"Valorizar o que temos na nossa comunidade indígena" diz Lucila Wapichana após inauguração da Casa da Memória - Medicina Tradicional em Roraima

Combate Racismo Ambiental- http://racismoambiental.net.br - 20/07/2016
Após um dia da inauguração da casa de medicina tradicional, oriundo do projeto "Casa da Memória", ocorrida no domingo, 17 de julho, na comunidade indígena Jacamizinho, na comunidade indígena Malacacheta, Lucila Mota de Souza, 72 anos, geração de Thiago de Souza e Galdina Mota, uma geração de Wapichanas da região Serra da Lua, veio visitar a sede do Conselho Indígena de Roraima (CIR), especialmente, a Secretaria do Movimento de Mulheres Indígenas de Roraima e compartilhar um pouco da boa nova de anos e anos quando finalmente conseguiu realizar o sonho de construir o seu cantinho sagrado, um cantinho coletivo e que pretende deixar as futuras gerações.

Acompanhada pela filha Meire Souza da Silva, Lucila Wapichana, foi recepcionada pela Secretária do Movimento de Mulheres Indígenas, Telma Marques Taurepang, na manhã desta terça-feira, 19.

Ciente de que essas linhas são apenas algumas de uma longa caminhada e que só contar não basta, precisa viver, então compartilhamos um pouco dessa trajetória, de busca pela valorização da medicina tradicional, assim, narrada por ela mesma, em uma conversa de reencontro de gerações.

Lucila conta do período em que se deixou de lado o uso da medicina tradicional, mas que aos pouco novamente foi valorizada. "Dos anos 1950 para cá não se valorizava mais a reza, e hoje, nós estamos valorizando os pajés, parteira e os saberes dos remédios tradicionais."

Oriunda de uma geração de rezadores, ou benzedores, como é dito pelos mais antigos, ela conta que começou aos 17 anos quando realizou o primeiro parto tradicional. "Eu sou parteira, então para ter esse conhecimento foi do primeiro parto com 17 anos, onde meus remédios eram tradicionais, do mato, do campo, da casca, da folha. Foi daí que começou, meu pai era rezador, avô era pajé, quando o povo adoecia, o chamavam para rezar". "A reza deles era muito valorizada, não tinha médico, enfermeiro, como hoje tem, a reza era com os pajés, rezador e parteira. Então comecei a conhecer, só que não registrava no papel, mas ficou na memória."

A caminhada de vida coletiva também começou durante a participação das reuniões comunitárias, quando se tornou referência na cura através dos remédios tradicionais. "Comecei a participar das reuniões, vendo muita gente que necessitava de remédio e isso foi me levando para um conhecimento bem forte, continue fazendo aquele remédio bem forte para as pessoas fazia chá e outros remédios. Isso sozinha, não tinha outras pessoas comigo. Então, pensei, vou continuar trabalhando e as pessoas encomendavam xarope e garrafada."

O histórico da caminhada na comunidade indígena Malacacheta, assim como outras comunidades da região Serra da Lua é marcado pela presença de missionárias da Igreja católica. Lucila conta que, para fortalecer e incentivá-la ainda mais sobre o uso da medicina tradicional, contou com o apoio das irmãs Filhas da Caridade, missionárias da Diocese de Roraima que atuam com os povos indígenas em Roraima, especificamente, na região da Serra da Lua.

"Para fortalecer mais ainda o trabalho, vieram às irmãs Filha da Caridade, incentivar e disseram: vamos reunir as mulheres que conhecem a medicina tradicional. Foi quando eu cheguei e disse: eu vou aprender mais. Foi uma força que elas nos deram: vocês não tem que esquecer os conhecimentos que vocês têm, valorizem, porque se não, vocês vão sofrer. Justamente, o que meu pai já falava também: quando a gente morrer, minha filha, se vocês não conhecer esse remédio que nós temos, vão morrer, vai morrer muita gente. E morreu, porque a gente não sabia como era a reza. Então hoje, depois que entrei no trabalho pastoral, pesando as crianças, com peso baixo fazia vitamina, dava remédio e daqui a pouco os pais diziam: foi bom aquele remédio. Adulto, senhor e senhora, idosa, doente, fazia massagem, passava pomada, e diziam: fiquei bom. Então aquilo me fortalecia, fortalecia mais o trabalho. Chegou uma senhora e disse, vou trabalhar contigo. Eu disse: vamos, traz os ingredientes e assim foi chegando, hoje, temos 10 mulheres trabalhando. Então nos associamos e vamos valorizar o que temos agora. Assim contou Lucila, um pouco da sua caminhada.

Sobre o nome do projeto "A Casa da Memória", as razões são simples. "Coloquei porque ficou na memória. Não esqueci e fui lembrando tudo como era no passado."

São diversos os tipos de remédios tradicionais feita pela dona Lucila e suas companheiras de trabalho, conforme conta. "Como estamos em tempo de gripe, temos remédios como xarope, também para inflamações renais, a pomada milagrosa para dores no corpo, remédio para verminose, tem vitamina que chamamos de monte- mistura que é para reumatismo, fortalecimento nos ossos e assim outros tipos de remédios.

A Casa foi inaugurada e tem uma rotina programada tanto para vendas como para própria organização dos trabalhos. O funcionamento, segundo Lucila, será nas terças e quinta-feira, e considerando que haverá publico aos finais de semana, a Casa funcionará de sexta-feira até domingo, pensando justamente nos visitantes que só podem comparecer nesses dias.

Os demais dias serão dedicados para o trabalho de produção da medicina tradicional e planejamento das atividades da Casa, para não faltar remédio tradicional.

Para finalizar, dona Lucila, motivada com a realização de um desejo, que vinha sendo construído no cotidiano reforçou que o desejo é continuar o trabalho na tentativa de proporcionar esse valor aos filhos, netos, estudantes e a própria comunidade indígena, de onde toda riqueza é usada e valorizada. "Então a gente quer continuar, nós queremos que o povo indígena veja, conheça, para valorizar o que tem dentro da sua comunidade indígena."

"Estamos tirando isso da nossa própria comunidade, não estamos tirando de outra região, ali dentro, nós criamos um projeto que é nosso, não é de fora e fica com a gente, nós que mandamos, fazemos e marcamos como deve ser. Isso aqui é repassando aos netos, filhos, alunos, que estudam dentro da comunidade."

"Valorizar o que tem dentro da nossa comunidade é nos valorizar também, enquanto indígenas, porque somos capazes de fazer o nosso trabalho, junto com a comunidade e junto com quem ajuda a gente". E assim registramos em algumas linhas, da boa nova que ela nos trouxe e também compartilhamos.

A estrutura da casa, segundo Lucila, são resultados de doações e apoio das irmãs Filhas da Caridade e os custos com a compra de materiais para a produção de remédios tradicionais, são de economias pessoais e de venda dos produtos. O valor arrecado é investido na produção dos próprios remédios tradicionais.



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PIB:Roraima/Lavrado

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