Cimi - http://www.cimi.org.br/?system=news&action=read&id=4430&eid=352 - 09/02/2010
Sob os olhares atentos de algumas dezenas de Guarani e o som ritmado dos mbaraká e takuara, dos nhanderu e nhandesi (lideres religiosos) dos Povos Guarani da América do Sul, três helicópteros pousam tranquilamente no campo de futebol. Ministros da Cultura do Brasil e do Paraguai e autoridades vieram cumprir um protocolo previamente enviado à coordenação do Encontro dos Povos Guarani da América do Sul, que se realizou na pequena aldeia de Añetete, no Oeste do estado, no vale do rio Paraná.
Nada de muita falação, porque autoridades não têm tempo a perder. Apenas o essencial. Chegar, ver e ser visto, ouvir e assinar documento e dizer a que vieram. Apertar mãos, distribuir sorrisos, esbanjar simpatia. Essa parece ter sido a orientação do protocolo do Ministério da Cultura. O que para os "povos da palavra" como são reconhecidos os Guarani, representa mutilação de seu direito de dizer sua palavra. Afinal de contas tinham e queriam dizer muito. Sufocados pelo sofrimento, agredidos em seus direitos, confinados em pequenos pedaços de terra ou acampados nas beiras das estradas e latifúndios, submetidos à violência física e discriminação diária, eles queriam dizer apenas isso aos ministros da Cultura do Brasil e do Paraguai. Queriam ser ouvidos pelas autoridades. Afinal de contas estavam há dois dias debatendo a grave situação por que passam mais de 600 comunidades Guarani no Brasil, Paraguai, Argentina, Bolívia e Uruguai. São mais de 300 mil pessoas invadidas e saqueadas em suas terras e culturas.
Ironias da história, o povo que escreveu uma das mais belas páginas de resistência no Continente, que construiu um dos mais promissores modelos que afrontaram o modelo colonial, caracterizado por Piere Lugon de "República Comunista Cristã dos Guarani", esses mesmos Povos Guarani, dispersos num grande território que vai do rio da Prata ao Amazonas, estão hoje exigindo reconhecimento de seus direitos enquanto povos que querem ser respeitados, viver em paz e felizes em suas terras, hoje submetidos a tantos males.
Após as apresentações, foi feita a leitura do documento do Encontro no qual reivindicam a "Criação e manutenção de uma Secretaria Especial de Representação do Povo Guarani vinculado ao MERCOSUL Cultural". Alem disso, o documento propõem a criação de um foro permanente de discussão em defesa dos direitos Guarani, no âmbito do MERCOSUL. O documento também reivindica a realização de atividades culturais, seminários, intercâmbio, políticas públicas e a garantia da punição contra a discriminação, preconceito e violência praticadas contra o povo Guarani.
Infelizmente o que tem sido o tema central dos debates e manifestações dos Povos Guarani durante o Encontro não constou no documento final assinado pelos Ministros: a questão da terra. Isso foi duramente cobrado pelos participantes na avaliação. Foi justiçado de que houve um erro na digitação, por isso foi posteriormente acrescentado "garantir a demarcação e ou devolução das terras e territórios tradicionalmente ocupados pelo povo Guarani, bem como a revisão dos limites conforme seus usos, costumes e tradições".
No final do encontro ainda foi lido e aprovado outro documento, esse sim falando do processo histórico colonial da invasão e da necessidade urgente da regularização das terras Guarani. Um documento especial falando da grave situação dos Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, onde deveria ser realizado o encontro, também constará apenas na publicação que será feita pelo Ministério da Cultura. O Encontro dos Povos Guarani da América do Sul, realizou-se entre os dias 2 e 5 de fevereiro na aldeia Añetete, no município de Diamante D'Oeste, no Paraná, contando com a participação de aproximadamente 800 Guarani do Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia.
Os Guarani e as fronteiras
No documento do encontro foi reivindicado a "garantia e respeito, da partir de mudanças das leis de fronteira, o livre transito cultural, de acordo com as tradições dos povos indígenas nas fronteiras entre Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia, compreendendo que para nós, povo Guarani, os territórios étnicos e ancestrais sempre nos pertenceu - abertura das fronteiras".
O Ministro Juca Ferreira, em sua breve fala, destacou a importância dos Guarani na fronteira: "Essa cooperação e essa presença dos povos indígenas nas proximidades das fronteiras, longe se ser um problema é uma solução para o Brasil. Para nós do Ministério da Cultura não temos nenhum medo, nenhum temor da presença dos povos indígenas e demarcação de seus territórios próximos à fronteira. Os povos indígenas têm direito, e além de direito eles são segurança para a estabilidade ecológica, social e política na medida em que estabelecem relações afetivas com os parentes que vivem nos outros países."
O Ministro de Cultura do Paraguai, Ticio, foi mais longe. Disse que muito temos que aprender da grande nação Guarani, que não apenas tem sido o Yvy(terra) mas o "tekohá" (território tradicional) do MERCOSUL, que está acima das nações, das fronteiras.
No final foi lida uma nota de solidariedade enviada ao Encontro pela Via Campesina. "A Via Campesina entende que os camponeses e indígenas tem um papel importante de preservação do meio ambiente e da agrobiodiversidade. Desejamos que a articulação feita através do Encontro consolide uma real solidariedade e fortalecimento dos Povos Guarani" (Via Campesina do Paraná)
Na avaliação da grande maioria dos participantes, apesar de algumas limitações na pauta do encontro, foi um passo importante na construção e fortalecimento da unidade do povo Guarani, a partir do olhar da Cultura. Não esquecendo que se desenvolve num território e que, portanto, a primeira e mais importante forma de apoiar a cultura Guarani é garantindo suas terras/territórios.
No dia do herói e são Sepé Tiaraju
No dia de Sepé Tiaraju, assassinado há mais de dois séculos e meio, reconhecido como um dos 10 heróis nacionais no Brasil e tido como santo pelo povo no Rio Grande do Sul, os Guarani vêm dizer ao mundo que não são passado apenas, mas que estão em luta no presente e querem ajudar a construir uma outra solidariedade e nova configuração política e econômica na América do Sul.
Egon Heck
Índios:Política Indígena
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- TI Tekohá Añetete
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