PMDB e DEM do Acre indicam o índio Sebastião Manchineri à Presidência da Funai

Amazônia Real- http://amazoniareal.com.br - 17/10/2016
Lideranças do PMDB e do DEM do estado do Acre indicaram o índio Sebastião Alves Rodrigues, da etnia Manchineri, para disputar a concorrida presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai). A instituição também é alvo de interesse do PSC, partido das bancadas evangélica e ruralista, que dá como certa a nomeação do general Franklimberg Ribeiro de Freitas, do Comando Militar da Amazônia, em Manaus.

Também disputa o cargo o advogado Noel Villas Bôas, do PSDB paulista, filho do sertanista Orlando Villas Bôas, indicado para presidir a Funai e recebeu o aval do cacique Raoni Metuktire.

Sebastião Alves Rodrigues, mais conhecido como Sebastião Manchineri ou Sabá, é um dos líderes do Movimento Indígena Nacional. Presidiu a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), entre 1994 e 1996, e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coica) entre 2001 e 2005, que tem sede no Equador, e é composta por representantes de nove países que integram a Bacia Amazônica.

O Ministério da Justiça, responsável pela nomeação do presidente da Funai, não confirma as indicações dos partidos da base aliada do governo de Michel Temer, disse a assessoria de imprensa.

A chefia da Funai está vaga desde o início de junho, quando foi exonerado o ex-senador João Pedro Gonçalves (PT-AM). No momento, a fundação é dirigida por Agostinho do Nascimento Netto, que assumiu o cargo como substituto no lugar de Artur Nobre, que era interino, mas foi demitido pelo ministro Alexandre de Moraes após este divulgar uma nota criticando a organização do Comitê Paraolímpico Rio 2016.

Sebastião Manchineri, tem 46 anos, e nasceu na aldeia Senegal, da Terra Indígena Mamoadate, à margem do rio Yaco, na fronteira com o Peru. Atualmente ele mora na aldeia Alves Rodrigues, que foi criada por seu pai e onde passou parte da infância. Estudou em Rio Branco, onde concluiu o ensino médio.

No Brasil, a população desse povo é de 1.214 pessoas, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde.

Filiado ao DEM desde 2013, Sebastião Manchineri disse em entrevista à Amazônia Real que sua indicação ocorreu após ser consultado pelo PMDB do Acre, em junho último. "Fui procurado pelo deputado Flaviano Melo, do PMDB, que perguntou se eu aceitaria ser indicado, e eu topei. Em função disso, meu partido apoiou também. Depois, foi ampliando para outros parlamentares e para as organizações indígenas de meu estado e da Amazônia", disse.

Desde então, Manchineri passou a receber apoio de parlamentares e políticos de seu estado, como o próprio deputado federal Flaviano Melo e o presidente do DEM no Acre, Tião Bocalom, que foi candidato a governador e a prefeito de Rio Branco nas eleições de 2010 e 2012, respectivamente. Sebastião Manchineri diz que passou os últimos dois meses se articulando em Brasília, fazendo contatos e defendendo seu nome junto aos deputados federais de seu partido.

Nas últimas semanas, Manchineri vem recebendo apoio formal de organizações indígenas da Amazônia. Na última segunda-feira (10), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coica) enviou um ofício indicando o nome dele ao ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República, Geddel Vieira Lima. A Amazônia Real teve acesso ao documento, enviado pelo coordenador-geral da Coiab, Maximiliano Correa, da etnia Tukano (Alto Rio Negro).

Em entrevista à Amazônia Real, o deputado Flaviano Melo confirmou que o PMDB e o DEM indicaram Sebastião Manchineri, mas disse que o PSC também reivindica a chefia da Funai. "Apoiamos o nome do Sabá e o indicamos. Mas o deputado federal André Moura [líder do governo Temer na Câmara] disse que a indicação para o órgão indigenista caberá ao partido dele e que o novo presidente será o general Franklimberg, e que, inclusive, ele já seria nomeado e que tomaria posse na terça-feira [dia 18]", afirmou Melo.

O Partido Social Cristão (PSC), presidido pelo pastor Everaldo Nascimento, já havia indicado outro militar, o general Sebastião Roberto Peternelli. O nome do militar não foi aceito pelas organizações indígenas, levando o governo Temer a recuar de sua nomeação.

Sebastião Manchineri afirma que não desiste da presidência da Funai apesar da pressão do PSC.

"Meu nome está mantido. Não é fácil, mas não vou desistir dessa candidatura. É um momento oportuno. Chegou o momento de um indígena assumir [a Funai], pela coletividade dos povos indígenas. Não concordo com essa conjuntura que está aí. A gente ser dominado pelas igrejas, pelos militares e por pessoas que sempre foram contra os povos indígenas. Por isso estou na missão de assumir a presidência da Funai", disse à Amazônia Real.

Para Manchineri, nomear um general do Exército para a presidência da Funai é voltar ao passado. "Moralmente, é um fato negativo. Decidir por um não-índio é como se fosse a imposição da nossa incapacidade de assumir uma demanda e uma solução dos temas que nos afetam", afirmou.

O presidente do DEM no Acre, Tião Bocalom, também defende o nome de Sebastião Manchineri. Ele disse à Amazônia Real que nesta semana vai a Brasília para discutir a elaboração de um ofício assinado por parlamentares do DEM em favor do indígena. Segundo Bocalom, o governo do Amazonas também assinou um documento em apoio a Manchineri.

"Queremos apoio do DEM nacional. Na terça-feira (18) quero conversar com o presidente do partido, senador Agripino Maia, para que ele possa nos apoiar. O Sebastião é membro do DEM e entendemos que, em função de seu currículo, de sua experiência em fóruns e do apoio que vem recebendo de muitas organizações indígenas, ele é o nome ideal para a Funai. Atualmente a Funai é uma coisa paternalista, mas com o Sabá sabemos que os indígenas podem contribuir muito mais pelo Brasil", disse Bocalom.

Já o DEM nacional não confirmou o apoio a Manchineri. Em resposta à Amazônia Real a assessoria de imprensa do presidente do partido, o senador Agripino Maia (RN), disse: "A presidência nacional do Democratas não indicou e nem pleiteia indicações à presidência da Funai".

Procurado, o governo do Amazonas disse à reportagem que "a nomeação para a presidência da Funai é atribuição do governo federal e que não comentará o assunto".

A assessoria de imprensa do PSC confirmou que o general Franklimberg é o indicado do partido para a Funai, mas negou ter sido informada se a nomeação do militar ocorrerá nesta terça-feira (18). A reportagem não conseguiu falar com o deputado federal André Moura (PSC-SE) através de sua assessoria e de seu gabinete, em Brasília.

A reportagem também procurou a assessoria de imprensa do presidente do PMDB, senador Romero Jucá (RR), mas ninguém atendeu as ligações.


Denúncias na Coica


A passagem de Sebastião Manchineri pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coica) foi polêmica. Em 2005, o jornalista Altino Machado publicou uma reportagem com informações de supostas irregularidades na gestão do indígena. Manchineri negou dizendo que a fonte de informação usada pelo jornalista "era inválida".

A Amazônia Real questionou Sebastião Manchineri sobre estas acusações, entre elas nepotismo e corrupção na Coica. Ele disse que as denúncias publicadas eram "falácias e matérias difamatórias com intenções políticas" para tentar desclassificá-lo no movimento indígena no estado, especialmente da União das Nações Indígenas (UNI).

"No período em que estive na Coica lutei para aumentar a representatividade das organizações indígenas. Não queria interferência de ONGs e dos governos. A Oxfam America [ONG internacional que atua em diversos países] queria gerir os recursos que recebíamos e não nos dar autonomia. Ela queria administrar os fundos doados pelos bancos internacionais. Isso foi uma forma de minar a Coica. Mas nada foi provado contra mim, não sou o que disseram nas matérias", afirmou.

Também em 2005, em um documento, o indígena peruano Haroldo Salazar Rossi acusou Sebastião Manchineri de faltar com transparência e de não fortalecer os sistemas administrativos e financeiros da Coica. Manchineri contou à Amazônia Real que as informações do documento não foram provadas e que Haroldo Salazar Rossi é hoje seu amigo próximo.

"Por onde passei, na Coiab ou na Coica, foram os momentos de maior representatividade das organizações políticas e institucionais dos povos indígenas. Eu sempre tive um propósito: nunca ser dominado e controlado por outros segmentos, como é o caso de ONGs não-indígenas, de igrejas ou de outros setores", disse Manchineri.

Entre 2001 e 2009, o indígena foi filiado ao PT, mas, segundo ele, nunca conseguiu ocupar espaços no partido.

"Essa campanha difamatória que sofri me prejudicou, as portas se fecharam e voltei para minha aldeia para reconstruir minha vida. Em 2009 me filiei ao PSDB, mas saí e me filiei ao DEM para me candidatar a deputado federal em 2014", disse.

Indagado sobre o fato de ser filiado ao DEM, um partido que historicamente defende projetos contrários aos povos indígenas e composto por parlamentares ligados à bancada ruralista no Congresso, Manchineri disse que não tem "medo nem receio de pertencer a qualquer grupo ou segmento".

"Estou convencido, ciente e determinado a exercer e atuar de acordo com os princípios que acredito que sejam para o bem comum dos povos indígenas. E eu não estou me aliando a A ou a B, mas estou fazendo parte de um processo e de um momento político. Obviamente, há forças políticas que impedem mais do que ajudam a desenvolver as ações. Mas tenho claro que se pegarmos pessoas que tenham compromisso e que tenham visão futura e coletiva para o bem comum dos indígenas, vamos sair desse desafio", afirmou.


Os foguetes do general


Nome mais cotado para assumir a Funai pelo partido da bancada ruralista PSC, o general Franklimberg Ribeiro de Freitas confirmou em entrevista à Amazônia Real que seu nome continua sendo avaliado. Ele mostrou-se entusiasmado com a chance de ir para a Funai e afirmou que "soltaria foguetes" caso fosse o escolhido.

"Concordei com meu nome ser indicado, mas ainda está em processo. Não podemos colocar a carroça na frente do boi", afirmou.

Nascido em Manaus, o general Franklimberg Ribeiro de Freitas é assessor de Relações Institucionais do Comando Militar da Amazônia (CMA). Ele tem uma longa carreira no Exército. Seu nome é apoiado por um grupo de indígenas ligados ao PSC, que fazem campanha nas redes sociais para que ele seja escolhido, dizendo que o general é indígena da etnia Mura.

Entre as apoiadoras estão a indígena Silvia Nobre, do povo Waiãpi, do Amapá, primeiro-tenente do Exército e chefe do Serviço de Reabilitação e Fisioterapia do Hospital Central do Exército, no Rio de Janeiro. O general também é apoiado pela fundadora do movimento Frente e Ação Pró-Xingu e da Rede de Ação Indígena, Kuana Kamayuará, do Mato Grosso.

A Amazônia Real perguntou do general Franklimberg se ele era indígena. Ele disse que é "descendente de índios", mas não soube informar a origem étnica.

"Eu nasci em Manaus, meus avós vieram para cá, de Codajás, na década de 30. Eles eram indígenas, mas não sei dizer que índios eram. Não tenho o Rani", afirmou. Codajás é um município amazonense localizado à margem do rio Solimões, a 240 quilômetros de Manaus. Rani é o Registro Administrativo de Nascimento Indígena, expedido pela Funai.


Coiab está com Manchineri


No último dia 10, a Coiab enviou uma carta ao ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República, Geddel Vieira Lima (PMDB) manifestando apoio à indicação de Sebastião Manchineri para a presidência da Funai. Também expôs preocupação com a "inoperância e a deficiência deste órgão em sua estrutura e recursos financeiros, que não permitem exercer atividades e funções públicas destinadas aos povos indígenas".

Manchineri também recebeu apoio do Movimento Indígena do Estado de Rondônia, em documento assinado por Henrique Iabday Suruí e Heliton Tinhawambá Gavião. Outra associação que indicou seu nome foi a Organização Indígena da Bacia do Rio Içana, do Alto Rio Negro, em nota assinada por André Fernando Baniwa, diretor-presidente da entidade. A mesma iniciativa teve a Federação do Povo Huni Kuin do Acre. A carta é assinada por Ninawa Huni Kui. Todos os documentos foram enviados para Geddel Vieira Lima.

A Amazônia Real enviou um email com três perguntas para a assessoria da Secretaria de Governo da Presidência da República. São elas: se Geddel Vieira leu os ofícios, se vai atender aos pedidos das organizações e se tem conhecimento dos nomes indicados para a Funai. Em resposta, a assessoria disse o seguinte: "O ministro Geddel Vieira Lima não tomou conhecimento de nenhum dos nomes citados em seu e-mail para compor a presidência da Funai. Assim sendo, respondemos às suas três perguntas".


Alto Rio Negro não quer militar


O coordenador-geral da Coiab, Maximiliano Correa, assinou a carta de apoio à Manchineri, e se mostrou contrário à nomeação de um militar. Ele contou que serviu o Exército e conheceu as regras e as doutrinas que ensinam na instituição a respeito dos indígenas.

"A política do Exército é integracionista. Isso é um ponto negativo. Para ele, todo cidadão é brasileiro, não pode ser indígena, não pode ter uma etnia diferenciada. O Exército não tem política de diferenciação da cultura indígena. Eu sou de uma região bastante militarizada e sei como é", afirmou Correa, da etnia Tukano, cujo território fica no Alto Rio Negro, norte do Amazonas. Naquela região, o Exército mantém um batalhão de fronteira.

"O Sabá está fazendo seu trabalho. Está preparado, sabe como o sistema funciona. Mas não será o salvador apenas porque é indígena. O indígena tem que fazer mobilizações. O sistema político muitas vezes acaba com a pessoa. Estamos vivendo um momento desfavorável aos povos indígenas. Por isso que é importante manter a mobilização", afirmou.

Correa também disse estar ciente dos interesses partidários sobre a Funai, e que, para enfrentar os obstáculos, o movimento indígena não pode enfraquecer. "A gente sabe como funciona a política partidária. Todos têm seu interesse. Se não estivermos mobilizados, vamos entregar o indígena para os bandidos."

Maximiliano Correa é licenciado em Políticas Educacionais e especialização em Direitos Humanos pela Universidade de Deusto, na Espanha.

Na tarde desta terça-feira (18), a Articulação dos Povos Indígenas (Apib), que representa organizações indígenas do Brasil, divulgou uma nota sobre "as estratégias adotadas por este governo ilegítimo de tratar as questões indígenas na tentativa de fragmentar movimento por meio dos povos e suas organizações". A nota diz: "Não é de agora que tentam usar manobras e artimanhas políticas para nos colocar uns contra os outros, não podemos aceitar que o interesse dessa gente seja mais forte que a nossa resistência e a nossa histórica luta coletiva em defesa de nossos Direitos e de nossos Territórios."

A APIB diz que optou por não fazer indicações de nomes para ocupar a presidência da Funai, mas diz que reitera "a posição já manifestada anteriormente" e que é "totalmente contrária à militarização da FUNAI".



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