Nesses termos Jorge, liderança da Terra Indígena Pirakuá, município de Bela Vista (MS), foi externando sua esperança, apesar de tudo. Fomos visitar sua família, nuclear e extensa, em seu espaço ao pé da mata e da montanha. Foram dias de intenso mergulho na vida, cultura e desafios do povo Guarani. Tínhamos muita sede de conhecer a terra e a gente da comunidade da primeira retomada, da longa luta pela terra Kaiowá Guarani das últimas décadas.
Um pouco da história e da luta
Pirakuá, que quer dizer o buraco do peixe, é um tekohá retomado em 1985. Foi a primeira terra reconquistada desde 1925, quando do processo de confinamento em pequenas áreas ou reservas, pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI). "É pena que o pirakuá (o buraco do peixe) tenha ficado fora da demarcação", comenta Jorge. De fato é um lugar muito bonito e significativo, povoado de lendas e mitos, numa das voltas do rio Apa.
Pirakuá, apesar de ter pouco mais de 2 mil hectares é hoje um lugar muito especial dentro do contexto das terras indígenas Kaiowá Guarani. Terra muito fértil às margens do rio Apa, muito piscoso e com mais de mil hectares de mata atlântica, praticamente intacta. A área está se tornando referência na luta dos mais de 40 mil Kaiowá Guarani do MS, pois é a sementeira que ajudará a recompor a mata - reflorestar com árvores nativas - as outras terras devastadas.
Imaginário de lendas e mitos
"Documenta bem o pirakuá, pois muitos dos nossos filhos e crianças não o conhecem. Apesar de estar a uma distância de mais ou menos três mil metros da aldeia, esse lugar belo e misterioso é desconhecido por grande parte da população mais jovem da aldeia. Margeando o rio Apa fomos caminhando pela pastagem da fazenda Pedra Branca, onde grande parte da mata ciliar foi destruída. No caminho foi nos mostrando as diversas plantas medicinais e a árvore yvyrá araundu, do qual se faz o "xiru" - uma espécie de cruz e borduna sagrada.
Ao cruzarmos por um córrego de água límpida, Jorge passou a dissertar longamente sobre a importância da água, que é nossa vida. Irmã Joana aproveitou para saciar a sede.
Chegando no buraco do peixe, ele logo foi explicando que esse lugar é povoado de espíritos que aparecem em diversas formas àqueles que vão ali pescar. Por isso é um lugar muito respeitado.
Sonho e realidade
Com certa tristeza seu Jorge desabafa: "Terminou os trabalhador Kaiowá Guarani. Os velinhos aposentaram a enxada, a foice, o machete - uma espécie de faca do mato, com dois gumes. Agora esperam a aposentadoria chegar. A família espera o auxilio escola, o auxilio família, a cesta básica do governo, depois a cesta básica da Funai, e assim vai passando, ficando mal acostumada. Isso não existia dentro da nossa cultura, onde a gente trabalhava e se divertia, rezava e fazia festa com aquilo que a gente plantava e colhia. Hoje está tudo mudado. A maioria depende da ajuda do governo (programas sociais). Mas eu tenho um sonho. Quero ver um dia nosso povo ter escola que seja conforme a nossa cultura e que ao mesmo tempo ajude a enfrentar a dura realidade atual. Sonho com uma escola que dê possibilidades a nossos jovens a voltar a viver da terra, plantar e colher conforme sempre foi nas aldeias, ajudados com mais outros conhecimentos, possibilitando assim a conquistar a autonomia dentro de nossas terras".
A casa de Jorge é também casa onde já passaram vários estudiosos desse povo, ficando meses partilhando conhecimentos, sabedoria e cultura do Kaiowá Guarani. Ele não se cansa. Tem pressa em passar tudo que conhece, vive e sonha para outros. Ele é um dos "livros vivos", como o são tantos anciões.
Buracos e atoleiros
Indo em direção à sua casa, Jorge foi chamando atenção para o abandono em que estão por parte do município. Estradas como a que vai à sua casa estão intransitáveis, com enormes buracos e atoleiros. Disse que já foi falar na prefeitura, exigir providências, mas até agora nada de arrumarem as estradas. A ponte sobre o rio Apa também está torta, com risco de desabar a qualquer momento, caso não sejam tomadas providências. "Bota no jornal, só assim eles vão fazer algo", dizia ele.
Lutador pela terra e vida Kaiowá Guarani
Jorge é uma das lideranças que desde a década de 1980 começaram a luta pela demarcação das terras Kaiowá Guarani no MS. Foi com ele que aconteceu a primeira retomada dos tekohá.
Jorge participou do encontro de acadêmicos e vereadores indígenas, realizado semana retrasada. Para ele, o eixo principal das discussões e conversas feitas durante esses dias em Dourados é a demarcação das terras. "Eu tenho pensado que essas oito aldeias que conseguimos demarcar, na década de oitenta - Piraúá, Sete Serros, Gauasuty, Cerrtio, Jaguari, Paraguasu, Jauapiré e Jarará, foi uma luta favorável, pois tínhamos bastante apoio dos nossos aliados e muita união e disposição do nosso povo. Quando os nhanderu falavam é hoje, nada conseguia impedir a volta à terra tradicional", disse.
Depois, de acordo com ele, houve um esvaziamento dos órgãos de apoio. E somente agora estão novamente ressuscitando a luta pela demarcação de suas terras. "Estamos ocupando novos espaços de apoio, como os parlamentares indígenas, que estão nos ajudando na reconquista de nossas terras. Também temos a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), brigando lá em cima por nós. Também na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) vamos ter o nosso representante".
Segundo Jorge, os Kaiowá Guarani tem certa autonomia, mas precisam de recursos para isso, não ficando a mercê das políticas assistencialistas do governo. "Eu penso que teremos que ter algum projeto que nos ajude a andar com as próprias pernas. Precisamos ter a capacitação de nossas lideranças. Pensei num curso de capacitação para os nossos jovens".
A participação de indígenas no cenário político brasileiro também sinaliza mudança e a vinda de novos tempos. Para a liderança seria importante que os indígenas pudessem ocupar esses espaços, tendo inclusive um número maior de vereadores. Ele acredita que assim teriam mais força política, não tendo que, à época das campanhas políticas, ouvir somente falsas promessas, mas fala dos parentes que falariam ao povo a importância da luta e da mobilização para a conquista dos territórios.
http://www.cimi.org.br/?system=news&action=read&id=5650&eid=352
PIB:Mato Grosso do Sul
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