"A política de Integração era uma política genocida"

Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos- http://cemdp.sdh.gov.br - 21/05/2014
A antropóloga Iara Ferraz é pesquisadora do Colégio Brasileiro de altos estudos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e acompanha os índios Aikewara desde a década de 1970. Recentemente ela elaborou, junto com os índios, um relatório com depoimentos, que narram as graves violações de direitos sofridas pela etnia através das forças de repressão da Ditadura Civil-militar, durante a Guerrilha do Araguaia.

"Eles foram vítimas sem opção. Foram batedores do exército sem saber exatamente o que era aquilo", analisa. Mas os Aikewara que ocupam um território na Terra Indígena Sororó, situada nos municípios de Brejo Grande do Araguaia, São Geraldo do Araguaia e Marabá, a sudeste do estado do Pará, não foram os únicos índios vitimados pela ditadura.


Antropóloga Iara Ferraz critica a política indigenista da Ditadura Militar


Iara Ferraz enumera uma série de violações cometidas pelo Estado. A primeira crítica é ao Estatuto do índio, lei que entrou em vigor em 1973. A lei considerava os povos indígenas como "relativamente capazes", sendo tutelados por um órgão estatal. "Eles eram equiparados às crianças. A figura da tutela restringia muito o poder ativo, a possibilidade deles entrarem em juízo", explica. Iara exemplifica: "Devido a essa tutela, o Estado fazia o que bem entendia e dava certidões negativas na presença deles para liberar territórios de incentivos fiscais para Amazônia, devido à política da SUDAM (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia) e para a abertura de estradas e ocupação de territórios".

A política implementada pelo estado brasileiro na ditadura, através da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), também é alvo de críticas da pesquisadora. "A FUNAI era comandada por coronéis corruptos que se revezavam entre a FUNAI e a Polícia Federal. Ela era ligada ao Ministério do Interior, que era o que fazia as grandes obras. Como que a FUNAI tá ligada ao Ministério do Interior?" e completa. "A política de Integração era uma política genocida, era uma política de extermínio mesmo e o extermínio físico foi praticado também pela ditadura". Iara relata o caso dos Waimiri-Atroari, na construção da Usina de Balbina, no norte do estado do Amazonas, na fronteira com Roraima. "Muitos índios morreram. Eles não queriam a construção da Usina e, de repente, tinham arame eletrificado dentro dos rios deles. Eles sofreram muitas acusações e todas as atrocidades cometidas estão sendo reveladas agora com o relatório Figueiredo que a Comissão Nacional da Verdade está fazendo", conta.

Várias foram as remoções de índios promovidas pelo estado brasileiro para dar lugar a fazendas e hidrelétricas. Os Panará no Mato Grosso do Sul e os Kaiabi no Mato Grosso são exemplos. "O Mato Grosso apresenta várias remoções feitas pelos irmãos Villas-boas. Tiraram os Parakanã para a construção da hidrelétrica de Tucuruí. Os Xavantes em 1976 foram retirados do seu território tradicional e foram levados para São Marcos em aviões da FAB, para dar lugar à instalação da fazenda Suiá-Missú no Mato Grosso", relata Iara.


GRIN e Aikewaras


Iara aponta também outra característica das violações cometidas pelas forças de repressão. Além de se apropriarem das terras indígenas para a construção de grandes empreendimentos como a rodovia Transamazônica e as usinas hidrelétricas, o estado brasileiro obrigou algumas etnias a colaborarem forçadamente com a ditadura. O caso dos Aikewara que foram obrigados a serem mateiros do exército brasileiro em busca dos guerrilheiros do Araguaia, fez com que durante muitos anos a etnia fosse acusada pela esquerda brasileira de ter colaborado com as forças de repressão. Fato desmentido apenas recentemente a partir do relatório elaborado pelos índios.

O outro exemplo é a Guarda Rural Indígena (GRIN). Segundo a portaria de 1969, que a criou, a GRIN teria a missão de "executar o policiamento ostensivo das áreas reservadas aos silvícolas". "Em Minas Gerais, na fazenda Guarani, índios de várias etnias eram treinados pelas forças repressivas, que os instruíam a torturar e a assumirem essas práticas", explica Iara.

A partir do relatório elaborado por Iara e os Aikewara, a etnia entrou com um pedido de indenização coletiva na Comissão de Anistia. Se aprovado, será o primeiro caso de indenização coletiva da Comissão de Anistia do Brasil. A antropóloga acredita que essa pode ser uma das alternativas para reparar as populações indígenas. "O reconhecimento dos erros e principalmente a reparação deles, sobretudo em termos territoriais é uma das possibilidades. Os Akiawara perderam todo o território deles e vivem hoje confinados numa área minúscula, por isso faz parte do pedido na Comissão de Anistia, a questão fundiária. Essa é uma parte importante da reparação", defende Iara.

A antropóloga alerta que os problemas enfrentados pelos índios na época da Ditadura ainda persistem. "A questão central são as terras e todas as ofensivas dos ruralistas, representadas por dezenas de projetos de emenda constitucional no legislativo pra derrubar direitos constitucionalmente conquistados pelos índios no Brasil". Iara contabiliza cerca de 17 códigos que estão sendo revistos e que colocam os territórios indígenas em risco. Ela cita como exemplo o Código de Mineração. "Muitas jazidas coincidem com terras indígenas e se for permitida a exploração de minerais nesses territórios, a vida dos índios corre risco". Iara cobra também a aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas. "O Estatuto dos Povos Indígenas está há 20 anos no congresso e precisa ser votado. O quadro é bem delicado e não temos muito o que comemorar", finaliza.



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Índios:Direitos Indígenas

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