FSP, Editorial, p. A2 - 21/08/2017
Marco extemporâneo
Não foi ainda desta feita que o STF (Supremo Tribunal Federal pacificou de vez a questão do chamado marco temporal a rondar a demarcação de terras indígenas. Decisão tomada na quarta-feira (17), porém, sugere que a tese cara a ruralistas enfrentará percalços.
O próprio STF suscitara em 2009 tal argumento, ao estipular como precondição para referendar a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol que os indígenas ali só tinham direito reconhecido às terras que habitavam em 1988, quando se promulgou a Constituição.
Em causa se achava agora a licitude do PDX (Parque Indígena do Xingu) -nada mais, nada menos. O governo de Mato Grosso alegava que a União usurpara terras estaduais ao criar, em 1961, esse símbolo maior da política indigenista pacificadora dos irmãos Villas Bôas
O STF indeferiu, por unanimidade dos oito ministros presentes, o pedido de indenização mato-grossense. Se não o fizesse, a União poderia arcar com uma despesa de R$ 2 bilhões, ou mais, segundo algumas estimativas (aí incluídas duas outras áreas em contestação, Nhambiquara e Parecis).
O Supremo entendeu que os 26 mil km² do PIX não podiam ser consideradas terras devolutas desde a Constituição de 1934, que já previa a indisponibilidade de áreas ocupadas por povos indígenas.
Para o STF, o governo de Mato Grosso não provou estar de posse das terras em 1961. Mais ainda, reconheceu laudos antropológicos da Funai que atestavam serem elas há muito ocupadas por índios.
Embora os ministros não tenham definido diretamente a questão do marco temporal, sua decisão foi comemorada por organizações indigenistas. Ela recua o limiar para 1934 e ainda reforça a autoridade da Funai para estabelecer se a área tem ocupação tradicional.
"São reconhecidos aos índios (...) os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens", reza o artigo 231 da Constituição.
Soa difícil conciliar a decisão e o texto constitucional com a tese do marco temporal (que paralisaria mais de 700 processos de demarcação ainda em curso). Se essa doutrina prevalecesse, o STF consagraria a injustiça com os povos indígenas que tenham sido expulsos de suas terras antes de 1988.
Apesar disso, para agradar a bancada ruralista, o presidente Michel Temer (PMDB) assinou em julho parecer tornando-a vinculante para toda a administração federal.
Tudo indica que a questão voltará ao escrutínio do Supremo.
FSP, 21/08/2017, Editorial, p. A2
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2017/08/1911375-marco-extemporaneo.shtml
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