FSP, RUF/Ranking Universitário Folha, p. 22-23 - 19/09/2016
Amazonas concilia avanço em pesquisa e aula para índios
PAULO SALDAÑA
ENVIADO ESPECIAL A TABATINGA E MANAUS (AM)
É na língua ticuna que os alunos do curso de agroecologia da UEA (Universidade do Estado do Amazonas) da comunidade Umariaçu, em Tabatinga, apresentavam um trabalho da disciplina desenvolvimento rural, do 2o ano, no fim do mês passado.
O curso foi criado em 2014 para os indígenas. O pedido veio dos caciques como tentativa de enfrentar a situação cada vez mais grave de alcoolismo, violência e casos de suicídio entre os ticunas.
Para a maioria da turma, o curso é o caminho para melhorar a vida da comunidade. "Meu sonho depois é fazer uma organização ou fundação, de agricultores indígenas e não indígenas, para dar orientação, ensinar como trabalhar melhor a terra", explica uma das alunas, a indígena Sara del Aguila, 18. A língua padrão por ali é o ticuna, mas todos falam português.
Uma estrada de terra de 6,7 km separa Umariaçu do centro de Tabatinga, cidade do Amazonas na fronteira com a Colômbia e o Peru. Os quase 6.000 indígenas vivem em casas de madeira e alvenaria à beira do rio Solimões.
"O álcool, a violência e a falta de oportunidades são os problemas maiores, mas muitos jovens daqui têm seu sonho", diz Deoclesio Ruiz, 25, que pretende reforçar a roça da família após a graduação.
A UEA nasceu em 2001 já com o desafio de atuar em um Estado em que parte da população está isolada pela floresta. Muitos locais têm acesso apenas por rios.
A universidade foi a que mais cresceu no RUF 2016 na região Norte do país. Subiu 18 posições e voltou ao grupo das cem primeiras, que ocupava em 2014 -hoje ela é 91ª.
Com exceção do critério de inovação, a UEA melhorou em todos os indicadores que compõem o ranking. Mas o que mais colaborou para o resultado foi o avanço nos índices de ensino e pesquisa.
DESAFIOS
Tabatinga é um dos 13 municípios com unidades fixas da UEA. As aulas para os indígenas são dadas em uma sala emprestada pelo Exército enquanto um prédio dentro da comunidade não é liberado -falta energia elétrica.
Dificuldades logísticas que envolvem, por exemplo, permanência de professores em cidades afastadas e sinal de internet compõem um cenário adverso para a atividade acadêmica. "Temos uma realidade única, é como se não fosse o Brasil", diz o reitor, Cleinaldo de Almeida Costa.
Ser avaliado com a mesma régua de uma USP, por exemplo, incomoda a reitoria. Mas, segundo Costa, as condições estão dadas.
"Sem laboratórios e uma rede de conexões de pesquisa, não tenho como produzir ciência. Precisamos de parcerias. Sem diálogo, vamos levar 200 anos para avançar."
Um laboratório de desenvolvimento de aplicativos criado em 2014 em parceria com a Samsung, em Manaus, possibilitou que 20 mil alunos e visitantes se formassem em cursos rápidos, a maioria de capacitação. A partir dessa iniciativa também surgiu uma graduação e uma especialização em jogos digitais.
A UEA já formou 40 mil alunos de graduação, sendo 864 indígenas. Na pós, foram 978 mestres e doutores.
O curso de agroecologia dos indígenas é presencial. Mas a instituição aposta num modelo mediado por tecnologia: as aulas, feitas de um estúdio em Manaus, são transmitidas ao vivo para o interior. No outro lado, um professor tutor acompanha as atividades e as turmas podem interagir, fazendo perguntas por chat ou vídeo.
Em 2015, praticamente metade dos formados cursou esse tipo de graduação.
Financiada com 1% da receita do polo industrial de Manaus, a UEA tem orçamento estimado neste ano de R$ 400 milhões. Com a crise, o repasse deve ser 25% menor, calcula o reitor.
Federal do Pará oferece aula de língua indígena para docentes
SABINE RIGHETTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Localizada na floresta amazônica e no 154o lugar do RUF 2016, a Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará) tem um desafio institucional: garantir o ingresso e a manutenção dos povos da região entre seus alunos.
Criada em 2009, a universidade tem 6.591 estudantes, dos quais 95 são quilombolas e 240 são indígenas que falam, ao todo, 13 línguas.
Para facilitar a integração, quem dá aula na Ufopa é convidado a aprender nheengatu, uma das línguas mais comuns dos povos indígenas.
A maioria dos docentes -hoje são 384- vem de longe.
São frequentes os pedidos de redistribuição para lugares mais próximos dos familiares, segundo a reitora Raimunda Nonato. "Mas também são muitos que consideram relevante a atuação científica no coração da Amazônia."
Mais do que falta de recursos, a universidade, segundo a reitora, sofre com a falta de condições para implementar projetos com o que recebe.
Desde que foi criada, a Ufopa executou cerca de R$ 180 milhões em obras, veículos e equipamentos. Poderia ter investido quase o dobro. O dinheiro voltou aos cofres.
"Um dos grandes desafios das instituições de ensino superior do Norte é a carência de empresas especializadas em projetos e execução de obras no interior."
BARCO E AVIÃO
A universidade, com sede em Santarém, tem seis campi floresta adentro. Para ter uma ideia, não é possível chegar a boa parte deles por via terrestre. Os recursos mais usados são os barcos, que viajam pelas "estradas do Norte" (os rios), como diz a reitora. Dependendo da época do ano, porém, nem o barco resolve: é preciso avião.
"Já houve vezes em que ficamos sem contato telefônico, mas são dificuldades que vão sendo superadas."
Para Nonato, um dos maiores objetivos hoje é pós-graduar indígenas e quilombolas, para que sejam futuros professores e gestores. "Eles vão consolidar a Ufopa como uma universidade que representa a diversidade regional e nacional."
FSP, 19/09/2016, RUF/Ranking Universitário Folha, p. 22-23
http://ruf.folha.uol.com.br/noticias/2016/09/1813952-amazonas-concilia-avanco-em-pesquisa-e-aula-para-indios.shtml
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