Prefeito de Palmeira dos Índios vai recorrer de decisão judicial

Tribuna Hoje (Maceió - AL) - www.tribunahoje.com.br - 20/03/2015
Prefeitura de Palmeira dos Índios vai recorrer na Justiça da decisão do dia 12 da 8ª Vara Federal em Arapiraca que determinou a demarcação das terras Xukuru-Kariri na cidade. Na ocasião, o juiz Antônio José de Carvalho Araújo determinou que os trabalhos fossem encerrados em 90 dias e a posse definitiva das áreas em seis meses.

O prefeito James Ribeiro (PSDB) considera a decisão judicial como "desastrosa". Segundo ele, a cidade de Palmeira dos Índios vai sofrer com essa decisão. "Além de ter parte dessas terras dentro da área urbana, a demarcação que atinge nossa área rural afeta nossa produção frutífera. E lá não tem latifundiários, apenas pequenos produtores".

"A Procuradoria do Município já está tomando todas as providências para recorrer dessa decisão. Tomaremos todas as medidas cabíveis para revertê-la. E acredito que a União também o faça, pois os custos para indenizar todas essas pessoas é muito alto", completa.

Conforme determina o decreto 1775/96 e a decisão judicial, todos os posseiros devem, com prioridade, ser reassentados e indenizados por benfeitorias que tenham feitas durante o período que ocuparam as terras indígenas.

Ribeiro também criticou a atuação da Fundação Nacional do Índio (Funai). "Eles fazem essas demarcações a bel prazer e não levam em consideração outros laudos. Na verdade questiono esses estudos. Será que não sabem que há proprietários com escrituras centenárias nessas áreas?", questiona. O prefeito também alega que todos os índios Xukuru-Kariri estão aldeados.

James Ribeiro cita o caso da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o caso de Raposa Serra do Sol, em Roraima, como parâmetro de erro da decisão da 8ª Vara Federal. Contudo, o mesmo tribunal decidiu que as 19 condicionantes válidas para esse caso não se aplicam aos demais sobre o tema. Sendo, portanto, único.


FUNAI E INCRA


A equipe da Tribuna Independente procurou a Funai, através de Frederico Vieira, coordenador regional do órgão em Alagoas. Porém, ele não pôde conceder entrevista por estar em uma reunião que durou até o fechamento desta edição.

Já o Instituto de Colonização e Reforma Agrária, através do ouvidor-agrário Marcos Bezerra, disse que o órgão vai esperar um parecer de sua Procuradoria. "Atualmente não temos áreas naquela região para assentar os pequenos produtores que precisam ser deslocados para o cumprimento dessa decisão".

"Além disso, o tempo dado para resolver um conflito que dura há pelo menos 50 anos em poucos meses não é fácil. Por isso vamos esperar o parecer. Mas acredito que vamos recorrer dessa decisão", completa.


Antropólogo e liderança indígena comemoram decisão


O antropólogo Jorge Vieira considera a decisão do juiz Antônio José de Carvalho Araújo "corretíssima". Para ele, a determinação judicial faz justiça histórica à causa dos Xukuru-Kariri.

"Esse é um processo que já devia estar concluído há bastante tempo. Os índios têm direito àquelas terras. Além disso, existem muito indígenas não aldeados e que estão morando na periferia de Palmeira dos Índios", afirma.

Assim como Jorge Vieira, o líder indígena Gecinaldo Xukuru-Kariri comemora a decisão e contraria a afirmação do prefeito James Ribeiro de que todos os índios estão aldeados. "Isso não é verdade. A maioria do nosso povo, que possui em torno de 3.500 pessoas, está fora de nossas aldeias".

Eles também questionaram a versão, recorrente na cidade, de que os índios querem expulsar os moradores de Palmeira dos Índios de suas casas. "Isso é balela. Os índios são sensíveis a esse problema. O que se quer é uma compensação em outro local pela área que está dentro da cidade. E mesmo na parte rural, eles exigem que os pequenos posseiros, como determina a lei, sejam reassentados e indenizados", diz Vieira.


Segundo Jorge Vieira, existem muitos indígenas não aldeados e que estão morando na periferia da cidade


Gecinaldo confirma essa posição. "Isso é discurso dos políticos locais para conseguirem os votos dos posseiros e seus familiares. Os que reproduzem essa fala são os invasores de nossas terras. Queremos que tudo ocorra conforme a lei. Com o reassentamento e as indenizações".

"Nossa área, originalmente, era de 36.000 hectares. Ela já foi reduzida várias vezes. O ponto central dessa discussão é o nosso direito a exercer nossa cultura; viver e trabalhar em nossa terra. Nosso povo diminuiu muito de tamanho ao longo dos anos, vítima do genocídio praticado contra nós. Até hoje sofremos ameaças", completa o líder Xukuru-Kariri.

Jorge Vieira acredita que, mesmo cabendo recurso da decisão da Vara Federal em Arapiraca, as outras instâncias devem confirmá-la. Gecinaldo Xukuru-Kariri também tem a mesma opinião. "Mas não vamos nos desmobilizar. Contamos com entidades parceiras e estamos acompanhando esse processo de perto", diz o líder indígena.


Relatório da Funai exclui perímetro urbano da marcação


Um relatório da Funai, publicado no Diário Oficial da União em 20 de outubro de 2008, realizado pela antropóloga Siglia Zambrotti Doria aponta que a demarcação das terras dos Xukuru-Kariri não vai entrar no perímetro urbano de Palmeira dos Índios. Apesar de, historicamente, o território indígena abranger parte dessa área.

"[...] a cidade de Palmeira dos Índios, hoje com quase oitenta mil habitantes, está encravada no centro da gleba destinada aos índios e é situação considerada irreversível pelos óbices colocados pela legislação. Qualquer ação no sentido de reconstituir a gleba indígena tal como era no passado criaria (como criou) um problema político insolúvel", diz a antropóloga.

Justiça determinou um prazo de seis meses para que União e Funai concedam posse definitiva dos 6.927 hectares aos índios
"O traçado [...] contorna e exclui a cidade de Palmeira dos Índios e a localidade de Palmeira de Fora, hoje um bairro daquela cidade, bem como não atinge as vias de acesso a elas", segue o texto de Siglia Zambrotti Doria.

Ela também destaca que o que se propõe como demarcação são áreas que os índios passaram a habitar nos século XIX e parte do Século XX. "Embora atualmente estejam em mãos de não índios, ou seja, sobre essa área foi possível comprovar ocupação indígena pelos instrumentais metódicos da antropologia".


Ação Civil Pública que motivou decisão judicial é de 2012


O Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma Ação Civil Pública contra a União e a Funai por danos morais e materiais em favor dos índios Xukuru-Kariri.

Além da demarcação das terras indígenas, foi pedido como valor de indenização, R$ 125.628.000,00 (cento e vinte e cinco milhões e seiscentos e vinte oito mil). Sendo, R$ 19.000.000,00 (dezenove milhões de reais) por danos morais. E R$ 106.628.000,00 (cento e seis milhões, seiscentos e vinte e oito mil reais) por danos materiais. Mas em sua decisão, o juiz Antônio José de Carvalho Araújo apenas determinou a demarcação das terras indígenas em Palmeira dos Índios.


RELATO HISTÓRICO


O MPF, em sua argumentação, apresentou fatos históricos sobre o conflito na região. Chegou-se a remeter-se ao século XVII, período do Brasil Império e que a decisão foi favorável aos índios.

"A história da luta pela terra dos índios Xukurus-Kariris remonta ao ano de 1700, quando a Coroa Portuguesa, através do Alvará Régio de 23 de novembro de 1700 concedeu 'uma légua em quadro'. Essa medida de terra equivale ao quadrado de uma légua. Ou seja, 6.000 metros. Portanto, a área destinada nessa decisão foi de 36 mil hectares", diz o texto e as notas de roda pé.

Três anos depois, segundo os documentos levantados pelo MPF, uma carta foi enviada ao governador da capitania de Pernambuco cobrando a execução da decisão de 1700.

"Eu a Rainha da Grâ-Bretanha (sic) infanta de Portugal [...]. Por ser informada por pessoas dignas de crédito que os índios dessa Capitania senão ter dado a légua de terra, que mandei repartir para eles [...]. Ponhais (sic) todo o cuidado e deligência (sic) a que senão continuem estes abusos; e que se dê execução inviolavelmente a resolução que foi servida tomar nesta matéria da légua de terra para os Índios, tão conveniente para a conservação das ditas aldeias", diz o trecho destacado.

Seguem-se, ao longo do documento apresentado pelo MPF, diversas situações ao longo da História de vitória judicial dos Xukuru-Kariri. Mesmo no período imperial e antes da abolição oficial da escravatura. Período em que apenas os brancos tinham direitos legais. No documento são citadas ações judiciais até a década de 2000.

http://www.tribunahoje.com/noticia/135749/cidades/2015/03/20/prefeito-de-palmeira-dos-ndios-vai-recorrer-de-deciso-judicial.html
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