Indígena escreve livro para evitar extinção da língua de sua aldeia

Folha de São Paulo (São Paulo - SP) - www.folha.uol.com.br - 15/04/2015
A cada dia, o estudante Luciano Ariabo Quezo, 25, percebia que a língua portuguesa ocupava mais espaço na aldeia indígena onde nasceu, e "engolia" sua língua materna, o umutina-balatiponé. Preocupado com a situação, especialmente após a morte de um ancião -um dos poucos que só falava o idioma nativo-, ele resolveu escrever um livro bilíngue para tentar evitar o desaparecimento da língua de sua família.

Quezo é natural de uma reserva na região de Barra do Bugres (MT), onde cerca de 600 pessoas falam o idioma.

Aluno do último ano do curso de letras da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) em São Carlos, no interior paulista, ele trabalha no tema desde 2012, quando obteve uma bolsa da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) para sua pesquisa.

Só existem duas escolas indígenas no território umutina e, segundo ele, aprender a língua dependia do interesse individual. Após a morte do ancião, diz, não há mais idosos que dominem completamente a língua. E nem todos os jovens a conhecem.

Um esboço do projeto foi lançado em 2013, com 40 páginas e 180 exemplares, para ser testado e aprovado pela comunidade.

"Língua e Cultura Indígena Umutina no Ensino Fundamental" é destinado a alunos das séries iniciais das escolas de sua aldeia. Um irmão de Quezo trabalha em uma delas e utiliza o material com os estudantes. Agora, a ideia do autor é aprimorar o material produzido e aprofundar os temas abordados, chegando a pelo menos 200 páginas.

Dividido em quatro partes, o livro aborda as narrativas do povo, o artesanato, a história da comunidade e o corpo humano. As ilustrações são do próprio Quezo.

"Os mais velhos tinham o conhecimento, mas, entre os mais jovens, poucos falam o umutina. Quando o ancião morreu, em 2004, vi que o idioma poderia sumir se não fosse feito nada", afirma.

Segundo sua orientadora no projeto, a docente do departamento de letras da UFSCar Maria Silvia Cintra Martins, Quezo teve a preocupação de consultar a comunidade sobre todo o processo de produção da obra.

"Sempre que propunha algo, ele dizia que tinha de conversar com seu povo. Como orientadora, aprendi muito. Foi uma troca, com ele aprendendo nossos padrões acadêmicos e eu conhecendo as exigências de uma comunidade indígena", diz.

Para compreender como são os textos, as questões e as ilustrações de obras destinadas ao ensino fundamental, Quezo consultou material em português.

"Seu livro é resultado de um diálogo com outras obras de ensino de línguas. Ainda é a versão inicial, em fase de aplicação na aldeia, com vistas a uma nova edição", diz a orientadora.

A obra ampliada não foi concluída ainda justamente por precisar de aprovação dos índios da aldeia de Quezo.

"O tempo da aldeia é diferente do nosso, não indígena", afirma Maria Silvia.

Além do livro, Quezo é pesquisador de um grupo de linguagens e etnicidades do departamento de letras.


COTAS


A UFSCar criou um vestibular específico para alunos de comunidades indígenas a partir do primeiro semestre de 2008, após aprovação, no ano anterior, da medida pelo Conselho Universitário.

Cada um dos 61 cursos de graduação da universidade, nos campi de São Carlos, Araras, Sorocaba e Buri, municípios do interior paulista, oferece uma vaga específica para índios de etnias brasileiras.

O pré-requisito é que os candidatos tenham concluído o ensino médio na rede pública ou em escolas indígenas reconhecidas.


GLOSSÁRIO

UMUTINA - PORTUGUÊS

xotáxicanã - boa tarde
taykuria - como vai?
haré - peixe
kui - anta
pó - rio
olaripó - rio Paraguai
abiolô - crianças
xipá - casa

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/04/1616766-indigena-escreve-livro-para-evitar-extincao-da-lingua-de-sua-aldeia.shtml
PIB:Oeste do Mato Grosso

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