Rotas alternativas para o litoral reúnem bilhete único, índios, balsas e trilha

UOL notícias - 30/01/2008
Que tal trocar as sete horas de congestionamento pré-Carnaval na Imigrantes ou Anchieta por oito horas em uma trilha na mata saindo do município de São Paulo e chegando em Itanhaém? Ou no lugar de pagar R$ 15,40 para o pedágio das concessionárias das rodovias desembolsar a mesma quantia para um índio que te guiará na descida da Serra do Mar?

Ir para o litoral tem várias rotas. A mais alternativa pode ser feita com um bilhete único e pegando uma trilha indígena. Para tanto, esqueça os restaurantes de beira de estrada com catracas, frangos assados e megabanheiros espelhados. O último lugar para fazer uma boquinha é a venda de dona Helena, em frente ao ponto final do ônibus Terminal Parelheiros-Barragem (confira o caminho dentro da cidade para chegar até lá no vídeo abaixo).
Motorista e cobrador jogam baralho na frente. Lavradores tentam a sorte nos banidos caça-níqueis, enquanto guardas ambientais bebem uma cerveja. E dona Helena vende desde suspiro cor-de-rosa até pinga com erva doce. "Para ir para a praia por aqui é enfrentar a terra até o acesso para a Imigrantes no quilômetro 37. Antes, podíamos sair depois do pedágio, mas de um ano pra cá precisa, voltar um trecho e pagarmos para seguir para Santos", responde, atrás do balcão, ao ser questionada sobre o caminho de lá para o mar, ignorando a trilha pela mata.

Bem que há gente que queria asfaltar a trilha. A construção de uma estrada ligando a região de Parelheiros à costa é cavalo de batalha de prefeitos das litorâneas Itanhaém e Peruíbe, já foi uma das promessas de Paulo Maluf e de Mário Covas e foi repassada pelo governador José Serra para a iniciativa privada, mas o projeto esbarra tanto no alto custo (calculado em R$ 1,5 bilhão) quanto no impacto ecológico em um importante trecho da mata atlântica e em uma área de mananciais que é responsável por 30% da água da metrópole.

Até a idéia de um porto no litoral sul para concorrer com o de Santos foi levantada para tirar a rodovia do papel. Mas, por enquanto, para sair desse cenário rural e molhar os pés na água salgada, só com um guia guarani. A jornada, porém, começa bem antes. Para quem vai de ônibus o trajeto é um pinga-pinga de terminais que pode, saindo do centro, passar pelo de Santo Amaro, Varginha e Parelheiros, com apenas o bilhete municipal que vale duas horas ou quatro viagens.

A paisagem de concreto dá lugar para o subúrbio com motéis e festas funk (em uma faixa se lê: "Baile da Minissaia, com MC Tartaruga"). O clima fica interiorano em plena capital paulista quando o asfalto é substituído pela terra, aparecem à beira milharais e bananeiras entre casas alpinas (Paralheiros foi povoada por 94 famílias de imigrantes alemães em 1829, como atestam também as ruas com sobrenomes como Reinberg ou Hesel) e casas viram sítios e chácaras.

Desaparece qualquer sinal de celular, as vias não estão desenhadas em nenhum guia e nada de um telepizza por perto, três itens essenciais do paulistano. Contudo, antes de chegar a bom porto, uma informação errada fez a reportagem do UOL dar uma volta pelo Grajaú atrás de outra rota para o litoral. No Jardim São Norberto, o pastor evangélico Edivaldo Lopes deu a dica: a melhor forma de descer a serra seria via três balsas (veja as indicações bem convincentes do religioso na tela ao lado).

Uma furada. Mas o resultado foi conhecer outra rota alternativa. Desta vez, pelas balsas urbanas que atravessam a represa Billings e ligam a região a São Bernardo do Campo e à Imigrantes, também antes do pedágio, o que não é vantagem. A primeira parada é na balsa do Grajaú, distrito mais populoso do município e visitante assíduo das páginas policiais.

A rua que leva à balsa é cercada por uma fileira de barraquinhas coloridas de esquisitices gastronômicas. Para quem imaginava já estar com os pés na areia saboreando camarão frito ao som das ondas, o similar da quebrada foi algo decepcionante, apesar de curioso. Para abrir o apetite, lá estavam bebidas como Xiboquinha ou um licor Golf de pippermint. Para satisfazer a gula, as opções eram caldo de piranha, mocotó de lambari e iscas de tilápia. Tudo ao som de um tecnobrega disparando: "Ela é rampeira, mas paga tudo."

As barraquinhas ficam para trás quando a balsa chega e leva nosso táxi, mais um caminhão de refrigerantes Dolly e uns quantos vizinhos. Ao chegar da outra margem, fica claro que o caminho não é aquela, afinal, há mais duas balsas pela frente (a de São Bernardo e a de Riacho Grande) e o destino é cair na Imigrantes e seu pedágio. A solução, então, é retornar para Paralheiros e buscar um guia índio.

Antes disso, é preciso achar a aldeia. "Tem duas por aqui, mas cuidado que eles têm um caldeirão para cozinhar visitantes", brincou o oficial no posto da guarda ambiental. Na primeira visitada, a Krukutu, o cacique Manoel estava fora e, sem a autorização dele, não há entrevista dentro da reserva -o temor são reportagens sobre alcoolismo por lá.

Informalmente, um senhor se oferece como guia por R$ 15 para os juruas (como se referem ao homem branco), enquanto um índio de nome Luis Karai ironiza a aldeia vizinha, chamada Tenondé Porã, que ganhou casas de alvenaria, tijolinho à vista e telhas de cerâmica: "Aquilo parece um condomínio."
Na entrada do outro território indígena (ambos de 26 hectares), o índio Genivaldo controla a entrada dos visitantes no bar com mesa de sinuca que fica na frente. A instrução é aguardar na escola indígena a chegada do cacique Timóteo, que aparece em um Ford Escort branco. O que mais se vê no vale que forma o território nativo dentro de São Paulo são crianças brincando (elas até entoaram cânticos guaranis, os mesmos que já foram gravados em CD; confira acima).

Na área vivem 200 famílias, muitas vindas de aldeias no Paraná ou no litoral. O posto de saúde tem um médico branco, três enfermeiros indígenas e um pajé que faz uma espécie de triagem: só o problema do paciente for espiritual, ele dá o tratamento. No total, são três pajés na aldeia, o que faz a Tenondé Porã exportar seus curandeiros para outras que não têm um disponível.

Como no posto, toda a aldeia mistura tradição guarani com a influência da maior cidade do país logo ali ao lado. Lá estão índios adolescentes com o cabelo tingido e camiseta de banda de metal misturados com adultos fumando tabaco em cachimbo sentados no chão.

O cacique Timóteo manda chamar um dos guias da aldeia, que como o segurança do centro de cultura (com uniforme e tudo da empresa privada) mora nos poucos casebres de pau-a-pique que ainda não foram substituídos pelas casas de alvenaria, cujos tetos iam ser de piaçava, mas, como essa palha tinha que ser trazida da Bahia, iria encarecer a obra para ela ganhar um toque indígena. Acabou ficando de telha de cerâmica mesmo.

O guia convocado se chama Lísio Lima (em português) ou Kuaray Ropeju Mirim (em guarani). Ele é o cicerone, conta a história que a aldeia era uma antiga granja de um japonês que, sem herdeiros, doou a área aos indígenas que pernoitavam por lá vindos de Itanhaém e rumo a Santo Amaro para vender artesanato.

A conversa logo envereda para a trilha em direção ao mar. A tarifa de Lísio vai de R$ 15 por pessoa para grandes grupos ou R$ 25 se forem poucas. Saída às 7h da aldeia paulistana para estar em Itanhaém por volta das 14h. A aventura começa na estação de trem Evangelista de Souza, nome em homenagem ao Barão de Mauá.

Ainda operada para trens de carga em direção a Santos, a linha de trem serve de atalho até o túnel 24, quando uma saída à direita já entra em território indígena, mais alguns quilômetros e se está na aldeia Rio Branco, com um estilo de vida mais preservada na cultura guarani, com extrativismo na mata e no rio próximo, onde pescam pitu.
Por um adicional de R$ 8, ele promete levar até as aldeias de Iguapeú e Itaoca, em Monguaguá. Se preferir, mais uma caminhada por uma estrada em meio a um bananal e se chega ao bairro Mambu, por onde passa um ônibus para a praia de Itanhaém (veja acima entrevista com o guia guarani Lísio Lima).

A prefeitura local planeja montar outra trilha turística, com guias treinados saindo da reserva ecológica Curucutu, na região paulistana de Engenheiro Marsilac, mais a oeste das áreas indígenas. Os guias guaranis não temem a concorrência dos juruas.

"Essas trilhas foram passadas por nossos ancestrais, que visitavam os parentes em outras aldeias e colhiam palmito e matéria-prima. Conhecemos várias. E as outras aldeias também servem como parada no caminho", afirma Lísio.
PIB:Sul

Related Protected Areas:

  • TI Barragem
  • TI Guarani do Krukutu
  • TI Guarani do Aguapeú
  • TI Itaóca
  •  

    As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.