COMO MATAR UM POVO: Genocídio Guarani

Cimi Regional-MS - 03/07/2007
"A subnutrição, a violência e os excessivos números de suicídios que tem ocorrido nessas comunidades, guetos promíscuos de habitantes sem perspectivas são as conseqüências da ineficácia das ações político-burocrática-assistenciais dos órgãos que os tutelam".
(Francisco Antonio Maia da Cunha, Empresário - Correio do Estado (MS), 27/06/07)


O mês de junho tem sido de extrema violência em comunidades Kaiowá Guarani, especialmente nos confinamentos do início do século passado, como Dourados, Amambai, Porto Lindo, Tey Kue... Foram registrados na imprensa em torno de meia dúzia de suicídios, meia dúzia de assassinatos, meia dúzia de mortes de crianças por subnutrição... Nas manchetes, matérias, fotos da mídia escrita e eletrônica do Mato Grosso do Sul, desfilaram os horrores dessa violência, que se teme chegue a nível de banalização.

Enquanto isso declarações como a do empresário acima citado, ao se referir às aldeias de Dourados os classifica de "guetos promíscuos de habitantes sem perspectivas", fazendo coro a declarações racistas e etnocidas de políticos e governantes dos tempos da ditadura militar.

Por ironia da história, num final de dia de junho, quando chegava próximo à aldeia de Dourados uma cena, uma cena chocante: inúmeras máquinas, caminhões e trabalhadores, provavelmente indígenas, plantando cana, até a divisa da Terra Indígena Dourados. É o cerco da cana fechando terras e horizontes para os povos indígenas Kaiowá Guarani. A voracidade das 60 usinas de álcool previstas ou sendo construídas na região é assustador. Estamos alimentando o dragão que ameaça devorar a todos.

A dura batalha

A situação dos Kaiowá Guarani, juntamente com outras do país, gerou alguma indignação e provocou algumas medidas imediatas. A Câmara dos Deputados criou uma Comissão para visitar essas terras indígenas para ver e sentir de perto a realidade. Ao mesmo tempo foi criada uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar a vergonhosa situação, particularmente na questão da saúde e desnutrição. Ao mesmo tempo o novo presidente da Funai esteve na região, esteve na Aty Guasu em Jatawari (Lima Campo) e se comprometeu em enfrentar as causas dessa situação de morte e violência, que é a questão da falta da terra.

Está em curso um levantamento dos índios presos no Mato Grosso do Sul. Possivelmente teremos uma grande surpresa ao ver centenas de indígenas nas prisões do Estado, e principalmente ao verificar as causas, condições, situação de abandono, falta de acompanhamento jurídico... Como tem afirmado o assessor jurídico do Cimi, a tendência é de extrema gravidade, pois para cada assassinato se tem, em média, três ou quatro índios presos.

A Funai voltou a reativar a "Operação Sucuri", com a presença mais efetiva da polícia em algumas áreas, especialmente Dourados. Inaugurou a nova sede em Dourados, criando a Administração Regional do Cone Sul. Mas será que tudo isso virá complementado por efetivas ações de enfrentamento das causas dessa calamitosa situação?

Neste mês de julho, possivelmente teremos a presença de várias comissões, delegações, grupos que estarão visitando as áreas Guarani para se inteirar da realidade. Mas será que efetivamente se chegará a admitir as reais intenções e causas dessa realidade? Será que se buscará entender a gravidade presente no processo produtivo e fundiário implantado, e que agora certamente será agravado com o favorecimento ao agronegócio pelo atual o governo do estado e estimulado pelo PAC (Programa de Aceleração de Crescimento)? Conforme declarações do empresário Dal Lago para os indígenas, o paraíso está próximo ou mais próximo: "Temos uma topografia privilegiada, clima excelente. Terra da melhor qualidade e uma mão de obra perfeita para a indústria canavieira que são os trabalhadores indígenas" (O Progresso, 19/06/07 pág. 5). Mas será que se terá coragem de ver o desastroso impacto que esse trabalho tem sobre a saúde das pessoas e sobre as comunidades?

Pequenas e importantes vitórias

Antes que o mês de junho terminasse, quando a lua cheia iluminava as noites escuras, um grupo de quase 300 pessoas, comemorava, finalmente, com o retorno à sua terra já totalmente regularizada há anos. Os Kaiowá de Sucuri’y, próximo à cidade de Maracaju, finalmente puderam ocupar os 535 hectares que lhe foram assegurados por lei. Enquanto isso a quase totalidade dos processos de regularização de mais de 20 terras indígenas desse povo se encontram paralisados por ações judiciais. Só uma decisão política de regularização dos territórios Guarani e Terena com um cronograma, recursos humanos e financeiros, poderá começar a diminuir o nível de conflito e violência na região.

É claro que a recuperação da terra é um passo apenas do grande desafio de reconstruir sua economia, sua segurança alimentar, sua organização social, sua autonomia e auto-estima. É, sem dúvida, um passo fundamental, mas certamente serão necessárias políticas públicas eficazes e urgentes para que os Kaiowá de Sucuri’y possam reconstruir sua vida e viver em paz e felizes.

Um povo do futuro

Apesar desse quadro de uma guerra silenciosa de genocídio, os Kaiowá Guarani têm demonstrado que são raízes profundas, sua cultura milenar, sua resistência e sabedoria. O espírito de seus guerreiros, sua visão de mundo, valores e seus deuses os ajudarão a atravessar esse momento difícil, para chegarem ao futuro, a terra com menos males, e um lugar de respeito e paz para seu povo. Isso apesar de alguns, especialmente das elites dominantes, do agronegócio voraz, não esconderem seu desejo de que os índios não mais existissem e muito menos estivessem no futuro do Mato Grosso do Sul e do Brasil. É o que se pode constatar em afirmações recentes de um empresário, ao se referir aos índios da Terra Indígena de Dourados: "Nesta área, subutilizada, vivem hoje 12.000 e se nada for feito, serão, amanhã, 24.000 conterrâneos sul-mato-grossenses, que de índio, só têm o fisionômico aspecto" (Francisco A. Maia da Cunha).

Não é suficiente ficar indignado com essa situação. É uma responsabilidade de todos sermos solidários com o povo Kaiowá Guarani e exigir medidas imediatas e eficazes. Deve ser um grito do povo brasileiro e de todas as pessoas no mundo inteiro, que não se conformam com a violência, com os massacres, as guerras, a exclusão, a fome, as crescentes desigualdades sociais, a destruição da vida no planeta.

Porém, de nada adiantará constituir Comissões Parlamentares, comissões de alto nível, forças-tarefas e outras iniciativas em curso, se não houver efetivamente uma decisão política do governo federal de cumprir sua obrigação constitucional de demarcar e garantir as terras indígenas.

Os Kaiowá Guarani, como povo heróico, certamente irá superar esse difícil momento por que passa, contando com batalhões de amigos e aliados no Brasil e no mundo.

PIB:Mato Grosso do Sul

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