no Pará, são as prefeituras que concedem autorização para explorar ouro, e não o estado como no resto do país.
A cidade de Novo Progresso ganhou o noticiário nacional no famigerado "dia do fogo", quando fazendeiros, em protesto contra a fiscalização, se reuniram para "limpar" um pasto com um incêndio florestal. O prefeito, Gelson Dill (MDB), acredita que sua eleição em 2020 se deveu, em parte, a uma multa de R$ 4 milhões recebida do ICMBio durante a campanha. Empresário madeireiro, Dill foi punido por desmatar 174,5 hectares. "Tomou multa do Ibama, já ganha voto", afirmou. Foi eleito, recorreu, venceu na contestação e agora tenta a reeleição.
Em São Félix do Xingu, cidade de 65,4 mil habitantes, a 985 quilômetros de Belém, o prefeito João Cleber (MDB), também candidato à reeleição, foi denunciado numa ação cível pelo Ministério Público Federal, no ano passado, sob a acusação de ter usado recursos públicos para reformar uma estrada clandestina dentro da Terra Indígena Apyterewa. Com isso deve ter ganhado votos. A mesma ação denuncia o diretor da Funai que avalizou a reforma da estrada dentro da reserva, sob o argumento de que há distritos e vilas na região. O MPF refutou e esclareceu que a tal estrada leva à fazenda de um dos invasores do território indígena.
Em Jacareacanga, com 24 mil habitantes, 1.640 quilômetros distante de Belém, a Prefeitura é disputada por duas candidaturas com a participação de indígenas mundurucus, cuja reserva cerca o município. Há divisões na etnia com relação à exploração de ouro, mas nenhum candidato defende a proibição. O atual prefeito, Sebastião Aurivaldo Pereira Silva (MDB), conhecido como Valdo do Posto, tem como vice Valmar Kabá, seu cabo eleitoral. Em 2022, Kabá foi condenado a quatro anos de prisão em regime semiaberto por ter liderado um protesto violento contra policiais federais que participavam de uma operação contra o garimpo ilegal na região. Foi preso, deixou o cargo por um período e tenta agora a reeleição.
É imperativo combater o garimpo ilegal, atividade que contribui para o desmatamento e contamina os rios com mercúrio. Mas as autoridades em Brasília precisam saber que nada é simples na Amazônia. Os garimpos estão ligados a uma cadeia de conexões políticas impenetrável para quem vive noutras regiões. O Estado brasileiro não parece preparado para enfrentar essa realidade.
https://oglobo.globo.com/opiniao/editorial/coluna/2024/09/elos-politicos-na-amazonia-mostram-dificuldade-de-combater-garimpo-ilegal.ghtml
Garimpo:Amazônia
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