Governo vê ligação entre queimadas e conflitos no campo

FSP, Cotidiano 2, p. 5 - 19/10/2012
Governo vê ligação entre queimadas e conflitos no campo
Terras indígenas invadidas ou ilegalmente exploradas estão entre as campeãs de incêndios, segundo a Funai
Para Ministério Público Federal, falta uma política permanente de contenção do uso dessas áreas pelos não índios

REYNALDO TUROLLO JR.
DE SÃO PAULO

Terras indígenas invadidas ou cujos recursos naturais são ilegalmente explorados por não índios estão entre as campeãs de queimadas. Segundo a Fundação Nacional do Índio, o rastro do fogo pode apontar áreas em disputa.
"Em terras que não estão em posse plena dos índios, é comum que outros atores se envolvam em atividades que resultem em incêndios", diz Tatiana Vilaça, da Funai.
A afirmação se baseia no cruzamento de dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que monitora os focos de queimada no país, com a análise da situação fundiária das terras.
"Caso clássico dessa relação é o da terra indígena Marãiwatsédé, em Mato Grosso, em que os índios ocupam só parte do local", diz Vilaça.
De 1o de agosto a 25 de setembro, período de seca, a Marãiwatsédé registrou 60 focos de incêndio. Há anos, o Ministério Público Federal em Mato Grosso pede a saída de não índios do local.
Das terras indígenas que mais queimaram no país em agosto e setembro, três estão no Maranhão: Bacurizinho, Arariboia e Cana Brava.
"Todas sofrem pressão de madeireiras, carvoarias e fazendeiros", diz o procurador Alexandre Soares, do Ministério Público Federal, no MA.
A maior queixa do procurador é quanto à fiscalização. "Não tem política permanente de contenção do uso dessas áreas pelos não índios", afirma. A Funai não se pronunciou sobre a crítica.
Na terra indígena Bacurizinho, em Grajaú (MA), onde os índios pedem revisão da demarcação, houve 780 focos no período. "Pessoas que iriam perder área são acusadas pelos índios de exercer pressão cada vez maior por meio de desmatamento e implantação de empreendimentos, como carvoarias", diz Soares.
"É de se esperar que quem ocupa uma terra ilegalmente queira abrir logo a área para descaracterizá-la e depois ter um argumento para ter sua posse", diz Paulo Junqueira, do Instituto Socioambiental.
Na terra indígena do Araguaia (TO), a que mais queimou no período (1.252 focos), o conflito é de outra ordem.
Segundo o procurador Álvaro Manzano, a reserva se sobrepõe a parte do Parque Nacional do Araguaia. A direção do parque não quer que pescadores entrem, mas os índios negociam a atividade.
Em agosto, o chefe do parque do Araguaia, Raoni Merisse, disse suspeitar de que um incêndio no local tivesse sido causado por pescadores.
Entre agosto e 25 de setembro, o Inpe captou 10.208 focos de incêndio em 198 terras indígenas -há, no total, 689.


Fogo ameaça plantações em terras indígenas
DE SÃO PAULO
Técnicas usadas por índios do Xingu, em Mato Grosso, para controle das chamas estão falhando devido a mudanças no microclima do parque, segundo o Instituto Socioambiental (ISA).
A terra indígena do Xingu é a sétima em focos de queimada -entre 1o de agosto e 25 de setembro foram 403.
Segundo Paulo Junqueira, coordenador-adjunto do programa Xingu do ISA, o fogo é iniciado pelos próprios indígenas. Porém, o desmatamento ao redor da área protegida causa reflexos em seu interior.
"Os sinais da natureza que indicavam a hora de iniciar o fogo não necessariamente indicam, como antes, que vai chover em seguida. O clima ficou maluco, os índios perderam o compasso. O fogo está saindo do controle", afirma o coordenador do programa.
Além disso, a limitação do território pela demarcação obriga que se queimem a cada ano áreas mais próximas, que vão ficando vulneráveis ao espalhamento do fogo.
De acordo com a Funai, outro problema é a passagem de rodovias em reservas, que traz riscos como o dos escapamentos dos caminhões.
Para Gilderlan da Silva, do Conselho Indigenista Missionário, em Bacurizinho (MA), o fogo põe em risco a segurança alimentar nas aldeias.
O controle das chamas nessas terras é feito pelo Prevfogo, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente. Na prática, segundo Silva, os próprios índios combatem as chamas na maioria das vezes.
(RTJ)


Faltam investimentos em fiscalização e monitoramento
A MAIOR PARTE DESSES FOCOS DE CALOR DECORRE DO USO DO FOGO NA LIMPEZA DE ÁREAS COMO FORMA DE PREPARAÇÃO PARA A AGROPECUÁRIA EXTENSIVA

ELIS ARAÚJO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Parte dos focos de calor em terras indígenas decorre de causas naturais e de práticas culturais dos índios, como abertura de roças.
Entretanto, a maior parte desses focos de calor decorre do uso do fogo na limpeza de áreas como forma de preparação para a agropecuária extensiva. Além disso, a exploração madeireira sem manejo adequado degrada as florestas e as torna mais suscetíveis a queimadas.
Essas atividades são realizadas predominantemente por não índios e resultam em perda de biodiversidade e emissão de gases de efeito estufa, além de comprometerem a segurança alimentar e a reprodução cultural das populações indígenas.
A Constituição Federal assegura aos índios o usufruto exclusivo de suas terras e de seus recursos naturais.
Portanto, quando uma terra indígena é demarcada e tem seus limites definidos, a população não indígena deve ser retirada.
A presença de não índios nessas terras decorre da morosidade do processo de demarcação das áreas e de falhas nas ações do governo para a retirada de não índios.
O governo afirma não ter recursos para indenizar as benfeitorias de ocupações de boa-fé e para as ações de desocupação forçada. Além disso, longas batalhas judiciais sobre o processo de demarcação, a retirada de não índios e indenizações retardam ações de desocupação.
Por exemplo, em julho deste ano, 13 anos depois de iniciada a ação judicial, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região decidiu pela retirada imediata de não índios do Parque Indígena do Araguaia e argumentou que o direito a eventual indenização não pode ser obstáculo para a desocupação da terra.
Para assegurar a integridade das áreas, além de retirar não índios, o governo precisa investir em ações contínuas de fiscalização e monitoramento, bem como na promoção de atividades econômicas sustentáveis que proporcionem o bem-estar indígena.

ELIS ARAÚJO é advogada e pesquisadora assistente do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia)

FSP, 19/10/2012, Cotidiano 2, p. 5

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/72870-governo-ve-ligacao-entre-queimadas-e-conflitos-no-campo.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/72871-fogo-ameaca-plantacoes-em-terras-indigenas.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/72872-faltam-investimentos-em-fiscalizacao-e-monitoramento.shtml
Amazônia:Queimadas

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