"Índios isolados e dinâmicas fronteiriças no Estado do Acre: políticas oficiais e agendas futuras para sua proteção

Página 20 - http://pagina20.uol.com.br/ - 20/12/2008
O Seminário ocorreu no Centro de Formação dos Povos da Floresta, na cidade de Rio Branco-Acre, de 1 a 3 de dezembro de 2008. Organizado pela Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre), teve a participação de representantes de organizações indígenas de terras situadas na fronteira Brasil-Peru, de organizações do movimento social e de órgãos dos governos federal e estadual. Contou com a parceria da Assessoria Especial dos Povos Indígenas e da Biblioteca da Floresta Marina Silva/Fundação Elias Mansour, ambas do Governo do Estado do Acre, e o apoio da Rainforest Foundation (NRF-Noruega) e The Nature Conservancy.
O principal objetivo do seminário foi dar continuidade às discussões sobre as políticas oficiais de proteção dos povos indígenas isolados no Estado do Acre, bem como sobre os impactos dos projetos de desenvolvimento e das atividades ilícitas em curso na região de fronteira Acre-Ucayali sobre os povos indígenas que vivem em terras indígenas ali situadas. Buscou-se ainda, com base no diálogo entre lideranças indígenas e representantes de órgãos dos governos federal e estadual, reafirmar a necessidade de se avançar na construção de agendas e na implementação de ações para a garantia dos direitos dos isolados, a proteção dos seus territórios e a boa convivência nas terras indígenas hoje compartilhadas por isolados e os povos Kaxinawá e Ashaninka.

O primeiro dia do seminário esteve dedicado à atualização e à sistematização de informações sobre as políticas de desenvolvimento em curso no sudoeste amazônico, no Estado do Acre e na fronteira Brasil-Peru, procurando suscitar reflexões a respeito das conseqüências que estas têm causado, ou podem vir a causar, sobre os modos de vida e os territórios dos isolados e dos demais povos indígenas que ali habitam.

Preocupação foi demonstrada pelas lideranças indígenas e pelas demais organizações presentes a respeito dos impactos ambientais, sociais e culturais agregados que resultarão de grandes projetos de infra-estrutura previstos nas agendas do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e da IIRSA (Iniciativa de Integração da Infra-Estrutura Regional da América do Sul) para o sudoeste amazônico.

Incluindo os Estados do Acre, Amazonas e Rondônia, os investimentos do PAC incluem a pavimentação da BR-319 (Manaus-Porto Velho), a construção do gasoduto Urucu-Porto Velho e das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, a implantação da rede de transmissão de energia a partir dessas hidrelétricas, além da conclusão da pavimentação da BR-364.
Na agenda IIRSA, com impactos sobre Brasil, Peru e Bolívia, se destacam, a leste, a pavimentação da Rodovia Transoceânica, e no Vale do Juruá, a oeste, a proposta de construção da estrada e da linha de conexão energética entre as cidades de Pucallpa e Cruzeiro do Sul. Nessa mesma região, também com traçado previsto para atravessar o Parque Nacional da Serra do Divisor, a Reserva Territorial Isconahua, outros assentamentos humanos e áreas de riquíssima biodiversidade, o Executivo peruano e o Congresso brasileiro recentemente aprovaram, na forma de projetos público-privados, a construção de uma linha férrea binacional (a Ferrovía Transcontinental "Brasil-Perú" Atlántico-Pacífico (FETAB), em seu trecho peruano; e a EF-354, do lado brasileiro).

Foram discutidos os significativos impactos que esse conjunto de políticas poderá trazer sobre o mosaico sociocultural e o rico patrimônio florestal no Estado do Acre, legados da ocupação imemorial dos povos indígenas, de um século de extrativismo, de trinta anos de mobilizações sociais e políticas públicas que resultaram no reconhecimento e na regularização de terras indígenas e unidades de conservação e de mais de uma década de institucionalização de um projeto político, o "Governo da Floresta", oriundo de agendas dos "povos da floresta", pautado na noção de "florestania" e num desenvolvimento que resulte no "empoderamento" das comunidades locais.

Hoje, a passagem dos vinte anos da morte de Chico Mendes nos obriga a refletir sobre os resultados logrados e os desafios colocados para a atualização e o avanço dessas agendas. Constatamos, com preocupação, que essas políticas públicas formuladas em gabinetes, sem qualquer consulta aos povos indígenas e às populações tradicionais, não guardam sintonia com as iniciativas de gestão ambiental e territorial em curso em terras indígenas (caso dos etnomapeamentos e etnozoneamentos) e em unidades de conservação, com os resultados do Zoneamento Ecológico Econômico ou mesmo com as principais diretrizes estratégicas delineadas pelo governo estadual para os próximos anos. Os impactos agregados dessas políticas, nacionais, binacionais e multinacionais, podem, ao contrário, representar um definitivo ponto de virada no destino histórico até hoje construído para nosso Estado e na opção pelo uso sustentado da floresta como fonte de geração de riqueza e renda para a população, ao colocar graves riscos aos territórios e às formas de vida dos povos que nela habitam.
Essa preocupação ganha maior relevância, pois as conseqüências desse conjunto de políticas se somarão aos impactos hoje em curso nas terras indígenas e unidades de conservação situadas em ambos os lados da fronteira Brasil-Peru, como resultado de políticas favorecidas pelo governo peruano.

A política de concessões madeireiras e a intensa atividade ilegal em curso resultaram, no lado peruano, em invasões e saques em reservas territoriais criadas e propostas para a proteção de índios isolados, em territórios de comunidades nativas e em unidades de conservação, com significativos prejuízos ambientais e graves violações dos direitos humanos. Nas imediações do Paralelo de 10oS, a atividade madeireira ilegal resultou, nos últimos dois anos, na migração forçada de índios isolados para terras indígenas situadas nas cabeceiras do rio Envira, no Estado do Acre. Conhecidos também são os impactos dessas atividades madeireiras ilegais no lado brasileiro da fronteira nos últimos anos, com freqüentes invasões na TI Kampa do Rio Amônea e no Parque Nacional da Serra do Divisor.

Mais recentemente, o governo peruano tem concedido vastas áreas de floresta para a prospecção e exploração de petróleo e gás, por prazos de até quarenta anos. Novamente realizadas sem qualquer consulta prévia, informada e de boa fé, aos povos indígenas e a outras comunidades de moradores da floresta, essas concessões resultaram em sobreposições com territórios de comunidades nativas, áreas de conservação e inclusive com reservas territoriais já reconhecidas para a proteção de índios isolados (caso das Reservas de Madre de Dios, Murunahua e Isconahua, situadas na fronteira com o Brasil) e outras propostas com a mesma finalidade.

Localizados em bacias hidrográficas binacionais, alguns desses lotes petrolíferos constituem preocupação adicional para moradores de terras indígenas e unidades de conservação no lado brasileiro da fronteira. No Vale do Alto Acre, é o caso dos Lotes 111 e 113, com área agregada de 2,7 milhões de hectares, sob concessão à empresa chinesa SAPET Development Perú Inc. No lado peruano, esses lotes estão sobrepostos à Reserva Territorial de Madre de Dios, à zona de amortecimento do Parque Nacional Alto Purús e a territórios de comunidades nativas. No Estado do Acre, ao longo do alto curso do rio Acre, fazem limites com a TI Cabeceira do Rio Acre, a Estação Ecológica Rio Acre e a TI Mamoadate, estas últimas coincidindo com áreas usadas por isolados Mashco-Piro.

No Alto Juruá é o caso do Lote 110, com área de 1,4 milhão de hectares, concedido à Petrobras Energia Perú S.A., que apresenta sobreposições com territórios de 16 comunidades Ashaninka, Jaminawa e Amahuaca, com a Reserva Territorial Murunahua, com a zona de amortecimento do Parque Nacional Alto Purús e da Reserva Territorial Mashco-Piro e com as áreas propostas para a criação das Reservas Comunais Yurua e Inuya-Tahuania. Também sobrepostos a territórios de comunidades Ashaninka no rio Tamaya, titulados ou não, os Lotes 126 e 138, com extensão contínua de 1,4 milhão de hectares, têm limites, ao longo da fronteira, com a TI Kampa do Rio Amônea e o Parque Nacional da Serra do Divisor.

O Lote 138, cedido à canadense Pacific Stratus Energy S.A., por sua vez, tem sobreposição com concessões outorgadas a empresas para a extração de ouro na Reserva Territorial Isconahua, limítrofes à parte norte do mesmo Parque Nacional. Incide, ainda, em uma das principais zonas de produção e refino de pasta base de coca, distribuída, do lado peruano, nos altos rios Calleria, Utiquinia e Abujao. É dessa região de onde "mulas", peruanos e brasileiros, por vezes em grupos fortemente armados, têm escoado parte significativa da produção de pasta para a cidade de Cruzeiro do Sul, usando vários afluentes da margem esquerda do alto Juruá. Essas rotas atravessam diferentes trechos do Parque Nacional da Serra do Divisor e passam pelas imediações das TIs Kampa do Rio Amônea, Arara do Rio Amônia, Jaminawa do Igarapé Preto, Nukini e Poyanawa, ameaçando famílias dessas terras e de projetos de assentamento no seu entorno.

Os impactos causados por atividades de prospecção (incluindo linhas sísmicas) em curso em reservas territoriais, comunidades nativas e unidades de conservação do lado peruano, bem como os mecanismos utilizados por agências do governo peruano e das empresas petrolíferas, mediante promessas de desenvolvimento, geração de emprego e renda e programas de mitigação e compensação, na intenção de obter o consentimento das comunidades que ali vivem para o início das atividades de exploração, foram objeto de apresentação por parte dos convidados peruanos.

Essas apresentações serviram de pano de fundo para uma longa discussão sobre as atividades de prospecção de petróleo e gás iniciadas no Estado do Acre em 2008 como resultado de política da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e de gestões realizadas por representantes da bancada acreana no Congresso Nacional.

Destaque foi dado ao caráter autoritário dessa ação promovida pela ANP, propagandeada, a partir de fevereiro de 2007, como "redenção econômica" para o Estado do Acre e a melhoria das condições de vida de seus habitantes, tendo em vista a ausência de qualquer consulta, prévia, informada e de boa fé, conforme recomendam a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, dos quais o Brasil é signatário. Estes documentos, foi ressaltado, recomendam procedimentos de consultas no caso de atividades de prospecção e exploração de recursos minerais e outros.

Lembrou-se que a prospecção e exploração de petróleo e gás não é atividade recomendada, ou contemplada, pelo Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Acre (aprovado pela Lei n 1.904, de 5/6/2007) e tampouco está prevista no Planejamento Estratégico 2007-2010 do atual Governo Estadual. Destacou-se, ainda, a total ausência de procedimentos de democratização da informação à sociedade acreana, e especialmente às populações que vivem na floresta, a respeito das atividades previstas e em curso, da legislação que lhes dá respaldo e dos impactos que poderão gerar sobre terras indígenas, unidades de conservação e seu entorno.

Ressaltou-se também a omissão que marcou a atuação dos Ministérios Públicos Federal e Estadual e dos órgãos ambientais (IBAMA, ICMBio e SEMA-Acre), a partir de fevereiro de 2007, pois em nenhum momento se posicionaram no sentido de solicitar informações a respeito dos atos administrativos que resultaram no início da prospecção no Estado e das atividades planejadas, nem se preocuparam em cumprir um papel de informar à sociedade a respeito dessas e outras questões.

Sobrevôos para levantamentos gravimétricos, realizados ao longo de 2008, a alturas reduzidas - muitas vezes à noite, como destacado por várias lideranças - causaram surpresa e temor aos moradores da floresta, inclusive em terras indígenas e unidades de conservação, tendo em vista que estavam totalmente desinformados sobre a atividade e seus reais objetivos, tendo chegado a confundi-la com ações de narcotraficantes.

Causou grande preocupação, ainda, o fato de que uma nova etapa da "prospecção" está em curso no Alto Juruá, novamente autorizada pela ANP, em dezembro de 2007, desta vez com a coleta, em uma área de 42 mil km², de duas mil amostras de solo para "levantamentos geoquímicos de superfície". Causou surpresa ainda que, conforme informações da ANP, 530 pontos de coleta estão situados nos limites e a distâncias inferiores a dez km das TIs Nukini, Poyanawa, Jaminawa do Igarapé Preto e Campinas/Katukina; e que outros 84 pontos incidem nos limites e na zona de amortecimento da parte norte do Parque Nacional da Serra do Divisor. Causou indignação saber que a ANP solicitou do ICMBio autorização para realizar essas atividades dentro do Parque Nacional e em três reservas extrativistas no Estado do Acre (Alto Juruá, Riozinho da Liberdade e Alto Tarauacá).
Mesmo que essa coleta de solo possa não causar, neste momento, impactos significativos, ela constituem, novamente sem qualquer consulta e informação, mais uma etapa vencida no avanço de uma atividade que futuramente causará graves impactos ambientais, sociais e culturais (quando das sísmicas e do início da perfuração e exploração) nas terras indígenas, unidades de conservação e em seu entorno imediato.

Índios Isolados

O segundo dia do seminário esteve direcionado à informação das lideranças das organizações indígenas sobre as ações realizadas pela Frente de Proteção Etnoambiental Rio Envira (FPERE), a partir de uma discussão sobre legislação, sua filosofia e seus métodos de trabalho, os resultados alcançados e os desafios futuros.

Conforme exposição do chefe da FPERE, sertanista José Carlos dos Reis Meirelles, há hoje, no Estado do Acre, três terras indígenas (Kampa e Isolados do Rio Envira, Riozinho do Alto Envira e Alto Tarauacá), com extensão de 636.384 ha, destinadas à proteção de três povos "isolados". Também situadas na fronteira com o Peru, outras seis terras indígenas e o Parque Estadual Chandless constituem territórios utilizados pelos isolados em seus deslocamentos e em suas atividades de coleta, caça e pesca. Essas dez terras e o parque têm extensão agregada de pouco mais de 2 milhões de hectares, e integram um mosaico contínuo de 28 terras indígenas e 15 unidades de conservação (de uso sustentável e proteção integral), de 7,7 milhões de hectares, que ocupa 46% da superfície total do Estado do Acre.

Provavelmente falantes de línguas da família Pano, os povos isolados que vivem em terras indígenas no Paralelo de 10oS e em suas imediações ocupam três conjuntos de malocas, situados nas cabeceiras do rio Humaitá, no alto Riozinho e no alto igarapé Xinane. Os dois primeiros povos têm presença permanente constatada em território brasileiro há décadas. O terceiro se assentou há menos de dois anos no alto Xinane, chegado do lado peruano da fronteira. Um quarto povo, os Mashco-Piro, passa temporadas, geralmente durante o verão, em território brasileiro, nos rios Envira, Iaco e Chandless (os últimos dois afluentes do rio Purus).

Além da criação e regularização dessas três terras indígenas, a FPERE, que hoje conta com duas bases de vigilância (na foz do igarapé Xinane, no rio Envira, e na foz do rio D'Ouro, no alto rio Tarauacá), tem procurado garantir proteção a esses povos por meio da vigilância dos limites dessas terras; do monitoramento dos isolados, com sobrevôos e expedições terrestres, para mapear seus padrões de habitação, territórios de uso dos recursos naturais e deslocamentos e estimar seu aumento populacional; da articulação com instituições dos governos federal e estadual; e da divulgação das ameaças aos seus territórios e modos de vida. Tem procurado, ainda, no alto rio Envira, dialogar com os povos indígenas que compartilham terras com os isolados e com os demais moradores do entorno, de maneira a fazer respeitar a legislação, os direitos dos isolados e inviolabilidade de seus territórios.

A ampla divulgação de fotos das malocas dos isolados que vivem em terras indígenas no Paralelo de 10oS, nas mídias nacional e internacional, após sobrevôo realizado pela FPERE em abril de 2008, alertou sobre a necessidade de ações continuadas para a proteção desses povos e de seus territórios. Esse é o principal objetivo de um componente do Termo de Cooperação Técnica assinado em outubro último entre a Presidência da FUNAI e o Governo do Acre.

Apresentada por Meirelles e pelo Assessor Especial dos Povos Indígenas, Francisco Pinhanta, a agenda estratégica para a proteção dos isolados, no âmbito do Termo de Cooperação, tem dentre suas ações: a consolidação do sistema de vigilância das terras indígenas por eles ocupadas, e seu entorno, com a instalação de um novo posto no rio Santa Rosa; o monitoramento dessas terras, por meio de imagens de satélite, expedições terrestres e eventuais sobrevôos; e a produção e divulgação de informações sobre os índios isolados, as dinâmicas transfronteiriças (exploração madeireira e prospecção e exploração de petróleo e gás) e os impactos destas sobre seus territórios e formas de vida. Constam, ainda, oficinas de informação e sensibilização, junto aos povos indígenas que compartilham terras com os isolados e outros moradores do entorno, visando valorizar atitudes de respeito aos direitos dos isolados e promover a boa convivência entre os povos indígenas e os isolados.

Breve mapeamento da fronteira Acre/Brasil-Peru

Parte do dia 2 e o dia 3 estiveram dedicados aos depoimentos de lideranças indígenas cujas terras estão localizadas na fronteira internacional e em suas imediações, com o objetivo de mapear como as dinâmicas fronteiriças têm repercutido em suas comunidades e territórios. Foi também objetivo deste momento fortalecer canais de diálogos entre a FPERE e as lideranças, visando viabilizar uma participação mais efetiva destas no delineamento de agendas de cooperação e no planejamento de futuras ações da Frente.

Alguns dos pontos destacados pelas lideranças indígenas em seus depoimentos estão abaixo sumarizados, por regiões e terra indígena:

* Vale dos altos rios Purus e Acre

Os isolados, Mashco-Piro, vindos da Reserva Territorial de Madre de Dios e do Parque Nacional Alto Purús, no território peruano, têm praticamente todos os anos adentrado a TI Mamoadate, usando rotas tradicionais no alto rio Iaco e no igarapé Abismo. Apesar de encontros furtivos e de freqüentes avistamentos, nenhum conflito ocorreu até hoje com os Manchineri, durante as expedições que ambos realizam nas estações de verão no alto rio Iaco para pescar, caçar e coletar ovos de tracajá.

Em anos passados, esses mesmos rios serviram de rotas de passagem para "mulas", peruanos, às vezes articulados com brasileiros, que adentram o território brasileiro carregando pasta base de coca. Nas aldeias do rio Iaco, temor e constrangimentos foram então causados às famílias Manchineri, quem, por vezes, mobilizaram-se para deter os invasores e entregá-los à Polícia Federal, não sem risco de conflitos armados. As rotas utilizadas pelas "mulas" ao adentrar a TI Mamoadate coincidem, portanto, com caminhos tradicionalmente utilizados pelos Mashco-Piro, gerando graves riscos da ocorrência de conflitos e mortes. As lideranças Manchineri levantaram seu desejo de, contando com apoio dos governos federal e estadual, implantar um posto de vigilância próximo à foz do igarapé Abismo, cujo funcionamento ficaria sob a sua gestão.

Outra grave ameaça ao Parque Nacional Alto Purús e à Reserva Territorial de Madre de Dios, do lado peruano, onde estão situadas as cabeceiras dos rios Chandless, Iaco e Acre, e, do lado brasileiro, ao Parque Estadual Chandless e à TI Mamoadate, está hoje configurada pela perspectiva de abertura de uma estrada entre Puerto Esperanza, sede da Província do Purús, e a cidade de Iñapari, no Departamento de Madre de Dios. O projeto, defendido pela Igreja Católica de Esperanza, conta com apoio de comerciantes e madeireiros, alegando alternativas abertas com o avanço da pavimentação da Rodovia Interoceânica. Na TI Mamoadate, explorações madeireiras, feitas por aviados de empresas de Iñapari, resultando em clareiras abertas no alto rio Iaco, foram constatadas pelos Manchineri em mais de uma ocasião. Além dos prejuízos ambientais que essa atividade poderá vir a causar, na Reserva Territorial, em terras indígenas e unidades de conservação em ambos os lados da fronteira, caso a estrada seja aberta, graves conflitos poderão vir a se repetir entre madeireiros, traficantes e os isolados Mashco-Piro, conforme ocorreu no Peru em tempos recentes.

* Região do Paralelo 10oS e adjacências

No lado peruano da fronteira, no Paralelo de 10oS, duas reservas territoriais (Murunahua e Mashco-Piro) e o Parque Nacional Alto Purús, uma área agregada de quase 3 milhões de hectares, constituem territórios de povos isolados. Apesar de seu reconhecimento oficial, essas reservas e o parque têm sido sistematicamente invadidos por madeireiros ilegais, gerando, para os isolados, restrições territoriais, correrias, contatos forçados, epidemias, bem como conflitos com madeireiros e moradores de comunidades nativas.

Resultado também desses processos, a migração de um povo isolado para o lado brasileiro, e o seu assentamento no alto igarapé Xinane, tem provocado situações preocupantes na TI Kampa e Isolados do Rio Envira e na TI Kaxinawá do Rio Humaitá, e colocado novos desafios à proteção dos isolados.

Os reordenamentos territoriais entre os próprios isolados, há tempos estabelecidos e recém-chegados, e a redefinição das áreas utilizadas para suas atividades produtivas têm resultado, nos últimos dois anos, em recorrentes visitas e saques dos isolados em aldeias Kaxinawá e Ashaninka situadas mais próximas às cabeceiras dos rios e mesmo em localidades habitadas por ribeirinhos.

Possivelmente confundidos com madeireiros ou invasores, membros da FPERE foram alvo de ataques recentes a flechadas, mais uma indicação do crescente trânsito dos isolados recém-chegados ao lado brasileiro. Na TI Kampa e Isolados do Rio Envira, casas de famílias Ashaninka foram roubadas e ataques a flechadas e tiros ocorreram em várias oportunidades. Na TI Kaxinawá do Rio Humaitá, roubos têm também ocorrido com freqüência na última aldeia, Novo Futuro, nas cabeceiras do rio. Ambas essas situações têm gerado temor nas famílias Ashaninka e Kaxinawá e risco de enfrentamentos armados, comuns em final dos anos 1980. Expedições organizadas pelos Ashaninka com o objetivo de vingar os ataques e roubos foram desmobilizadas por intervenção da FPERE.

Já durante o "Encontro sobre a questão dos povos indígenas isolados na fronteira Acre-Peru: principais ameaças e estratégias de proteção", organizado pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e a CPI-Acre em dezembro de 2007, as lideranças Kaxinawá do rio Humaitá haviam demonstrado sua firme intenção de promover contatos com os isolados, visando "amansá-los" e garantir acordos de convivência para pôr fim aos saques. Essa mesma posição foi agora reforçada pelas lideranças Kaxinawá, informando que, sem sucesso, expedições foram organizadas para tentar recuperar pertences roubados e localizar as malocas dos isolados. Reivindicações foram feitas sobre a necessidade de um diálogo mais constante com a FPERE e a urgente realização de uma reunião na aldeia Bom Futuro, para definir ações emergenciais e formas de participação das lideranças no planejamento das futuras ações da Frente. Reivindicaram, ainda, que discussão seja feita visando a implantação de um posto de vigilância nas cabeceiras do rio Humaitá, ligado à FPERE, com a participação das lideranças Kaxinawá. A revisão dos limites da TI Kaxinawá do Rio Humaitá, para o baixo curso desse rio, foi defendida pelas lideranças como alternativa às restrições territoriais causadas pela presença permanente dos isolados nas cabeceiras.

Em resposta, o Chefe da FPERE salientou às lideranças Kaxinawá que é importante compreender que se um grupo indígena está isolado é por sua própria decisão. No alto rio Humaitá, eles ocupam esse território há tanto ou mais tempo que os Kaxinawá, portanto, também têm direito a essas terras, tendo sido, ou não, levados em conta durante o seu processo demarcatório. O contato forçado para tentar resolver o problema da proximidade desses povos com os Kaxinawá e dos saques que aqueles praticam, não resolverá o problema; criará, sim, outros, de difícil resolução. Se houver resistência ao contato, disse Meirelles, essa tentativa de "selar a paz' pode transformar-se numa guerra, com mortes de ambos os lados. O contato, por outro lado, terá conseqüências desastrosas, com mortes por doenças infecto-contagiosas para os quais os isolados não têm imunidade. Uma simples gripe pode levar a uma epidemia de grandes proporções em poucos dias. Ressaltou, ainda, que hoje a FPERE não dispõe de qualquer estrutura ou preparo para lidar com uma situação emergencial em termos de saúde, que certamente decorrerá de um contato forçado e não planejado. Contatar um povo isolado à sua revelia é uma ação que mudará radicalmente sua vida, organização social e cultural, para sempre.

Meirelles recomendou prudência e destacou que no âmbito do Termo de Cooperação Técnica assinado entre a FUNAI e o Governo do Estado haverá condições para a realização de reuniões nas aldeias e o fortalecimento do diálogo, visando definir estratégias comuns para enfrentar os problemas hoje enfrentados tanto pelos isolados como pelos Kaxinawá do Rio Humaitá, os Ashaninka do Rio Envira e outros moradores dessa mesma região.

* O Alto Juruá: entre os rios Breu e Amônia

No alto Juruá peruano, ao longo da fronteira internacional, a Forestal Venao SRL continua a representar a principal empresa envolvida na extração de madeira, hoje operando em territórios de seis comunidades nativas Ashaninka, Jaminawa e Amahuaca. Além dos graves impactos causados nessas comunidades pela extração madeireira, a empresa abriu e administra uma estrada com pouco mais de 160 km de extensão entre o povoado Nueva Itália, no rio Ucayali, e o Alto Juruá, utilizada para o tráfego de tratores e caminhões e o escoamento da produção. Trechos da estrada passam a 200 metros da fronteira, coincidindo com os limites sul da TI Ashaninka no Rio Amônea e da Reserva Extrativista do Alto Juruá, e continuam a causar significativos impactos sobre os recursos hídricos e a caça nessas áreas reservadas, bem como, no lado peruano, na Comunidad Nativa Alto Tamaya. Boa parte dos compromissos assumidos pela empresa e pelos Ashaninka das Comunidades Nativas Sawawo Hito 40 e Nueva Shauaya com os Ashaninka da aldeia Apiwtxa, no rio Amônia, visando evitar impactos do lado brasileiro, continua sem qualquer cumprimento efetivo.

Mais acima no alto rio Juruá, impactos sociais, ambientais e culturais continuam a resultar das atividades de extração promovida por concessionários e por madeireiros ilegais, com a violação dos direitos humanos, a destruição de recursos naturais cruciais à sobrevivência, o endividamento e a imobilização de mão de obra, o desrespeito dos direitos trabalhistas e as ameaças feitas a representantes de organizações indígenas e chefes comunais. Invasões continuam ocorrendo de maneira sistemática nos limites oeste das Reservas Territoriais Murunahua e Mashco-Piro e no Parque Nacional Alto Purús, com graves conseqüências e violações dos direitos humanos e territoriais dos povos isolados que ali vivem.

Tem causado grande preocupação também aos Ashaninka do rio Amônia, conforme pronunciamento tornado público pela Apiwtxa em agosto de 2008, o eminente início das atividades de prospecção e exploração de petróleo nos lotes 110 e 126, situados em território peruano, nos limites da TI Kampa do Rio Amônea. É digno de nota, ainda, que no caso do Lote 110, sobreposto à Reserva Territorial Murunahua, órgãos do governo peruano e a Petrobras Energia Peru SA tenham procurado obter o consentimento das comunidades locais ao início da prospecção por meio de oficinas e seminários promovidos em conjunto com organizações indígenas (Unión das Comunidades Indígenas Fronterizas del Peru [UCIFP] e Central Ashaninka del Rio Huacapistea del Districto de Yurua [CARHDY] que, nos últimos anos, têm atuado em associação com os interesses da Forestal Venao SRL.

As lideranças Kaxinawá do rio Breu informaram, por sua vez, a respeito da chegada à margem esquerda desse rio, em território peruano, de famílias Ashaninka, vindas da Selva Central, lideradas pela família Perez. As aldeias Oori e Koshireni, abertas por essas famílias, estão situadas na área proposta para a criação da Reserva Comunal Yurua, pleiteada desde 1996 pela Asociación Interétnica de Desarollo de la Selva Peruana (AIDESEP), a Organización Regional AIDESEP Ucayali (ORAU) e a Asociación de Comunidades Nativas para el Desarrollo Integral de Yurua (ACONADIYSH).

Essas duas aldeias estão situadas, ainda, defronte à TI Kaxinawá-Ashaninka do rio Breu e à Reserva Extrativista do Alto Juruá. A chegada daquelas famílias resultou em restrição ao acesso de recursos naturais que os Kaxinawá e os Ashaninka sempre utilizaram, em território peruano, conforme suas tradições e iniciativas delineadas para a gestão e a conservação do seu território e seu entorno. Hoje temem que essas iniciativas de gestão possam ser comprometidas ao longo de todo o rio Breu e que os conflitos e ameaças, já ocorridos com os recém chegados, possam se repetir e se tornar constantes. Agrava esse temor as ameaças sobre uma possível chegada de "ronderos" Ashaninka armados, que, segundo as lideranças das aldeias Oori e Koshireni, aplicariam punições aos Kaxinawá encontrados na margem esquerda do rio Breu.

A chegada dessas famílias ao rio Breu foi incentivada pela empresa madeireira Forestal Venao SRL. Desprovidas de recursos e de assistência do governo peruano, essas comunidades receberam, após a sua chegada, apoio financeiro da madeireira. Passaram a reivindicar o reconhecimento das novas aldeias como comunidades nativas e a titulação do território recém ocupado. Apoio financeiro e respaldo institucional para tal também foram oferecidos pela Forestal Venao, mediante o ressarcimento posterior com a venda da madeira a ser retirada dos territórios uma vez titulados.

É grande a preocupação das comunidades Kaxinawá e Ashaninka, que habitam a margem direita do rio Breu, de que a atividade madeireira em grande escala e a ampliação da estrada já aberta de Nueva Itália ao Alto Juruá possam causar graves prejuízos sociais e ambientais em sua terra indígena e na Reserva Extrativista do Alto Juruá, a exemplo do ocorrido na Terra Indígena Kampa do Rio Amônea e no Parque Nacional da Serra do Divisor e do que está em curso nas comunidades nativas onde a Forestal Venao hoje opera no alto Juruá peruano.

* Na Serra do Divisor, o rio Moa

As lideranças Nukini e Poyanawa destacaram as iniciativas de gestão territorial e ambiental colocadas em prática pelas suas comunidades e organizações com base em atividades de etnomapeamento realizadas em 2005.

Destacaram, contudo, grande preocupação, por um lado, com o projeto da estrada Cruzeiro do Sul-Pucallpa, pelos impactos ambientais e sociais que sua abertura causará na ampla região da Serra do Divisor e nas imediações de suas terras indígenas; e, por outro lado, com o início dos "levantamentos geoquímicos de superfície" nos limites e no entorno de suas terras e de outras (Campinas/Katukina e Jaminawa do Igarapé Preto) no Vale do Juruá, além de no Parque Nacional da Serra do Divisor. Estranharam e criticaram o fato dessa atividade tivesse sido iniciada no limite de suas terras sem qualquer procedimento de consulta e de informação às suas organizações.

Informaram, ainda, que caminhos próximos às TIs Poyanawa e TI Nukini foram, em anos anteriores, utilizados como rotas de passagem por "mulas" do narcotráfico, peruanos e brasileiros, vindos do lado peruano da fronteira, com carregamentos de pasta base de coca. Constrangimentos ocorreram em ambas as comunidades quando da passagem desses grupos, às vezes fortemente armados. As lideranças ressaltaram a importância da atuação do Exército, no São Salvador, e das Polícias Federal e Militar tanto em ações de fiscalização no rio Moa como no apoio prestado às ações de vigilância periodicamente realizada pelos Poyanawa nos limites de sua terra.


Reivindicações e propostas

Com base nas discussões levadas a cabo nos três dias do seminário; nos resultados dos últimos dois encontros do Grupo de Trabalho para a Proteção Transfronteiriça da Serra do Divisor e Alto Juruá (Brasil/Peru), realizados nas TIs Kampa do Rio Amônia e Poyanawa em maio e outubro de 2008; e levando em consideração a "Declaração de Pucallpa", resultante de encontro organizado pelo CTI, o CIPIACI e a FENAMAD em novembro último, os representantes das organizações indígenas e de outras instituições presentes elencaram as reivindicações e propostas a seguir:

A) Proteção dos índios isolados e seus territórios

1) Exigir do governo peruano que políticas sejam efetivadas para a proteção dos direitos humanos e territoriais dos povos indígenas "em isolamento voluntário e contacto inicial" que vivem nas Reservas Territoriais Murunahua e Mashco-Piro e no Parque Nacional Alto Purús, nas imediações do Paralelo de 10oS, e para a definitiva interrupção das atividades ali realizadas por madeireiros ilegais. Exigir também medidas para a efetiva proteção da Reserva Territorial Isconahua, que incluam o combate à atividade de extração ilegal de madeira e a revisão das concessões de mineração nela sobrepostas, situadas no limite da parte norte do Parque Nacional da Serra do Divisor.

2) Recomendar ao governo brasileiro que entendimentos sejam realizados junto ao governo peruano para que essas políticas de proteção dos direitos humanos e territoriais dos povos isolados sejam efetivadas, tendo em visto as graves conseqüências que a exploração ilegal de madeira tem também causado em terras indígenas no Estado do Acre, onde conflitos, com conseqüências mais graves, poderão ocorrer em comunidades Kaxinawá, Ashaninka, Madijá e de outros moradores do entorno dessas terras indígenas.

3) Reivindicar que os governos do Brasil e do Peru, e dos governos do Acre e do Departamento do Ucayali, dêem prioridade à discussão de políticas voltadas à garantia dos direitos humanos e dos povos indígenas isolados em acordos e instâncias binacionais de negociação, a exemplo do "Grupo de Trabalho Binacional Brasil-Peru sobre Cooperação Amazônica e Desenvolvimento Fronteiriço" e do "Fórum Binacional de Integração e Cooperação para o Desenvolvimento Econômico Sustentável do Estado do Acre/Brasil e da Região Ucayali/Peru".

4) Congratular a disposição da FUNAI de, por meio da Presidência do órgão e da Coordenação Geral de Índios Isolados (CGII), instaurar relações de cooperação com o Instituto Nacional de los Pueblos Indígenas, Andinos, Amazónicos y Afroperuanos (Indepa) e realizar intercâmbios e capacitação de equipes de organizações indígenas que, no âmbito do "Proyecto de Pueblos Indígenas en Aislamiento Voluntario", têm implantado postos de vigilância em reservas territoriais no Peru.

5) Recomendar à CGII e à FPERE que estabeleça uma política de constante informação a respeito das ações da FPERE e garanta a participação das lideranças indígenas no planejamento e na definição das ações destinadas à proteção dos isolados;

6) Louvar a assinatura do Termo de Cooperação Técnica entre o Governo do Estado do Acre e a Presidência da FUNAI, visando o fortalecimento das ações da FPERE; o avanço nos processos de regularização das terras indígenas; o apoio a políticas de gestão e vigilância territorial nas terras indígenas; e a melhoria da atuação do órgão indigenista em Cruzeiro do Sul e em outras sedes municipais. E demandar, no âmbito desse Termo, a definição, por meio de convênio específico entre o Governo do Estado e a CGII, de um plano de trabalho referente ao componente "índios isolados", visando dar pronto início às seguintes ações:

a. Criação e implantação do Posto Indígena de Vigilância Santa Rosa até abril de 2009, visando a efetiva fiscalização da TI Riozinho do Alto Envira (demarcada em dezembro de 2008);
b. Realização de oficinas de informação e sensibilização em comunidades indígenas que compartilham terras com povos isolados (TIs Kaxinawá do Rio Jordão, Kaxinawá do Rio Humaitá, Kampa e Isolados do Rio Envira, Kulina do Rio Envira, Kulina do Igarapé do Pau, Jaminauá/Envira e Mamoadate), nas comunidades não-indígenas do entorno, situadas nos rios Tarauacá, Envira, Muru, Iboiaçu e Santa Rosa, e nas sedes municipais;
c. Formalização, por meio de cartas de acordo, das recomendações e agendas resultantes das oficinas, de forma a garantir uma efetiva participação das lideranças indígenas no planejamento das ações que visam a proteção dos índios isolados;
d. Realização, no âmbito das oficinas, de atividades específicas de sensibilização voltadas aos agentes indígenas de saúde a respeito da alta vulnerabilidade dos isolados em relação a doenças infecto-contagiosas;
e. Garantia de uma maior agilidade nos processos administrativos referentes ao pagamento de bens e serviços necessários às ações da FPERE.

7) Criar condições para o monitoramento dos territórios de índios isolados com o uso de imagens de satélite, enquanto ferramenta complementar às metodologias e práticas já utilizadas pelo Sistema de Proteção aos Índios Isolados da CGII/FUNAI.

8) Solicitar que a Secretaria de Estado de Meio Ambiente disponibilize mapas das terras indígenas com a presença de índios isolados acima relacionadas, com a finalidade de dar suporte às discussões durante as oficinas de informação e sensibilização.

9) Recomendar que mecanismos sejam discutidos para compensar as famílias e comunidades que tiverem bens furtados por índios isolados, ficando a FPERE responsável pela comprovação do ocorrido.
10) Viabilizar, por meio da CGII/FUNAI, condições necessárias à realização de expedições para verificar referências sobre a existência de índios isolados no Parque Nacional da Serra do Divisor (no 64) e no Parque Estadual Chandless.

B) Vigilância das terras indígenas e unidades de conservação na fronteira internacional

1) Recomendar que políticas fronteiriças comuns sejam implementadas pelos governos do Brasil e do Peru, voltadas ao uso sustentado e à conservação do meio ambiente e da biodiversidade, à proteção de terras indígenas e unidades de conservação e à garantia dos direitos humanos dos povos indígenas e dos demais moradores nessa região.

2) Sugerir, nesta mesma direção, que sejam retomadas discussões já mantidas entre diferentes órgãos dos governos brasileiro e peruano visando a delimitação de uma zona de exclusão de atividades que têm resultado em significativos impactos ambientais nos dois lados da fronteira e na violação de direitos humanos.
3) Reivindicar instâncias para uma efetiva participação das organizações de representação dos povos indígenas e dos demais moradores da região de fronteira na definição e execução dessas políticas públicas dos governos brasileiro e peruano.

4) Reivindicar a continuidade das operações do governo federal (Exército, Polícia Federal, IBAMA e FUNAI) para fiscalização da fronteira com o Peru, no Vale do Juruá, com o objetivo de combater invasões promovidas por empresas madeireiras e a atuação de traficantes em território brasileiro, no Parque Nacional da Serra do Divisor e nas terras indígenas (Kampa do Rio Amônea, Nukini, Poyanawa, Jaminawa do Igarapé Preto e Mamoadate) situadas nessa região.

5) Recomendar que entendimentos e parcerias sejam estabelecidos pelos contingentes do Exército sediados em Assis Brasil, Santa Rosa, Marechal Thaumaturgo e São Salvador, com organizações indígenas e de representação das populações que habitam unidades de conservação situadas na fronteira, visando definir agendas e ações conjuntas para a vigilância dessas áreas reservadas e dessa região. Ressaltar que, quando tiverem por objeto terras indígenas onde há habitação de índios isolados, essas ações devem resultar de entendimentos com a CGII e contar com a participação da Coordenação da FPERE.

6) Recomendar ao Governo do Estado do Acre que dê atenção e acompanhamento às dinâmicas fronteiriças e aos impactos que estas têm causado sobre terras indígenas e unidades de conservação na região de fronteira, visando a definição de agendas próprias e a participação pró-ativa na definição e implementação das políticas do governo federal bem como de acordos binacionais. A participação de representantes de organizações indígenas de terras situadas na fronteira deve ser assegurada nessa iniciativa a ser priorizada pelo governo estadual.

C) Políticas de desenvolvimento e "integração regional"

1) Exigir que os governos do Peru e do Brasil cumpram as recomendações contidas na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas quanto à promoção de consultas, prévias, consentidas, informadas e de boa-fé, às comunidades e organizações indígenas a respeito das políticas oficiais de desenvolvimento e de atos legislativos que afetem seus modos de vida e territórios e modos de vida.

2) Reafirmar a posição contrária do movimento indígena do Vale do Juruá à construção de uma estrada ligando as cidades de Pucallpa e Cruzeiro do Sul, tendo em vista os impactos ambientais e sociais negativos que esta terá no Parque Nacional da Serra do Divisor, na Reserva Territorial Isconahua, em terras indígenas, unidades de conservação e projetos de assentamento situados em sua vizinhança e em outras áreas ricas em biodiversidade.

3) Repudiar a recente aprovação pelos Congressos brasileiro e peruano, sem qualquer processo de consulta prévia, de projetos para a construção de uma ferrovia ligando esses dois países, novamente com traçado proposto para atravessar o PNSD e a Reserva Territorial Isconahua.

4) Alertar sobre as conseqüências também desastrosas que resultarão, em ambos os lados da fronteira internacional, e inclusive para os povos indígenas isolados, da abertura da estrada entre Puerto Esperanza-Iñapari.

5) Louvar os recentes entendimentos entre os governos Estado do Acre e do Departamento do Ucayali visando a reativação do "Fórum Binacional de Integração e Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável da Região Acre-Ucayali", cujas atividades encontram-se paralisadas desde outubro de 2006.

6) Sugerir que as recomendações resultantes dos últimos encontros do Grupo de Trabalho para a Proteção Transfronteiriça da Serra do Divisor e Alto Juruá (Brasil/Peru), e no presente documento, sejam levadas em consideração e incorporadas como subsídios em futuras reuniões das comissões técnicas que compõem o Fórum Binacional.

D) Prospecção e exploração de petróleo e gás

1) Alertar para os impactos ambientais, sociais e culturais negativos que ocorrerão em reservas territoriais de índios isolados (Murunahua, Mashco-Piro e Isconhaua), em territórios de comunidades nativas e em unidades de conservação, criadas (Parque Nacional Alto Purus) e propostas (Reservas Comunais Yurua e Inuya-Tahuania) como resultado das atividades de prospecção e exploração de petróleo e gás nos Lotes 111, 113, 110, 126 e 138 concedidos pelo governo peruano a empresas transnacionais.

2) Alinhados com a posição assumida pela Associação Ashaninka do Rio Amônia (Apiwtxa) em agosto de 2008, externamos nossa indignação em relação à atuação da empresa brasileira Petrobras Energia Peru S.A. no Lote 110, em área sobreposta à Reserva Territorial Murunahua, destinada à proteção de índios isolados, e a territórios de outras comunidades nativas. Reafirmamos a posição de que a intenção da Petrobras de iniciar a prospecção e a exploração de petróleo e gás nesse lote constitui flagrante e condenável contradição com o discurso de responsabilidade socioambiental adotado pela empresa no Brasil e com a legislação que é obrigada a respeitar em nosso país.

3) Chamar a atenção para os futuros impactos da exploração de petróleo e gás em regiões fronteiriças do território peruano sobre terras indígenas e unidades de conservação situadas no lado brasileiro, em águas binacionais (caso dos altos rios Acre e Juruá).

4) Reafirmar uma posição contrária às atividades de prospecção de petróleo e gás no Alto Juruá e em todo o Estado do Acre, iniciadas, em 2008, sem qualquer consulta prévia, informada e de boa fé às organizações e comunidades indígenas e de seringueiros e agricultores de nossa região.

5) Reivindicar que os órgãos ambientais (IBAMA, ICMBio e IMAC) e os Ministérios Públicos Federal e Estadual garantam o estrito cumprimento da legislação e das salvaguardas ambientais pertinentes a essas atividades, bem como o direito à informação e à consulta da sociedade, e especialmente das populações que vivem na floresta, a respeito das atividades em curso e planejadas para a prospecção e da exploração de petróleo e gás no Estado do Acre.

6) Recomendar que o Ministério Público Federal solicite esclarecimentos da Agência Nacional de Petróleo e das empresas envolvidas a respeito das atividades de prospecção de petróleo e gás incidentes nos limites e no entorno de terras indígenas e unidades de conservação no Vale do Juruá acreano.
Por fim, a CPI-Acre, na condição de organizadora do Seminário, reafirmou o seu compromisso de buscar meios para continuar a promover novos encontros voltados à discussão e construção de agendas para o fortalecimento das ações da FPERE para a garantia dos direitos e da proteção dos territórios dos isolados no Estado do Acre, ao estreitamento do diálogo entre as organizações indígenas e a FPERE, à capacitação e instrumentalização das organizações e lideranças indígenas e ao intercâmbio de informações a respeito das dinâmicas fronteiriças que, nos últimos anos, profundos impactos têm produzido em terras indígenas e unidades de conservação do lado brasileiro.

Rio Branco, 3 de dezembro de 2008

Assinam:

Organizações indígenas de representação:

Brasil
Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ)
Organização dos Povos Indígenas do Rio Tarauacá (OPITAR)
Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC)
Organização dos Professores Indígenas do Acre (OPIAC)
Peru
Asociación de Comunidades Nativas Ashaninka Asheninka de Masisea y Callería (ACONAMAC)
Associações indígenas
Associação Agro-Extrativista Poyanawa do Barão e Ipiranga (AAPBI)
Associação do Povo Indígena Nukini (AIN)
Associação Ashaninka do Rio Amônia (APIWTXA)
Associação Kaxinawá do Rio Breu (AKARIB)
Associação dos Seringueiros Kaxinawá do Rio Jordão (ASKARJ)
Associação de Cultura Indígena do Rio Humaitá (ACIH)
Associação dos Povos Indígenas Kaxinawá do Rio Humaitá (ASPIH)
Organização do Povo Huni Kui do Alto Purus (OPIHARP)
Manxineryne Ptohi Kajpaha Hajene - Organização do Povo Manchineri do Rio Iaco (MAPKAHA)
Organizações do Movimento Social
Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre)
SOS Amazônia
Centro de Trabalho Indigenista (CTI)
Instituto del Bien Común (IBC) - Peru

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PIB:Acre

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