Ele estará entre nós

O Tempo - http://www.otempo.com.br/pampulha - 05/08/2017
Ele estará entre nós
Renomado chef é uma das atrações do circuito Mesa ao Vivo que acontece na capital mineira entre os dias 11 e 12 deste mês

Alex Atala

PUBLICADO EM 05/08/17 - 03h00
Lorena K. Martins

A presença mais do que cativa dos ingredientes brasileiros nas receitas contemporâneas e a busca pela valorização da gastronomia regional são motivos suficientes para mover a cozinha do chef paulistano Alex Atala, 49, nome por trás do D.O.M., eleito o 11o melhor restaurante do mundo segundo a publicação britânica "Restaurant" deste ano. Inclusive, foi Atala que, em 2013, criou o Instituto ATÁ, uma organização com o intuito de colocar sob holofotes o patrimônio gastronômico nacional e estruturar as cadeias produtivas.
É por isso que entre os dias 10 e 12, o chef é um dos convidados a fazer coro à cozinha regional durante a primeira edição do circuito Mesa ao Vivo em BH, que traz o tema "Gastronomia Além das Fronteiras". Ele é um dos palestrantes da programação, que contempla outros representantes locais, e também vai cozinhar, no dia 11, ao lado dos companheiros de profissão Carlos Bertollazzi, Ligia Karazawa, Rodolfo Mayer, Leo Paixão e André Melo, especialmente para o jantar beneficente para a Casa de Acolhida Padre Eustáquio (Cape). Na ocasião, o prato que ele irá assinar será um pirarucu grelhado com purê de açaí.
Além de mostrar a cozinha mineira em escala nacional, o evento também quer destacar a nova safra de profissionais e a necessidade de reconhecimento dos mesmos, como aponta Atala. Aliás, é justamente sobre os novos caminhos, gastronomicamente falando, que visam articular o ato de comer como ato político, econômico, social e cultural, que o chef fala na entrevista a seguir.

Qual a importância de eventos que visam discutir a gastronomia como cultura, como o Mesa ao Vivo?
O repertório que a biodiversidade brasileira nos proporciona é suficiente para pautar uma discussão infinita sobre a gastronomia do nosso país. Em todo o Brasil ou mesmo na América do Sul, todos os lugares estão passando por um movimento de grande valorização de suas culinárias regionais. Dentro do Brasil, existem vários "Brasis", com culturas e culinárias completamente diferentes entre si. Por isso, algumas vezes, o estranhamento acontece, é algo natural. Isso não quer dizer que não trabalhamos para mudar isso. Pelo contrário. Precisamos valorizar nossos sabores.

O Mesa ao Vivo chega pela primeira vez a Minas Gerais e também quer valorizar novos profissionais da cozinha. Qual a importância dessa nova safra?
Eu penso que o que levou a França, a Itália e a Espanha a serem referências gastronômicas no mundo foi ambos terem muitos bons chefs e bons ingredientes. Bons ingredientes, o mundo já sabe que nós brasileiros temos. O que talvez muita gente não saiba é que em lugares como Belém do Pará, Manaus, Curitiba, Mato Grosso, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Goiás e Minas Gerais hoje existe uma legião de novos chefs talentosíssimos e esses garotos e garotas precisam ser reconhecidos, não somente por meio da imprensa, mas fundamentalmente com apoio do governo. Eles viajam e viajarão o mundo levando nas suas malas uma marca chamada Brasil, levando na sua comida uma mensagem com gosto brasileiro. O futuro do Brasil é esse. Aprender, valorizar e divulgar o patrimônio gastronômico cultural brasileiro.

Quais os principais desafios de ser um chef de cozinha, atualmente?
O Brasil é um país bastante hostil ao empreendedorismo. Principalmente na relação de entender melhor que a construção de custos, impostos, taxas de cartão são fundamentais para desenvolver o restaurante ou um negócio qualquer. Os controles sanitários também são bastante complicados e importantes de serem cumpridos. Entender essas minúcias burocráticas legais é essencial. Essa é uma coisa que eu conhecia muito pouco antes de empreender.

Estamos vivendo em um momento de valorização de pequenos produtores, de ingredientes locais e típicos de cada região, ações que você sempre priorizou em sua cozinha. Qual é a importância dessas iniciativas que discutem a gastronomia de maneira mais consciente?
A necessidade hoje não é de que os chefs especificamente considerem isso nos restaurantes, mas sim que nós, como indivíduos, entendamos que conseguimos ser ferramentas de transformação. O conceito de cidadania pode ser traduzido na atitude do indivíduo em favor do coletivo. Acredito em um consumo cidadão e em uma cozinha cidadã.

Qual é sua relação com a gastronomia mineira e quais são os ingredientes mais interessantes extraídos daqui que você gosta de trabalhar?
Minha relação é totalmente afetiva. Em um dos meus restaurantes, o "Dalva e Dito" servimos vários pratos da cozinha mineira ou inspirados nela, como lombo de porco com feijão tropeiro, porco na lata e rabada com agrião. Usamos muito o queijo canastra, que está em todos os nossos pães de queijo, café mineiro, broa, ora-pro-nóbis, enfim, todo um universo de ingredientes.

Na sua cozinha, quais ingredientes mais têm te interessado recentemente? E técnicas?
Sem dúvida, os cogumelos brasileiros, produzidos pelo indígenas Sanöma, um subgrupo do povo Yanomami. Eu já havia ouvido falar de comunidades tradicionais e ribeirinhas que utilizavam cogumelos, mas sem ter acesso direto a esse ingrediente. Por volta de seis anos atrás, tive os primeiros contatos com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), e ouvi falar sobre o estudo formal dos cogumelos comestíveis. Essa informação, além de me impressionar, me remeteu ao ano de 2003, quando em meu primeiro livro escrevi que não era possível que no Brasil não houvesse cogumelos comestíveis. A descoberta desses cogumelos e o quanto o projeto avançou até hoje reforçam uma crença nossa: a importância do diálogo entre diferentes disciplinas. O estudo de cogumelos em terras brasileiras é muito anterior a isso, mas, infelizmente, a cozinha e a pesquisa/ciência não souberam conversar para que as coisas andassem mais rápido. Hoje, o projeto dos cogumelos segue avançando pela união de forças do Inpa, Instituto Socioambiental (ISA) e ATÁ.

Mais que a questão do produto, tem sido também importante o convívio com a cultura?
Os cogumelos com os quais trabalhamos hoje são colhidos por meio do sistema agrícola tradicional Yanomami. Acho que o grande objetivo não é só trazer os cogumelos para o mercado comum, mas, sobretudo, proteger os modos de vida e a cultura Yanomami. Os cogumelos comestíveis não são exclusividade dos Yanomami, muito menos da Amazônia. Hoje, manejamos por volta de 11 espécies espontâneas (não são plantadas, apenas colhidas dentro do sistema tradicional), e durante o ano é possível ver mais de uma espécie aparecendo numa mesma área. Acho que o sonho não é outro que não o de trazer para a gastronomia um novo saber e devolver à natureza um benefício real.

O que. Mesa Ao Vivo Minas Gerais
Quando. 10 a 12 de agosto
Onde. Espaço Sicepot MG (av. Barão Homem de Melo, 3.090, Estoril)
Quanto. R$ 60 (o dia) e R$ 100 (dois dias)
Detalhes da programação das cozinhas shows, palestras e outras informações podem ser encontrados no site: www.mesaaovivominasgerais.com.br

http://www.otempo.com.br/pampulha/ele-estar%C3%A1-entre-n%C3%B3s-1.1505075
Biodiversidade:Geral

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