Aconteceu, entre os dias 31 de maio e 08 de junho, nas aldeias Mamori e Barreiro, Terra Indígena Kanamari do rio Juruá-AM, um grande Encontro do Povo Kanamari, provavelmente o único encontro nessas proporções que se tem notícia, desde a dispersão destes povos nos tempos do segundo ciclo da borracha.
Sob o mote de Encontro de Marinawas (xamãs da ayahuasca), o encontro reuniu lideranças tradicionais, caciques, xamãs, cantadores, professores, agentes indígenas de saúde e jovens de 26 aldeias, inclusive oito representantes dos Tyohom-dyapa, índios em situação de recente contato - possivelmente um sub-grupo kanamari. As delegações, que viajaram durantes dias por rios e varadouros, vieram das bacias hidrográficas do Juruá, Javari e Jutaí, terras indígenas Vale do Javari, Mawetek e Kanamari do rio Juruá.
O Encontro foi promovido pela Associação Kanamari do Vale do Javari/AKAVAJA, juntamente com a Fundação Nacional do Índio/FUNAI e Museu do Índio/FUNAI, em parceria com o Centro de Trabalho Indigenista/CTI e apoio da Secretaria de Estado para os Povos Indígenas do Amazonas/Seind-AM. "Esse é um momento muito importante para o Povo Kanamari, porque nós nos reencontramos e conhecemos as realidades de cada aldeia, de cada calha de rio, de cada Terra Indígena. Nós nos fortalecemos contando nossas histórias, cantando nossos cantos, bebendo nosso ramih, assim nós nos unimos para lutar pelos nossos direitos", conta José Ninha Kanamari (vice-presidente da AKAVAJA e Coordenador Técnico Local do rio Itacoaí, CR Vale do Javari/FUNAI).
Durante os três primeiros dias do encontro as lideranças se reuniram para discutir sobre as questões mais prementes para o bem estar do povo e de seus territórios. A discussão sobre o atendimento à saúde, ponto de maior fragilidade em todas as aldeias, durou quase dois dias.Estiveram presentes o coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena/DSEI Médio rio Solimões e afluentes, Narciso Cardoso Barbosa, o chefe do Pólo-base de Eirunepé, Gelson José Cavalcante, e a psicóloga da Casa de Apoio à Saúde do Índio/CASAI de Eirunepé, Patrícia Nascimento Dias. A equipe ouviu os problemas mais graves das aldeias que fazem parte de sua jurisdição, tais como a falta de equipes atuando em área, ausência de aparelhos de radiofonia nas aldeias, falta de embarcações e combustível para remoção de pacientes, falta de diagnósticos assertivos e de medicamentos apropriados, ausência de atendimento nas aldeias do rio Jutaí e tributários (onde também vivem os Tyohom-dyapa, de recente contato), e o alarmante índice de mortalidade infantil na região.
É inquietante a situação dos pacientes que chegam em busca de atendimento na cidade, especialmente as crianças com sintomas de diarréia e vômito. "É necessário mais acompanhamento das equipes nas aldeias, para que os casos não se agravem tanto a ponto de ser tarde demais quando chegam aqui. Também é importante que tenha um intérprete específico para os acompanhamentos dos pacientes no hospital, especialmente as crianças e suas mães, que não estão adaptadas à esse tipo de ambiente", diz a enfermeira Tamara (CASAI/Eirunepé).
Durante a discussão sobre a estrutura e funcionamento da FUNAI local (Coordenação Técnica Local de Eirunepé, vinculada à Coordenação Regional Vale do Javari), mais uma vez foram levantados pelos índios uma ampla lista de problemas, especialmente com relação à falta de fiscalização e monitoramento nas TIs, falta de um flutuante que sirva de porto-seguro na beira do rio Juruá e falta de uma Casa de Apoio que possa hospedar os índios na cidade, evitando assim problemas recorrentes entre índios e não índios. "A situação é muito complicada, a cidade em geral tem um comportamento anti-indígena, é muito preconceito em todas as esferas, e são somente três funcionários para atender 04 municípios, 07 rios, 03 povos, mais de 5.000 pessoas em 70 aldeias diferentes. É humanamente impossível",argumenta, Arquimimo Amaral da Silva (Coordenador Técnico Local de Eirunepé/CR Vale do Javari/FUNAI).
No último dia de reunião foram discutidas questões relativas à educação escolar indígena e à gestão ambiental e territorial. Os kanamari criaram a Comissão Kanamari "Ohümahik Waman Nyama", formada por lideranças de todas as TIs e macro-regiões, com o objetivo de trocar informações, fortalecer politicamente na defesa de seus direitos e de se organizarem para garantir a reprodução sócio-cultural do povo kanamari em seus territórios.
Os documentos reivindicativos das lideranças Kanamari elaborados durante a reunião estão sendo entregues à FUNAI e ao Ministério Público, além dos órgãos de governo responsáveis pela saúde e pela educação escolar indígena.
Os três dias que se seguiram às reuniões foram dedicados à rituais tradicionais do Povo Kanamari, especialmente o Pidah-nhanim e o Ramih, nos quais os sabedores, pajés, cantores e jovens puderam trocar conhecimentos, estreitar laços parentais e se divertir bastante. O Encontro foi registrado e em breve o vídeo registro desse momento histórico estará disponível.
O Povo Kanamari é falante de língua da família lingüística Katukina, são originários de tributários do alto e médio rio Juruá, e hoje somam cerca de 3.700 pessoas que habitam em territórios ancestrais não demarcados e em seis terras indígenas (TIs). Com firmeza e alegria o Povo Kanamari se reúne, se une e se fortalece. Esse é só o começo de uma longa história!
http://www.trabalhoindigenista.org.br/noticia/t%C3%BCk%C3%BCna-hin%C3%BCk-%E2%80%93-o-povo-kanamari-reunido
PIB:Juruá/Jutaí/Purus
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