Em busca do ouro

Correio Braziliense, Caderno Especial (Brasília - DF) - 07/07/2002
Grandes empresas estão de olho nas reservas localizadas em terras indígenas. Projeto em tramitação no Congresso quer regularizar a exploração, mas recebe críticas por não prever relatório de impacto ambiental nessas áreas


A preocupação dos ambientalistas é que a exploração mineral em áreas indígenas transforme as reservas em locais de degradação, como ocorreu nos garimpos clandestinos no Amapá



Os índios da Amazônia caminham sobre ouro, diamantes, alumínio e dezenas de outros minérios. Riqueza que está na mira das empresas mineradoras, impedidas de explorarem as reservas por falta de lei que regulamente a atividade em áreas indígenas. São 7.203 pedidos de pesquisa geológica feitos nas duas últimas décadas ao Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM), que incidem em 126 territórios de índios na região. E que poderão ser liberados com a aprovação do projeto de lei 1.610, em tramitação na Comissão de Defesa do Meio Ambiente e Minorias. O projeto ameaça as aldeias de devastação.

Mas, para os empresários, as expectativas são boas. Especialmente por causa do aquecimento dos preços do ouro no mercado internacional, conseqüência da crise econômica norte-americana causada pelo ataque terrorista ao World Trade Center. Também por detalhes políticos nacionais favoráveis: primeiro porque o projeto é de autoria do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PSDB-RR). Depois porque a demissão do ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai, Glênio Alvarez, demonstrou a posição do Executivo. Ao exonerá-lo, o ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior, deixou evidente que o motivo foi a resistência de Alvarez e de sua equipe em relação à aprovação do projeto 1.610.

A mineração em terras indígenas é prevista na Constituição Federal. Mas isso não significa abrir a porteira para a devastação e o comércio descontrolado. A Constituição determina que ''são reconhecidos aos índios sua organização social, línguas, crenças, tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens''. A lei permite a mineração, mas impõe limites de proteção às comunidades e ao meio ambiente.

O projeto 1.610 - que regulamenta a Constituição - privilegia o mercado e é omisso em relação ao índios e à natureza. Começa por não exigir o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), que é a identificação de todos os problemas que podem ser causados pelas pesquisas e exploração de minérios. E também é omisso por nada impor a respeito de limites dos territórios a serem explorados.

Áreas cobiçadas
Se o projeto for aprovado, como ficarão, por exemplo, os juruna de Altamira (PA)? Eles vivem em 4.348 hectares da área Paquiçamba, onde são tantos os pedidos de pesquisa no DNPM que cobrem 100% do território. Levantamento feito pela organização não-governamental Instituto Socioambiental mostra também que empresários estão de olho em 99,79% da área Tapirapé, em Mato Grosso. E 99,59% da área Roosevelt, dos índios cinta larga, em Rondônia, onde garimpeiros exploram diamantes irregularmente.

Os pedidos ao DNPM são feitos com base em imagens de satélite e por aviões que retratam o ambiente geológico: afloramentos de rocha que indicam os tipos de minério prováveis em cada região. São dois tipos de pedidos, para pesquisa (avaliar se realmente existe a reserva mineral) e para exploração (quando já se sabe que existe). São cerca de 70 empresas interessadas em mais de duas dezenas de tipos de minérios nas áreas indígenas.

A simples pesquisa é um desastre, se não forem tomados cuidados. São abertas estradas, feitas derrubadas de floresta e abertos poços. Entre a retirada das primeiras amostras do solo e das rochas até o momento da cubagem, que é o cálculo da reserva mineral existente no local, o mínimo de tempo gasto é de dois anos. Uma mina é aberta depois de dez anos.

Tem de alta
Romero Jucá justifica a pressa dos empresários. ''O minério que tem valor hoje poderá não ter mais valor amanhã.'' Matematicamente, ele tem razão. O mercado é muito sensível. O ouro, por exemplo: a onça troy (medida de valor de 31,103 gramas) em anos dourados chegou a quase US$ 800 e foi ao fundo do poço chegando a US$ 230. Hoje se recupera, perto dos US$ 311. É o jogo financeiro. Em épocas de preços baixos desaparecem das ruas os homens-sanduíche, termômetro do mercado - aqueles que compram jóias e dentes, usando cartazes na frente e nas costas.

Sobre os limites de exploração, Romero Jucá aposta no bom senso dos empresários. Acredita que é dispensável determinar limites na lei que vai regulamentar a atividade porque isso poderá ser feito depois. Os limites podem ser discutidos com os índios e as soluções virão de acordo com cada caso. Jucá também não acha tão importante que os índios precisem de tanta terra para viver. ''Essa história de que ianomami migra é conversa mole'', diz ele.

Na prática, no meio do mato, na hora em que ouro e diamante exercem o fascínio da riqueza sobre os homens, não tem acordo sobre limites de exploração. Vale o mais forte. Por isso a necessidade da lei ser explícita. Uma fonte da Funai diz que a simples demissão de Glênio Alvarez provocou maior tensão sobre as áreas indígenas. ''A pressão dos garimpeiros em áreas de garimpo irregular cresceu, como se a demissão do presidente fosse um sinal de que a mineração será liberada.''

O coordenador do Conselho Indígena de Roraima, Jacir de Souza, atesta. ''Estão chegando maquinário e combustível. E tem muita gente passando por dentro de nossas terras'', diz ele. ''Estamos tentando demarcar a área Raposa Serra do Sol (dos macuxi) e isso vai atrapalhar. Estou com muita raiva.'' A mesma fonte da Funai revela que há indícios de que 1.500 garimpeiros estejam trabalhando na área ianomami.

A continuação da reportagem está no documento em anexo.
Mineração em Terras Indígenas

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