A Crítica, Cidades, p. C1 - 17/09/2006
Missões humanitárias camuflam catequização
Apesar de proibida no Brasil, a evangelização de povos indígenas isolados continua sendo praticada por missões religiosas. O Pretexto para nas terras indígenas é o de levar ajuda humanitária na área de saúde
Leandro Prazeres Da equipe de A Crítica
A União não tem controle sobre atividades das missões religiosas que, há décadas, atuam em .terras indígenas (TIs) no Amazonas. Camufladas como entidades filantrópicas, algumas dessas entidades, muitas estrangeiras, usam o pretexto dos trabalhos humanitários para enganar a fiscalização quase inexistente das autoridades brasileiras e por em pratica suas verdadeiras intenções: catequizar e evangelizar a população indígena.
Sucateada e considerada por especialistas como falida, a Fundação Nacional do índio (Funai), agência governamental de proteção à população indígena, parece fazer de conta que fiscaliza a atuação dás missões religiosas nas terras indígenas. Em novembro de 2005, a presidência do órgão solicitou que as administrações regionais fizessem um relatório completo sobre as atividades dessas entidades.
A intenção era boa, mas esbarrou na falta de estrutura do órgão. Sem fiscais nem dinheiro suficiente, o relatório terá que ser feito com base em informações dadas pelas próprias missões, o que levanta dúvidas sobre a veracidade dessas informações.
"Não temos como mandar um fiscal para cada área onde tem uma missão. Vamos ficará mercê das informações que as próprias missões mandarem, e é claro que elas não irão criticar a si próprias", admite o administrador regional da Funai em Manaus, Edgar Rodrigues.
Perigo
O presidente da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Jecinaldo Barbosa, disseque, mesmo contrariando a legislação brasileira, os missionários, brasileiros e estrangeiros, continuam tentando converter a população indígena. "Infelizmente eles continuam a fazer isso. É um grande problema enfrentado pelas nossas comunidades. Isso compromete a preservação das nossas culturas tradicionais", alerta Jecinaldo.
0 presidente da Ordem dos Ministros Evangélicos do Amazonas (Omeam), Sadi Caldas, admite que o principal interesse das missões religiosas que tem o apoio de sua instituição é o de evangelizar os índios.
Relatório
A Funai sabe que, há pelo menos três anos, entidades religiosas atuam em TIs do Amazonas. Em um relatório datado de 7 de outubro de 2003, enviado pela administração regional da entidade em Manaus ao Procurador da República Eduardo Barragem da Motta, órgão informa que pelo menos duas entidades realizavam o trabalho de catequização em áreas indígenas.
0 documento descreve a atuação da Sociedade Internacional de Lingüística (Sil) na TI Itixi Mitari, habitada pelos índios apurinã. De acordo com o relatório, os missionários estavam em fase final da tradução do Novo Testamento da Bíblia Sagrada para a língua dos apurinã. Na área Jarawara/Jamandi/Kanamanti, morada dos povo Jarawara, trechos da Bíblia já haviam sido traduzidos para a língua dos índios.
Destaque
O Decreto n. 3.156, De 27 De agosto, de 1999, que dispõe e regulamenta em que circunstâncias se dará a prestação de assistência aos povos indígenas determina "o reconhecimento da organização social e política, dos costumes, das línguas, das crenças e das tradições dos índios".
Comentário
Por Sydney Possuelo Sertanista
Contato prejudica indígenas
Sou contra a atuação de missões indígenas em tribos isoladas. A história da humanidade nos prova que os índios não ganharam nada depois do contato com o homem branco. Muito pelo contrário. A entrada de uma missão religiosa em uma terra indígena quebra o equilíbrio daquela sociedade. A Fundação Nacional do Índio tem a responsabilidade de observar e corrigir os erros da atuação dessas entidades religiosas.
Quando ela pede que elas mesmas façam uma avaliação sobre suas atividades, não dá para esperar que elas critiquem a si mesmo.
Vão dizer apenas o que lhes interessam.
Não tenho religião, e portanto, não quero defender nenhuma denominação, mas observo que os católicos, atualmente, não são tão enfáticos no que se refere à imposição da sua fé, ao contrário do que acontece com os evangélicos, que parecem convencidos de sua missão evangelizadora. A força desses missionários é tão grande, que em alguns casos, eles chegam a uma tribo isolada antes mesmo da Funai.
Índios Matis "na mira" de evangélicos
O desejo de evangelizar os povos considerados "não alcançados" pela "palavra de Cristo" move uma estrutura profissional de arrecadação de verbas e voluntários tanto no Brasil quanto no exterior.
Na Internet, o sito da Avante Missão Transcultural (www.missaoavante.org.br) coloca a catequização da etnia Mati, que habita o Vale do Javari, como uma das metas de suas missões.
Por telefone, á reportagem de A CRÍTICA conversou com o presidente da missão, Josué Martins. Ele afirmou que não há missionários de sua entidade nas terras dos Matis, mas destacou que já existem voluntários para esse projeto. "Temos algumas pessoas interessadas em empreender essa grande missão, que é a de levar o evangelho a esses índios quase isolados", diz Josué.
Ele afirma que a necessidade de obter uma autorização da Funai para entrar na terra dos Matis pode ser contornada. "Além de evangelizar, prestamos o apoio humanitário, como saúde e educação", afirma o presidente da missão.
0 presidente da Coiab, Jecinaldo Barbosa, diz que já recebeu denúncias de entidades do Vale do Javari que reclamam de instituições que se "disfarçariam" de ONGs voltadas para a saúde indígena que têm o verdadeiro intuito de evangelizar.
Ausência do Estado gera intervenções
Mesmo levantado polêmicas, a atuação das missões religiosas em terras indígenas (TIs) leva a um único consenso: elas estão ganhando terreno diante do vácuo do Estado brasileiro.
Jecinaldo Barbosa afirma que a maioria dos religiosos chega a uma TI oferecendo assistência em saúde e educação. "0 Estado não está sendo competente em sua missão constitucional. Ao oferecerem isso a uma comunidade, ela passa a ser bem quista pela população indígena, ainda que sob a pena de ter que ser catequizado", diz Jecinaldo.
Sydney Possuelo compartilha do mesmo ponto de vista do líder indígena. "Se o Estado não cumpre sua função, alguém assume o seu lugar", acredita o sertanista.
A Falta de controle da União e a ausência do poder público junto às populações indígenas da Amazônia permite a "invasão" dessas culturas nativas por missões estrangeiras.
A Crítica, 17/09/2006, Cidades, p. C1
Índios:Pastoral Indigenista
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- TI Jarawara/Jamamadi/Kanamanti
- TI Itixi Mitari
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