Após 24 horas de conflitos em Humaitá, no sul do Amazonas, a Polícia Federal de Rondônia anunciou nesta quinta-feira (26) que enviará uma força-tarefa, com apoio da Força Nacional de Segurança e da Polícia Militar do Amazonas, nas próximas horas para investigar dentro da reserva dos índios Tenharim o paradeiro de três pessoas desaparecidas há 11 dias.
Como consequência dos desaparecimentos, manifestantes ameaçaram de morte 140 índios das etnias tenharim, parintintin, jiahau e uru-eu-wau-wau. Eles estão refugiados dentro do quartel do 54" Batalhão de Infantaria de Selva (BIS) do Exército desde a madrugada de quarta-feira (25) na cidade Humaitá, da qual o único acesso é a rodovia Transamazônica, a 591 quilômetros de Manaus.
Segundo o comandante da Polícia Militar de Humaitá (AM), major Luzeiro, a proteção dos índios dentro do quartel ocorreu depois que cerca de 3.000 moradores da cidade atearam fogo em carros e barcos da Funai (Fundação Nacional do Índio), na sede do órgão, na Casa do Índio da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), único local de tratamento de saúde indígena.
Funcionários da Funai (aproximadamente dez no total) também estão recebendo ameaças. Desde esta quarta-feira (25), quando a revolta explodiu, eles deixaram suas casas pelo receio de também serem agredidos. As ameaças têm sido constantes e muitos estão retirando os pertences de suas casas com temor de novos ataques, segundo os servidores.
O portal apurou que a presidência da Funai está organizando uma logística para retirar os servidores do órgão de Humaitá e levá-los para outro local. "Os indígenas estão seguros no batalhão. Mas não podemos ir para lá. Estamos encurralados, com medo. Agora à tarde até fecharam o acesso na estrada que vai até o quartel, que fica a oito quilômetros da cidade. Estamos tentando nos esconder", disse uma funcionária do órgão que pediu para seu nome não ser publicado por questões de segurança.
Segundo a Polícia Federal, os manifestantes responsabilizam os índios tenharim pelo sequestro e desaparecimento de três pessoas, sendo um funcionário da Eletrobrás. Nos protestos, eles exigiram uma investigação dentro da reserva indígena para localizar o paradeiro dos desaparecidos.
Em nota, a Polícia Federal de Rondônia informou que uma equipe de policiais federais se deslocou no dia 19 de dezembro para reserva indígena Tenharim/Marmelo a fim de localizar os desaparecidos, mas as diversas diligências não tiveram êxito. Diante das informações coletadas, a PF decidiu deflagrar uma operação para identificar o paradeiro dos desaparecidos
Vingança
A Polícia Militar trabalha com a suspeita de que os desaparecimentos estejam relacionados com a morte do cacique Ivan Tenharim, 45 anos. Ele foi encontrado com marcas de espancamento às margens da BR 230, Rodovia Transamazônica, no dia 2 de dezembro. Os desaparecimentos podem ser uma vingança, suspeita o policial.
O major Luzeiro disse que alguns moradores ameaçaram atear fogo em casas de indígenas ou mesmo atirar contra eles na estrada, caso os encontrassem. Um site de notícias, diz o policial, está sendo investigado por incitação à violência e discriminação no caso.
Um reforço de 130 homens da PM, segundo o major Luzeiro, foi enviado de Manaus para controlar a multidão revoltada em Humaitá. "Por volta das 4h da madrugada de ontem (25) a situação estava mais calma, mais controlada. Mas tivermos que proteger os índios para evitar mais violência à pedido da Funai", disse o comandante. "Também estamos investigando o site de notícia por incitação e discriminação à violência e incitação", concluiu.
Suposto Assassinato
A reportagem procurou à Funai (Fundação Nacional do Índio), em Brasília, já que os funcionários de Humaitá também estão ameaçados de morte. Segundo Carlos Travassos, da Coordenação-geral de Índios Isolados, a Funai trabalha com a suspeita de assassinato para a morte do cacique Ivan Tenharim.
Um inquérito foi aberto na Polícia Federal, mas não há pistas sobre os autores do crime. Travassos disse que em razão da morte do cacique, o clima estava tenso entre os índios. "Mas não fazemos ideia do motivo do sumiço das três pessoas. Só tem crime, quando tem corpo", afirmou Travassos.
Carlos Travassos disse que a reação da população de atear fogo no prédio da Funai e ameaçar os índios, homens, mulheres e crianças, é inexplicável. "Não entendi essa reação da população. Eles destruíram os carros e barcos, passamos três anos para equipar a coordenação de Humaitá", disse.
A mesma funcionária da Funai que falou com o Amazônia Real disse que a situação se descontrolou e que a revolta contra os três homens desaparecidos tomou outro rumo, com "pessoas se aproveitando" da situação.
"Explodiram carros, lanchas, barcos, duas salas da Funai. Hoje arruaceiros invadiram novamente o prédio da Funai. Uma cena catastrófica. Os índios tiveram que fugir e os servidores ficaram tocaiados. Parece que a intenção das pessoas foi se valer desse fato das pessoas que sumiram para fazer uma grande manifestação contra os índios. Oitenta por cento da população de Humaitá está contra os índios. Tem envolvimento político nesse protesto", disse a servidora.
Ivaneide Bandeira, coordenadora da ONG Kanindé, que trabalha com etnias do sul do Amazonas, disse que entre os índios refugiados há mulheres e crianças. "Uma indígena da etnia uru-eu-wau-wau nos ligou relatando muito medo com a revolta de não-índios. No quartel há mulheres e crianças na mesma situação. Isso só aconteceu porque o governo não tomou uma atitude no momento certo. Agora estão incitando a discriminação e o ódio contra os índios", afirmou.
O portal apurou que muitos indígenas refugiados no quartel tinham ido à Humaitá para participar de uma reunião sobre atendimento de saúde nas aldeias. No grupo, há também mulheres e crianças, além de algumas lideranças indígenas.
A reportagem não conseguiu contato com os indígenas que estão no quartel ou com alguma liderança tenharim. Nas aldeias, não tem sinal de celular.
Desaparecidos
Os três desaparecidos são: Stef Pinheiro de Souza, que é professor da rede pública municipal de Apuí, Aldeney Ribeiro Salvador, gerente da Eletrobrás Amazonas Energia em Santo Antônio do Matupi (Distrito de Manicoré) e Luciano da Conceição Ferreira Freire, representante comercial e mora em Humaitá.
Stefanon Pinheiro de Souza, irmão do professor Stef Pinheiro de Souza, disse ao Amazônia Real que sua família não participou do protesto violento, mas admitiu que "entendeu" a revolta da população. Segundo ele, a manifestação serviu para que "as autoridades deem respostas e que tomem providências em relação aos índios".
Stefafon acredita que o irmão e os outros dois homens estejam vivos, mas que é preciso dar respostas sobre o motivo que os indígenas terem "sequestrados".
"A gente tem certeza que foram os índios que pegaram eles. Mas queremos uma resposta das autoridades. Não dá para ficar esperando. Hoje soube que estão montando a ida de um contingente de 300 homens para ser enviado para a aldeia e eu quero participar disso. Vou estar na frente ou atrás, mas quero ir", disse Stefafon.
Em nota, a Funai repudiou a violência e os atos de vandalismo em Humaitá. "Atos de vandalismo contra o patrimônio público são injustificáveis e configuram ilícitos". Também solicitou a população de Humaitá, que ainda realiza manifestações, que libere os acessos aos municípios da região para que as autoridades policiais possam realizar seus trabalhos e tranquilizar todos moradores daquela região.
Quem são os tenharim
O povo tenharim vive na região do rio Madeira, no sul do Amazonas, e pertence ao conjunto de povos que se autodenominam Kagwahiva, falantes da língua Tupi-Guarani. Hoje são cerca e 1.200 índios, segundo a Funasa.
Suas reservas estão homologadas e somam 1.311.024 hectares dividas nas terras: Sepoti, Tenharim/Marmelo, Igarapé Preto, Tenharim/Marmelho (Gleba B).
As terras são ameaçadas de invasões de madeireiros e grileiros com o avanço das frentes de desmatamentos na região de Santo Antônio de Matupi, distrito do município de Manicoré, localizado na BR-230 (Transamazônica). O local é mais conhecido como "180", por estar localizado no KM-180.
Desde de 2006, os tenharim cobram pedágio no quilômetro 145 da rodovia Transamazônica aos motoristas que trafegam na estrada. Para a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), o pedágio é como uma compensação por décadas em que a estrada passa dentro da reserva e um ressarcimento pelos danos causados à etnia.
http://amazoniareal.com.br/forca-tarefa-investigara-desaparecidos-na-reserva-tenharim-am
PIB:Tapajós/Madeira
Related Protected Areas:
- TI Tenharim do Igarapé Preto
- TI Tenharim/Marmelos
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- TI Tenharim Marmelos (Gleba B)
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