Emergência em saúde na terra yanomami completa 2 anos sem dados de mortes e sem data para acabar

FSP - https://www1.folha.uol.com.br/ - 20/01/2025
Emergência em saúde na terra yanomami completa 2 anos sem dados de mortes e sem data para acabar
Governo Lula afirma que aumentou a busca por casos de malária e que há mais assistência a crianças desnutridas

19.jan.2025 às 23h15

Vinicius Sassine
Belém
As ações de emergência em saúde pública na terra yanomami, o maior e mais populoso território indígena do país, completam dois anos nesta segunda-feira (20) sem que o governo Lula (PT) apresente a evolução integral dos dados de mortes e de incidências de doenças após a maior presença de equipes de saúde na área.

Os yanomamis vivem uma crise humanitária causada pela explosão de invasões de garimpeiros no território durante o governo Jair Bolsonaro (PL), que estimulava a presença de invasores para a exploração ilegal de ouro.

No auge da crise, cerca de 20 mil garimpeiros permaneciam em diferentes pontos do território.

Diante dessa situação, com malária sem controle e desnutrição grave de crianças e idosos, o governo Lula declarou emergência em saúde pública no território em 20 de janeiro de 2023. No mês seguinte, teve início uma ação de desintrusão -de expulsão de invasores- em atendimento a uma determinação do STF (Supremo Tribunal Federal) que estava pendente.

O Ministério da Saúde afirma que não há data prevista para o encerramento da emergência. Profissionais que atuam no território dizem existir uma expectativa de que as ações se encerrem em 2025.

"O planejamento de transição será estruturado com foco na continuidade da assistência, fortalecimento a atenção primária e ampliação da infraestrutura de saúde no território", disse a pasta, em nota.

O primeiro ano das ações de emergência produziu resultados pouco satisfatórios. O garimpo refluiu e voltou por diversas vezes, com consequência à saúde dos indígenas, inclusive em áreas mais isoladas. A gestão federal mudou de estratégia, com a criação de uma casa de governo em Boa Vista para atuação junto ao povo yanomami.

Em 2023, conforme registros do Ministério da Saúde, houve 363 mortes de indígenas yanomamis, uma quantidade de notificações superior aos registros (343 mortes) em 2022, o último ano do governo Bolsonaro. Profissionais de saúde não comparam os dois anos em razão da subnotificação elevada na gestão passada.

Agora, o governo Lula não divulga os dados completos de 2024. Os números existentes se referem ao primeiro semestre do ano, quando houve notificação de 155 óbitos. A queda foi de 27% em relação ao primeiro semestre de 2023, quando o Ministério da Saúde registrou 213 mortes de yanomamis.

Segundo o governo, há uma razão técnica para a não divulgação dos dados referentes a todo o ano de 2024: ainda existem registros manuais, há necessidade de rechecagem de dados, há áreas de difícil acesso e são frequentes notificações com bastante atraso em relação aos óbitos.

Profissionais de saúde ouvidos pela Folha, com atuação no território, dizem que não há necessidade de tanta demora para a consolidação e apresentação de um dado de natureza pública. É possível sistematizar os dados e apresentá-los para efeito de comparação estatística, afirmam esses profissionais.

"Os dados de óbitos estão em fase de qualificação para assegurar sua precisão e confiabilidade", disse o Ministério da Saúde. "Os números totais de 2024, assim como as informações detalhadas por faixa etária e causas de óbitos, serão divulgados quando o processo de análise e validação for concluído."

A reportagem solicitou os dados de óbitos em todo o ano de 2024 ao Ministério da Saúde, à Presidência e à casa de governo, mas os números não foram fornecidos. Também não foram repassados dados sobre as causas das mortes e faixa etária e sobre incidência de malária em todo o ano passado.

Dois anos após a emergência em saúde pública, os números existentes apontam menos mortes por desnutrição e por malária, apesar da maior prospecção de casos em relação à última doença. Há mais busca ativa em aldeias e em áreas mais remotas, o que leva a um maior registro de casos. Mas, segundo o governo, morre-se menos por malária, hoje, na terra yanomami.

Na comparação entre semestres, o número de casos de malária saltou de 14.450 nos primeiros seis meses de 2023 para 18.310 no mesmo período de 2024, um aumento de 26,7%. O crescimento é atribuído à maior testagem, que chegou a 136 mil exames, um acréscimo de 73%.

Não há comparação aproximada com a realidade de outros territórios tradicionais no Brasil. Em nenhum outro lugar há tanta incidência de malária, uma doença que fragiliza o corpo, drena energia, impossibilita o trabalho na roça e danifica o fígado -severamente, em parte dos casos. São comuns malárias sucessivas, sem intervalos longos.

"O cenário de crise humanitária e desassistência sanitária também resultou em subnotificação de casos de malária", disse o Ministério da Saúde. "Com a retomada dos atendimentos e diagnósticos na região, os registros da doença aumentaram, evidenciando a subnotificação anterior."

Em balanço sobre os dois anos de emergência em saúde pública na terra yanomami, o governo federal afirma que sete polos de saúde foram reabertos no território e que todos os 37 polos existentes estão em funcionamento. As aldeias são atendidas por 1.759 profissionais de saúde, ante 690 no início de 2023, segundo a gestão Lula.

Há mais sistemas de abastecimento de água, vigilância nutricional, busca ativa por crianças desnutridas, distribuição de 114 mil cestas de alimentos até agora e aumento da vacinação, conforme o governo.

A Casai (Casa de Saúde Indígena) em Boa Vista foi reestruturada e abriga, hoje, a menor quantidade de pacientes -longe de suas aldeias, acessadas apenas por via aérea- desde o início da crise, segundo profissionais de saúde.

O governo liberou R$ 1,7 bilhão em créditos extraordinários e houve uma redução de 91% nas áreas já impactadas pelo garimpo de ouro, segundo os dados divulgados. Em dezembro, o garimpo ativo ocupava 313 hectares, ante 4.570 hectares em março, afirma o governo federal.

Entre os desafios no processo de combate à crise humanitária dos yanomamis, apontados por profissionais atuantes no território, está a necessidade de identificação e contenção de violência na área, inclusive entre grupos de indígenas, o que se intensificou em razão do desarranjo provocado pelo garimpo ilegal.

Há mais circulação de álcool e armas de fogo, e ainda uma dependência às cestas de alimentos, conforme os profissionais ouvidos pela reportagem.


https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2025/01/emergencia-em-saude-na-terra-yanomami-completa-2-anos-sem-dados-de-mortes-e-sem-data-para-acabar.shtml
PIB:Roraima/Mata

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