Funasa vai incentivar mães índias a levar filhos desnutridos ao médico
Paulo Yafusso e Rodrigo Vargas
Especial para O GLOBO
A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em Mato Grosso vai incentivar mães xavantes a levar filhos desnutridos para tratamento nos pólos de saúde indígena do estado, além de tentar mudar os hábitos culturais dos índios. As crianças sempre são as últimas a se alimentar, ficando com as sobras dos adultos. Desde janeiro, seis crianças morreram com sintomas de desnutrição em aldeias da etnia na região de Campinápolis, a 570 quilômetros de Cuiabá.
De acordo com o coordenador regional da Funasa, Jossy Soares, apenas a ação assistencial, como a entrega de cestas básicas nas aldeias, não garante que as crianças deixem de morrer por desnutrição.
Há uma questão cultural. O primeiro a se alimentar é sempre o pai, depois a mãe e, por último, os filhos, que ficam com as sobras explicou.
Para assegurar a recuperação, diz Soares, é preciso que as crianças sejam submetidas a tratamento clínico do quadro de desnutrição.
Nada garante que os alimentos da cesta básica chegarão às crianças. Vamos insistir para que as mães levem os filhos desnutridos ao médico.
O coordenador disse que, dos 40 xavantes internados, apenas cinco apresentam desnutrição.
Entrega de cestas em Dourados adiada para hoje
Em Mato Grosso do Sul, foi adiada para hoje a distribuição das 1.300 cestas básicas de alimentos para os índios da Reserva Indígena de Dourados, a 220 quilômetros de Campo Grande, onde seis crianças já morreram desnutridas este ano. As cestas serão entregues inicialmente para as famílias de 120 crianças com desnutrição grave, moderada ou em risco. Só depois é que serão atendidas as outras 457 famílias da reserva. A Funasa deverá acompanhar se os pais estão dando a alimentação corretamente. A Funasa entregará também a multimistura usada pela Pastoral da Criança.
Zelik Trajber
A culpa disso é da sociedade branca
Soraya Aggege
O pediatra Zelik Trajber, de 58 anos, há quatro anos trabalha com os guaranis-caiovás em Dourados, em Mato Grosso do Sul. Integrante da ONG Missão Kaiowá, diz que não adianta dar cesta básica com sardinha em lata a quem sempre comeu peixe fresco e perdeu os rios na expansão do plantio de soja.
Quais as dificuldades para levar a medicina às culturas indígenas?
Zelik Trajber: Depende muito da região, da etnia. É preciso que o médico faça uma convivência e aceite as comunidades. O médico, não o índio, precisa aceitar a diferença cultural. Não adianta chegar com sua sabedoria. Não há receita médica que sirva.
O caso dos guaranis-caiovás é específico?
Trajber: Em Mato Grosso do Sul eles enfrentam o maior conflito fundiário e a maior concentração humana do país, com 11 mil índios para três mil hectares de terras. É pouco espaço, com a expansão do agronegócio. A cada dia eles são mais expulsos.
O senhor tem tido dificuldades para prestar atendimentos e fazer internações?
Trajber: Antes era mais difícil. Hoje há poucos casos em que eles preferem os rezadores. Nós, médicos, fazemos parcerias com os rezadores. Eu trabalho com eles.
Em algumas tribos, os adultos têm o direito de comer mais do que as crianças?
Trajber: Não é verdade. Quem diz isto tenta jogar a culpa da tragédia indígena nos próprios indígenas. Quando têm o que comer, todos comem. Quando não têm, não comem. O que acontece é que os adultos comem alimentos que as crianças não usam, como mandioca dura. Falta-lhes lenha para cozinhar. A culpa disso é da sociedade branca.
As cestas básicas são bem aceitas?
Trajber: Elas vêm naquele padrão do governo. Não adianta dar sardinha em lata para quem comia peixe fresco. Não tem mais rio, não tem mais peixe. Fazer o quê? Ouvir os índios, entender o que é possível fazer. Ninguém procurou os índios para ouvi-los. É preciso olhar de frente para a realidade. Eles estão sendo massacrados. Não adianta a solução de cima para baixo, o paternalismo de sempre.
O Globo, 03/03/2005, p. 4
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