OESP, Nacional, p. A22 - 11/11/2006
Índios invadem fazenda da Igreja
Ocupação, a primeira em SP em área do clero, ocorreu dia 1o de maio, mas monges mantiveram sigilo
José Maria Tomazela
Um grupo de 85 índios guaranis invadiu a fazenda dos monges cistercienses em Itaporanga, no sudoeste paulista, a 350 km de São Paulo, alegando que as terras são de seus antepassados. Com 1.161 hectares, a fazenda é a maior propriedade da Igreja Católica no Estado. A invasão ocorreu em 1o de maio deste ano, mas os monges a mantiveram em sigilo.
Os índios continuam alojados na área e ocupam o Mosteiro Cisterciense, conhecido como Mosteirinho, usado para retiros espirituais e outras atividades religiosas. A invasão não foi comunicada oficialmente à polícia e a Associação Brasileira Cisterciense, que representa juridicamente a ordem, não entrou com ação de reintegração de posse, a medida jurídica cabível nesses casos.
A desocupação vem sendo negociada de forma discreta com a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Procuradoria da República, regional de Ourinhos. É a primeira vez, pelo menos em São Paulo, que as terras da Igreja são reivindicadas por grupos sociais normalmente apoiados pelo clero.
Os guaranis saíram da Aldeia Tereguá, em Avaí, na região de Bauru. 'Para resgatar as terras de nossos avós', disse o segundo cacique Valdir Rocha Marcolino. Na aldeia, afirmou ele, não havia mais espaço para todas as famílias. Os grupos familiares foram distribuídos nos alojamentos usados pelos monges. O Mosteirinho é uma segunda base dos cistercienses no município. O mosteiro principal, uma construção imensa, de tijolo à vista, fica na região central da cidade.
A índia Maria Rocha, uma das líderes da tribo, conta que as famílias estão mantendo tudo em ordem, inclusive a capela. 'A gente sabe que isso custou dinheiro e não quer estragar nada. Queremos só o que é nosso direito.' Um grupo pretendia plantar nas terras, mas o cacique Darã Marcolino não permitiu. Orientado pela Funai, ele não quer mexer ainda nas terras dos padres. 'Temos de esperar o estudo antropológico.'
Os monges de Itaporanga, procurados pela reportagem, não quiseram falar sobre o caso. O Estado apurou que a fazenda gera recursos para a manutenção do mosteiro, que tem 26 monges. Parte da área é usada para pecuária de corte, o restante arrendado para produtores de cana-de-açúcar, milho, soja e feijão. A renda sustenta também projetos sociais da paróquia. Com a invasão, o gado teve de ser remanejado e o arrendamento ficou comprometido.
O Mosteirinho ocupado pelos índios é considerado o 'coração' espiritual de Itaporanga, disse o prefeito Hernani Camargo (PHS). Segundo ele, os monges avaliaram que o simples despejo dos índios seria um ato desumano e incompatível com os fundamentos da Ordem e os preceitos cristãos. 'A proposta é transferir os índios para outro local, enquanto se discute a questão da terra.'
O administrador regional da Funai, Nilton Machado Bueno, disse que há documentos sobre a existência de terras indígenas na região, por isso será realizado um estudo antropológico preliminar. 'Estamos dependendo de mão-de-obra para iniciar.'
OESP, 11/11/2006, Nacional, p. A22
PIB:Sul
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