A "Carta do Araçá", enviada a várias autoridades, trata principalmente da preocupação com invasões a terras indígenas e falta de recursos para sistema de vigilância, além de pedir a demissão do coordenador da Funai, Gonçalo Teixeira.
Depois de cinco dias intensivos de debates e discussões na Comunidade do Araçá, no Município de Amajari, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) divulgou o documento final da 39ª Assembléia dos Povos Indígenas de Roraima, realizada de 06 a 10, reunindo cerca de 700 lideranças e representantes dos povos Ingaricó, Macuxi, Taurepang, Sapará, Samuná, Patamona, Wai-Wai, Wapichana, Yanomami e Yekuana. A "Carta do Araçá", enviada a várias autoridades federais e ao presidente Lula da Silva (PT), trata principalmente da preocupação com invasões a terras indígenas e falta de recursos para sistema de vigilância.
No documento, as lideranças indígenas enfatizam que é preciso fortalecer e dotar de recursos os sistemas comunitários de vigilância das terras indígenas para prevenção de invasões e entradas de pessoas não autorizadas. "Os órgãos públicos, como a Funai e a Polícia Federal, devem cumprir sua função com eficiência e transparência, consultando e seguindo a determinação das comunidades", diz a carta.
Os índios pedem que o Ministério Público Federal apure possíveis irregularidades na emissão de registros indígenas para não-índios, denunciadas durante a assembleia, e cobram medidas enérgica para investigar e responsabilizar a coordenação local da Fundação Nacional do Índio e servidores envolvidos em possíveis casos de fraude, além de encaminhar judicialmente os processos de anulação dos registros irregulares.
Eles querem ainda a retirada dos envolvidos da terra indígena, uma vez que as denúncias dizem respeito a não índios que estariam conseguindo identidade indígena com a finalidade de se manterem nas reservas, principalmente na Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
As providências a esses problemas, conforme a carta, devem sempre ser articuladas em conjunto entre os diversos órgãos responsáveis pela fiscalização das terras, como a PF, Ministério Público Federal e Funai, sempre com a participação do movimento indígena. "Esta rede de atuação só é possível com a aproximação dos entes públicos e organizações indígenas", diz.
As lideranças aproveitaram para incluir no documento o pedido de demissão do coordenador da Funai, Gonçalo Teixeira, "pela ineficiência em solucionar os problemas apresentados pelos tuxauas e falta de transparência na gestão". Foi solicitada a nomeação de um novo coordenador regional. Foram vários os relatos em que os tuxauas dizem que foram mal atendidos.
O descontentamento com o órgão indigenista diz respeito ainda às invasões de não índios às reservas, "algumas vezes sob os auspício da própria Funai". Conforme o documento, as terras já demarcadas e homologadas, que o governo propagandeia que já estariam sido desintrusadas e pacificadas pela Polícia Federal, continuam invadidas.
O caso das terras indígenas Anaro, na região do Amajari, e Lago Da Praia, região do Murupu, é citado também em decorrência de decisões judiciais em caráter liminar que afastam as comunidades da terra que lhes pertence por direito. "Esta última comunidade, Lago da Praia, havia sido expulsa de seu território por meio de violência, agressões, destruição de propriedades e prisões - ações que assombraram sempre os povos indígenas e causam repulsa ao movimento e a toda comunidade nacional", diz a carta relatando que os índios perderam temporariamente, em juízo, o direito de regressar à sua terra.
"Solidárias frente aos atentados cometidos contra as comunidades Anaro e Lago da Praia, as comunidades indígenas de Roraima exigem a tomada imediata das medidas judiciais para a reparação do mal que lhes foi imposto. Para tanto, solicitam ao Ministério Público Federal que tome as medidas necessárias à derrubada das 19 condicionantes - de inconstitucionalidade evidente - impostas pelo Supremo Tribunal Federal à existência das terras indígenas. À Advocacia-Geral da União, na Procuradoria Especializada da Funai, propõe-se uma parceria com a advocacia do CIR para solução do conflito da forma mais rápida e eficiente possível", diz a carta.
O documento cita o descaso e omissão das autoridades para com as políticas públicas voltadas aos povos indígenas, falta de compromisso político do Congresso Nacional e da Assembleia Legislativa na melhoria de vida das comunidades. Citam ainda a falta de representatividade dos povos indígenas na formação das políticas estatais.
Uma reivindicação é que o Ministério Público Federal (MPF) e a Advocacia-Geral da União (AGU) promovam a responsabilização penal por discriminação frente à declaração do governador Anchieta Júnior, que em entrevista à imprensa nacional classificou a TI Raposa Serra do Sol como "zoológico humano".
HIDRELÉTRICAS - A "Carta do Araçá" relata a ameaça de nova invasão, dessa vez por parte do Governo Federal, que discute no Congresso Nacional a construção das hidrelétricas em terras indígenas, proposta da bancada aliada, sem consulta prévia aos povos que lá habitam.
As lideranças acusam o Governo do Estado de Roraima de violar os direitos territoriais dos povos indígenas com projetos de construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas nos rios e igarapés das TI Raposa Serra do Sol e São Marcos. Já foram feitas inclusive pesquisa e prospecção sem autorização das comunidades, com a autorização da Funai, que foi criticado mais um vez pelo fato de ter a obrigação de proteger e assegurar os direitos dos índios.
"O Conselho Indígena de Roraima repulsa contundentemente a discussão encampada no Congresso Nacional a respeito da construção das usinas hidrelétricas no Estado de Roraima, sem antes a consulta dos povos indígenas afetados. Apoiamos, isso sim, a pesquisa de alternativas energéticas de menor impacto ambiental, como a energia eólica e solar", diz a Carta do Araçá.
A carta final foi enviada para o presidente Lula da Silva (PT), ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, ministro da Justiça, Tarso Genro, ministro da Educação, Fernando Haddad, ministro da Saúde, José Gomes Temporão, além do presidente da Funai, Márcio Meira entre outras autoridades.
Índios criticam criação de parques
sem consulta às comunidades locais
O tema da Assembleia Geral dos Povos Indígenas deste ano foi "A Produção Sustentável e o Desenvolvimento das Comunidades Indígenas", por isso a questão ambiental foi bastante discutida nos cinco dias de evento. Uma das fortes críticas é com relação à criação de parques ambientais dentro de terras indígenas sem consulta prévia das comunidades locais.
A "Carta do Araçá" faz críticas à postura que o Governo Federal, através do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), mantém para os parques nacionais. Os povos que tradicionalmente habitam estas áreas de forma sustentável em relação à natureza não são consultados durante processo de criação das áreas de proteção ambiental. Essas áreas muitas vezes são criadas sobrepondo terras já demarcadas e protegidas.
O documento diz que essa falta de consulta acaba gerando limitação do acesso pelos índios aos recursos naturais, impondo programas de manejo alheios às suas vontades e necessidades, como ocorre com a Terra Indígena Yanomami e outras Brasil afora. "É isto que se tem feito ao povo Ingaricó com o Parque Nacional do Monte Roraima e é o que se tem tentado fazer com o Parque Nacional do Lavrado", diz o documento referindo ao povo Macuxi e Wapixana da região Serra da Lua.
As lideranças classificam como assistencialista o modelo adotado pelo Governo Federal em relação às políticas de desenvolvimento sustentável, bem como chamam de "completa ausência do Governo do Estado em promover ações desta mesma natureza". "Isso demonstra tão somente que o compromisso com a preservação do meio ambiente foi sempre assumido unicamente pelos povos indígenas", afirma a carta.
O documento relata a burocracia e as exigências técnicas impostas pelo Governo Federal no acesso aos recursos destinados à promoção do desenvolvimento sustentável, que afastam completamente a possibilidade das comunidades usufruírem destas políticas direcionadas aos empreendimentos indígenas.
O Conselho Indígena de Roraima diz que está solidário com a luta dos povos Ingaricó e Yanomami contra a imposição dos parques nacionais em suas terras tradicionais, além de pedir a convocação imediata de uma audiência pública envolvendo todos os órgão ambientais para discutir a criação do Parque Nacional do Lavrado.
"Desenvolvimento sustentável não deve ser assistencialista, mas baseado no etnodesenvolvimento e na educação. Pedimos apoio à Diretoria de Etnodesenvolvimento da Funai, que tem realizado um bom trabalho, mas necessita de recursos para implantação dos projetos", afirma a carta. "Os governos Federal e Estadual devem estimular e financiar as atividades de pesquisa e educação ambiental nos institutos públicos que trabalham junto às comunidades, como o Inpa [Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia]".
Educação e saúde também são
contempladas no documento
Na Assembleia Geral dos Povos Indígenas houve ainda discussão a respeito da educação escolar indígena a partir do diagnóstico apresentado pelas próprias comunidades. Os professores falaram sobre a falta de implementação de recursos financeiros para a construção e reforma de escolas, falta de material permanente e da necessidade de contratação de pessoal de apoio. O documento final aponta falta de transparência na aplicação de recursos para esses fins.
As lideranças indígenas pedem na "Carta do Araçá" a revogação da portaria da Secretaria Estadual de Educação publicada em janeiro que impede a implantação de novas modalidades de ensino e a criação de escolas indígenas, fato que não está de acordo com a realidade e as particularidades de cada comunidade.
O Instituto Insikiran foi elogiado pelo seu trabalho realizado junto à Universidade Federal de Roraima (UFRR), mas os índios dizem que é preciso ampliar o número de vagas e recursos financeiros para a promoção da educação superior indígena e o estímulo a pós-graduação. Querem também recorrer aos órgãos públicos para a construção de uma Universidade Pública Indígena dentro da Raposa Serra do Sol.
O embrião para isso seria o Centro de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol, na região de Surumu, entidade sob responsabilidade do CIR para a qual as lideranças podem apoio com recursos financeiros para as atividades do Centro.
Cobram autonomia e recursos para o Departamento de Educação Indígena da Secretaria do Estado de Roraima. Outra reivindicação é a criação de um sistema próprio de ensino, em que a própria secretaria estadual seja capaz de gerir os recursos.
SAÚDE - Na questão sobre saúde indígena, os índios citam que as principais dificuldades enfrentadas pelas comunidades estão relacionadas à falta de recursos para a infraestrutura em saúde, comprometendo a prevenção e o atendimento nas ações junto aos indígenas.
Reclamam ainda da indefinição da responsabilidade nas políticas de saúde em prol das comunidades, dividida entre o município, o Estado de Roraima, o Governo Federal e as instituições conveniadas. Citam a falta de informação a respeito da reestruturação anunciada pelo Ministério da Saúde.
O documento final vai solicitar do Ministério da Saúde esclarecimentos sobre o novo sistema de saúde com a criação da Secretaria Especial de Saúde, cujo decreto deve sair a qualquer momento. Outras cobranças foram: autonomia imediata do Distrito Sanitário do Leste (DSL), já prevista em decreto e que seja coordenado por um indígena; reestruturação do suporte à saúde indígena nos sistemas municipais; e apoio ao convênio da Fundação Nacional de Saúde com a Missão Kaiowá mas "somente como solução temporária".
Conselho Indígena de Roraima
Índios:Política Indígena
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